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Foto do escritorMarcelo Augusti

A MARATONA E OS TREINOS LONGOS


Somente aqueles que se arriscam a ir longe demais,

são capazes de descobrir o quão longe se pode ir.

(Thomas Stern Eliot)


Em qualquer outra modalidade de corrida de longa duração, os corredores podem treinar em distâncias que vão de duas a cinco vezes à distância da prova, o que muito lhes acrescenta em termos de condicionamento físico e preparo mental. No caso da maratona, percorrer uma distância em treinamento que seja duas vezes o percurso da mesma, ou seja, 84 km, seria extrapolar as condições em que se assentam a base da preparação. Isso acarretaria em maior desgaste, e menos benefícios.


Por essa e outras razões, a maratona constitui-se em uma prova de características muito particulares e, um dos principais fatores de sucesso para vencer o desafio de superar os 42 km, reside exatamente na metodologia dos treinos longos.


Conceito e objetivos dos treinos longos


O treino longo é um exercício físico pertinente à preparação dos corredores maratonistas, cuja principal característica é a realização de uma corrida contínua, geralmente em ritmo confortável a moderado, por um tempo prolongado.


Os objetivos do treino longo incidem sobre os aspectos fisiológicos, cinesiológicos e psicológicos da preparação para a maratona. Vamos a eles!


Objetivos fisiológicos


  • Aumento da capacidade das fibras musculares Tipo I (oxidativas de contração lenta) em produzir energia por meio dos processos do metabolismo lipolítico. Ou seja, a fonte principal de energia para a atividade muscular de longa duração e baixa a moderada intensidade provém da “queima” das gorduras. Em comparação aos carboidratos, a quebra de uma molécula de lipídio libera 9 kcal de energia, contra apenas 4 kcal dos glicídios. Esse processo metabólico poupa as reservas de glicogênio muscular (carboidratos), em boa parte da prova, caso o ritmo seja corretamente distribuído ao longo do percurso. A dosagem do ritmo no início da prova é uma garantia de que os músculos terão energia para o trecho final da maratona, isto é, os últimos 10-12 km. Portanto, os treinos longos devem ser executados no limiar aeróbio, isto é, em baixa a moderada intensidade, o que corresponde a correr sem ficar ofegante.


Objetivos cinesiológicos


  • Com os treinos longos, ocorrem ajustes no mecanismo de contração muscular, pois as fibras musculares de um mesmo músculo ao serem submetidas ao esforço de longa duração (resistência), alternam-se entre si durante o trabalho, ou seja, enquanto umas estão em atividade, outras se recuperam. Mantém-se, portanto, a execução do ritmo de trabalho, sem prejuízos ao rendimento. Isto significa que, do ponto de vista anatômico e funcional, os músculos “aprendem” a executar o trabalho de longa duração sem desgastes desnecessários. O comportamento motor adequado é essencial para o alcance dos objetivos na maratona.


Objetivos psicológicos


  • Durante o treino longo, o corredor enfrentará um grande obstáculo, maior até que o esgotamento físico: é o desgaste mental e emocional. Devido à exigência da atividade de se manter por tempo prolongado, há momentos em que o corpo parece que não quer mais seguir adiante, por mais confortável que se esteja correndo. Isto ocorre não pela intensidade do esforço, mas pela sua ação prolongada no tempo. É a hora em que a atenção e a concentração são postas à prova, pois, qualquer distração ou sugestão, poderá levar o corredor a abandonar precocemente o treinamento. Qual foi o corredor que nunca ouviu aquela voz interna dizendo “o que estou fazendo aqui?” O aspecto psicológico prepara o corredor para o chamado “ponto morto” da maratona, ou seja, o momento em que ele tem apenas que manter o ritmo sob seu total controle, caso não queira ficar caminho.


Fica evidente, por esses três aspectos, que o treino longo tem como a sua principal razão de ser, permitir ao corredor as experiências fundamentais relacionadas ao esforço de longa duração, que será o grande obstáculo a ser superado durante a maratona.


Treino longo: duração ou distância?


Uma questão que provoca muitas dúvidas em relação aos treinos longos é: devemos correr durante determinado tempo ou percorrer uma certa quantidade de quilômetros? Qual é o ideal? Essa questão, analisada à luz da teoria científica do treinamento desportivo, leva em consideração os seguintes aspectos:


  1. a intensidade do esforço, que significa a relação entre o Consumo Máximo de Oxigênio (VO2max) e o Limiar de Lactato (LL), e que determina a velocidade de corrida. O VO2max é a capacidade cardiopulmonar do corredor de consumir a maior quantidade de oxigênio para produção da energia pela via metabólica oxidativa. O LL é a capacidade muscular do corredor em utilizar o maior porcentual do VO2max para a realização do trabalho muscular sem produzir acidose metabólica. A importância do LL como parâmetro de intensidade remonta ao vencedor da maratona olímpica de Munique, 1972, o americano Frank Shorter. Naquela época, um maratonista de alto nível deveria apresentar um VO2max em torno de 80ml.kg.min, com capacidade para utilizar 75% dessa quantidade de oxigênio. Para surpresa de todos, Shorter apresentava um VO2max de apenas 71ml.kg.min. Todavia, era capaz de utilizar 88% desse volume. Na prática, isso correspondia a 62ml.kg.min de Shorter, contra 60ml.kg.min de outros atletas. Ou seja, Shorter era capaz de produzir mais energia para os músculos pela via aeróbia do que os outros corredores. Isso foi uma descoberta que revolucionou a metodologia do treinamento.

  2. a duração do esforço, sendo este um componente muito discutido. A duração do treino longo não deve ultrapassar, de um modo geral, às duas horas de exercício contínuo. Pesquisas indicam que, a partir de uma determinada duração da atividade, os mecanismos fisiológicos que ocorrem nas fibras musculares já não respondem de modo positivo ao treinamento. Assim, os benefícios proporcionados pelo treino longo ficam em segundo plano, pois o desgaste na estrutura e funcionamento do aparelho locomotor provocado pela exposição ao exercício por um tempo demasiado, acaba por retardar os processos de regeneração do organismo, tamanho o impacto ocasionado na estrutura anátomo-articular pelo exercício de longa duração. As estruturas danificadas comprometem o funcionamento adequado, o que, por sua vez, expõe o corredor a lesões sérias que podem afastá-lo do treinamento e até mesmo das atividades competitivas por um tempo indeterminado.


O entendimento desses dois aspectos permite a elaboração e os ajustes necessários na planificação dos treinos longos, que devem ter um sólido fundamento tanto nas leis e princípios gerais da biologia e da metodologia do treinamento esportivo, quanto nas características individuais e necessidades de cada corredor.


Atletas de alto nível percorrem distâncias entre 32-36 km, no auge da preparação. Essas distâncias são cobertas em até 2h de esforço contínuo, geralmente com 80% do percurso realizado num ritmo bem próximo do LL, e os demais 20% acima do LL, o que significa dizer que eles utilizam um grande percentual do seu VO2max, pois a tolerância ao esforço intenso e prolongado é excepcional. Obviamente esses corredores estão ajustados a esse tipo de esforço intenso e prolongado, e seus organismos reagem de modo natural a uma adequada recuperação, aqui entendida como o restabelecimento das reservas energéticas e reparo aos danos das estruturas celulares.


Os corredores experientes e com lastro fisiológico ou memória muscular bem consolidada, ainda que não sejam de alto rendimento, também podem optar por percursos entre 32-36 km, no auge da preparação, o que daria em torno de 2h30 a 3h de duração. Dentre esses, os mais lentos, quando percorrem essas distâncias, não devem ultrapassar 3h a 3h30 de esforço prolongado. Nesse caso, os corredores permanecem a maior parte do tempo em um ritmo correspondente ao limiar aeróbio, o que significa dizer que há um equilíbrio entre a necessidade muscular de oxigênio para produzir energia e a capacidade cardiopulmonar em consumir o oxigênio. A intensidade do esforço, portanto, fica bem abaixo do LL.

Recuperação

Trabalhos de duração prolongada levam, em média, de 48 a 72 horas para que o organismo se recupere totalmente e esteja pronto para as demais sessões de treinamento. Os atletas de alto nível, por serem muito resistentes, percorrem grandes distâncias com mais facilidade e em menor tempo; portanto, se recuperam mais rapidamente em relação aos demais, entre 24 a 36 horas. Os corredores expostos às maiores durações (3h-3h30), necessitam de mais tempo para a recuperação, às vezes, chegando a 96 horas para se reestabelecerem 100%.


Imediatamente após a finalização do treino longo, o corredor deverá iniciar a reposição energética. À primeira hora após o fim do exercício é fundamental para uma rápida e adequada restauração dos processos biológicos do organismo. Assim, bebidas ricas em carboidratos devem ser consumidas nesse primeiro momento. Posteriormente, uma dieta que contenha uma quantidade suficiente de carboidratos (por volta de 60%) seguida de repouso, acaba por constituir o quadro ideal para uma completa recuperação.


Dias quentes e úmidos podem transformar o treino longo em um verdadeiro suplício. Evite essa via sacra preferindo horários com temperatura ambiente amena e umidade relativa do ar que favoreça a transpiração, ou seja, que facilite os processos fisiológicos de manutenção da temperatura corporal. Como parâmetros, temperatura ambiente de 28° e umidade por volta de 60% já será suficiente para muito sofrimento. Isso provoca grande desgaste e também irá influenciar na recuperação.


O tempo de recuperação do treino longo não depende apenas do condicionamento do corredor e das condições climáticas, mas, também, de sua genética. Corredores maratonistas típicos possuem um elevado percentual de fibras oxidativas, o que facilita a recuperação. No caso dos demais corredores, um percentual menor de fibras oxidativas acarretará em maior tempo de recuperação após um esforço intenso e prolongado. Lembramos que nem todos os maratonistas são maratonistas típicos, mesmo no alto nível: é o treinamento que torna possível percorrer os 42 km em elevada performance.


Para finalizar, no caso dos treinos longos, é melhor errar para menos do que para mais: a exposição precoce ao exercício de longa duração, aumenta os riscos de lesões. Quanto maior a duração, independente da quilometragem percorrida, maior também será o desgaste, e mais atenção deverá ser dada aos processos de recuperação.


Frank Shorter, Munique (1972)


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