As aflições individuais e as dores que são inevitáveis em nossas vidas, estão guiando os destinos da humanidade. A inquietação do mundo inteiro é um reflexo do estado mental doentio do ser humano moderno (Swami Satyananda Saraswati)
O que percebemos como “a realidade”, nada mais é do que um reflexo daquilo que temos como “a realidade” em nossa mente. A mente é o centro das nossas percepções e projeções; ela separa, analisa, distingue, categoriza e arquiva todas as informações captadas do mundo exterior.
O método operacional da mente, permite que as informações processadas sejam reunidas em um todo coerente. É com essa síntese que ela elabora e projeta, no mundo exterior, aquilo que passamos a acreditar ser “a realidade”.
Mas essa realidade projetada pela mente, não passa de uma sobreposição ao que, de fato, é real. Trata-se de um “mundo imaginário” forjado pelo labor da mente, cuja substância formadora depende da qualidade das nossas experiências.
É pela exposição ao meio em que vivemos, isto é, nossa sociedade, cultura e educação, que obtemos a base empírica das nossas experiências. Essa base empírica é o que fornece os elementos que geram os conteúdos aos quais a mente constrói o seu “mundo particular”.
A realidade sobreposta, portanto, é uma ilusão, no sentido de que não corresponde ao que, de fato, é. Trata-se de um erro de percepção, uma interpretação equivocada da realidade. Isso nos leva ao engano, a não perceber essa realidade forjada como um "faz de contas" elaborado pela nossa própria mente.
Cada “mundo particular” corresponde a uma mente. Logo, a confusão está formada: bilhões de seres humanos, bilhões de “mundos particulares”. Temos, então, que, para cada mente, cada pessoa, há uma interpretação diferente da realidade.
Essas "realidades", entretanto, não correspondem ao que, de fato, é real. E a depender do nosso comprometimento com essa realidade, de nossa crença nesse "mundo de fantasias", justificamos nossos pensamentos, palavras e ações em defesa de uma suposta autenticidade incontestável.
A existência terrena é a oportunidade que temos para desvendar as artimanhas, os artifícios, as armadilhas, os embustes e a engenhosidade da mente. Mas as arapucas da mente não correspondem ao seu estado natural; são condicionamentos que se transformam em padrões de comportamento que reiteramos exaustivamente ao longo da vida.
A mente condicionada elabora e projeta a realidade a partir de três padrões distintos: o reacionário, o refratário e o reflexivo. Esses padrões de comportamento surgem, principalmente, daquilo que nos foi imposto como "certo ou errado" pela sociedade, pela cultura, pela educação e a religião. A depender do grau de comprometimento com esses padrões, nossas experiências de vida tendem a confirmar a validade do que acreditamos ser certo ou errado.
A partir de uma perspectiva histórica, podemos tentar descobrir como essas "três mentes" se desenvolveram nos seres humanos e como elas influenciam na qualidade das nossas experiências e na nossa compreensão da realidade. Podemos iniciar o nosso exercício abordando algumas diferenças entre a vida em uma comunidade e a vida em uma sociedade.
Os seres humanos são dotados de alguns mecanismos biológicos que, em momentos de escassez, fizeram com que se reunissem em grupos ou tribos e, sob a liderança de um líder, buscassem uma coesão que lhes dessem segurança coletiva, fato este que deu origem às comunidades e, posteriormente, às sociedades.
De um modo geral, as comunidades são protetoras. Em uma comunidade, ninguém passa fome sozinho, pois se houver fome, esta é uma questão coletiva; ninguém também é abandonado à sua própria sorte, a menos que viole algum elemento do pacto sagrado que sustém a vida em comunidade. Violar as regras indiscutíveis e sagradas da vida comunitária é trair a confiança que mantém todos unidos em prol de um bem comum.
A identidade, os costumes e as tradições religiosas da comunidade devem ser defendidos a todo custo, ou tudo pode ruir. Afinal, tudo pertence a todos, e todos devem estar unidos para que nada falte a ninguém. Portanto, a depender do que foi violado, a punição ao transgressor é a exclusão parcial ou permanente da vida comunitária. A profanação, quando não remediada imediatamente, pode trazer a desgraça da própria comunidade.
Por outro lado, as sociedades, que surgiram mais tardiamente, como um “avanço” da vida comunitária, geralmente, são menos protetoras. Elas permitem maior liberdade de expressão e incentivo às conquistas pessoais. A vida em sociedade, embora disponha aos seus membros maior liberdade de ser, ter e fazer, todavia, também é regida por normas de condutas sociais.
Tais normas fazem parte de um contrato social: os indivíduos, em comum acordo, transferem a um pequeno grupo de pessoas, supostamente mais esclarecidas, a administração social. Há um governo único, portanto, que deve zelar pela segurança, pela ordem e progresso da sociedade.
Assim como na vida comunitária, a vida em sociedade também pune aqueles que violam os códigos de conduta. As leis são mais severas quanto mais o direito à propriedade corre o risco de ser violado. Tentar tomar algo que não lhe pertença “por direito” é digno de severa punição.
O “direito”, nesse caso, nem sempre se refere a algo inalienável, mas, sobretudo, por algo instituído por lei, ou seja, aquilo que garante a regulação da vida em sociedade, a partir da perspectiva daqueles que governam e, até certo ponto, considerando os interesses coletivos.
Para frear qualquer tentativa de violação às regras de conduta ou às leis determinadas, um elemento comum se faz presente tanto nas comunidades quanto nas sociedades: a moralidade. Moralidade se refere a um conjunto de valores e princípios que norteiam as boas relações e condutas pacíficas entre as pessoas que vivem coletivamente.
A moralidade, logo, deve refletir as virtudes que são a base para uma vida plena de paz, amor e felicidade: desapego, diplomacia, humildade, solidariedade, temperança, generosidade, simplicidade. Quando tais virtudes são cultivadas, as boas relações e as condutas pacíficas emergem do próprio fluxo das relações sociais.
Toda sociedade que se preze, deveria estar alicerçada em uma cultura de paz e amor, e proporcionar um tipo de educação que permitissem que as virtudes brotassem no interior de cada pessoa. Assim, nenhuma imposição que viesse de fora se faria necessário para que os arranjos sociais, elaborados em uma base de consideração mútua aos interesses coletivos, fossem cumpridos com decência e dignidade.
Porém, na falta do cultivo genuíno das virtudes, a moralidade é o mecanismo de contenção dos indivíduos que tentam despontar na vida social por meio de falcatruas e mentiras. A moralidade, portanto, é aquilo que se impõe de fora para desencorajar possíveis atos que poriam em risco a coesão social.
A moralidade perversa e a mente coletiva
Entretanto, a moralidade pode se tornar algo rígido, um fim em si mesmo. Quando isso acontece, a moralidade torna-se uma perversidade, algo que cerceia a liberdade de expressão dos membros da comunidade e dos indivíduos da sociedade. Uma moralidade perversa é um obstáculo ao desenvolvimento humano.
A moralidade perversa, de um modo geral, tem por base um único sistema fechado de regras e procedimentos que definem o que é certo e errado na vida coletiva, encerrando os indivíduos em severos e estúpidos códigos morais, e impondo-lhes um único modo de ser, pensar e agir. A moralidade, então, torna-se um perigo à própria subsistência individual e coletiva.
É importante entender que a moralidade não se resume em combater “o mal” ou “fazer justiça”. Configurações, épocas e lugares apresentam oscilações no que se refere àquilo que é interpretado como "o mal” ou “fazer justiça”.
Assim, insistir que há uma única moral, considerando-se que essa moralidade desviou-se dos interesses coletivos e perverteu-se pela influência dos indivíduos que detém o poder sobre a coletividade (seja esse poder econômico, político ou religioso), é usar a moralidade como instrumento ideológico para a garantia de satisfação de vaidades pessoais e grupos sociais específicos que somente almejam o controle e o domínio da sociedade.
Pessoas que se agrupam em prol de um suposto bem comum, tendem a pensar, sentir e agir de modo semelhante. Os pensamentos e sentimentos de cada indivíduo convergem para um centro de comando invisível, que passa, então, a ordenar as ações dos indivíduos, de modo que todos atuem de maneira idêntica, sem questionamentos que perturbem a ordem emanada do centro.
Esse centro é a mente coletiva, que assimila as regras de convivência e passa a ditar as condutas sobre o que é certo e errado. Ou seja, a mente coletiva expressa o tipo de moralidade que estimula que comportamentos semelhantes aflorem nos indivíduos, criando uma identidade coletiva baseada nessa moralidade.
A mente coletiva, todavia, não é a soma total das mentes individuais; ela é, antes, uma síntese do medo individual da ruptura da coesão social estabelecida, que significaria o fim da segurança, da proteção e da identidade: a segurança de viver em grupo, sob a proteção da lei e o sentimento de pertencer a uma identidade social. Sem segurança, proteção e pertencimento identitário, a sociedade entra em declínio, e “tudo o que é sólido, desmancha no ar”.
A mente coletiva, ao expressar uma moralidade pervertida, tende a expor as diferenças entre os indivíduos para, assim, tentar enquadrá-los em categorias que excluem os não-semelhantes. Quando alguma diferença entre grupos sociais os membros da sociedade é enfatizada, a tendência é que as pessoas se tornem mais preconceituosas e queiram se afastar dos não-iguais, marginalizando-os.
Expor diferenças é como lançar os indivíduos aos leões famintos em uma arena romana. As minorias marginalizadas, geralmente, quando expostas, ficam acuadas à própria sorte, são hostilizadas e sofrem todo tipo de violência. Os diferentes e os outsiders são tidos como desajustados, por isso, na visão dos que se consideram “iguais”, eles merecem ser punidos, não apenas pela “justiça dos homens”, mas, também, pela “justiça divina”.
A mente e as tendências conservadoras e progressistas
Como já dito em outro artigo, a tendência da mente é a dualidade. Assim, a mente opera por meio de opostos que, quando condicionada, não percebe que os opostos se complementam; ao invés disso, ela interpreta os opostos como algo que se exclui mutuamente.
Ou seja, se de um lado há pessoas que a tudo enxergam como ameaça à coesão social, e são pessimistas quanto às intenções dos seres humanos; de outro, há aqueles que são favoráveis a novas experiências e ideias, e são mais otimistas em relação às intenções dos seres humanos. Estamos falando dos conservadores e suas mentes reativas, e dos progressistas e suas mentes refratárias.
A mente reativa
Os conservadores, pela sua visão pessimista, prezam pela lealdade, pela autoridade e pela santidade. Eles são os defensores “implacáveis” dos “bons costumes”. Eles anseiam que os membros da sociedade sejam controlados para se comportarem bem (conforme o que eles, conservadores, acreditam que seja o comportamento certo ou errado). Eles acreditam que, para a sociedade prosperar (na verdade, para que eles continuem prosperando), a maioria dos membros da sociedade deve contribuir e cooperar, sem questionar nada.
Os conservadores pensam em si mesmos, e nos seus empreendimentos. No máximo, seus cuidados alcançam o âmbito da família, seu pequeno grupo de “amigos leais” e as organizações institucionais aos quais aderem, como clubes somente para sócios indicados e a igreja, por exemplo. No caso da igreja, é fundamental que “Deus concorde com eles”, obviamente.
Os conservadores, portanto, prezam por aquilo que eles acreditam que lhes pertencem por direito adquirido. Assim, se pelo "esforço e dedicação" alcançam riqueza material, os conservadores não concordam em redistribuir igualitariamente, a riqueza entre todos os membros da sociedade, mesmo que eles tenham conquistado tudo à custa da exploração do esforço alheio.
Eles acreditam que é injusto dividir aquilo que conquistaram por meio do "seu suor e sacrifício”, ou seja, da labutam de todos aqueles que se submeteram ao seu domínio e controle para enriquecê-lo. O conservador acredita que todos têm a mesma oportunidade de "vencer na vida"; portanto, aqueles que não conseguem, é porque não foram dignos e não merecem nenhuma compaixão.
Os conservadores não entendem ou não querem entender que, a vida em sociedade, pelas suas próprias características históricas, foi fundada na desigualdade social, ou seja, a maioria dos membros da sociedade é vítima da exploração política, econômica e religiosa. Não há igualdade de oportunidades para todos os membros da sociedade.
Ou seja, nem todos os que “fracassam” é porque são indignos de desfrutarem uma vida social decente; a maioria, simplesmente, não tem qualquer oportunidade de ascender na escala social. Apenas sobrevivem, fazendo o que podem para “ganhar a vida” honestamente.
Os conservadores, portanto, desenvolveram uma mente reativa. Ou seja, sem qualquer espaço para uma reflexão crítica, eles apenas reagem a qualquer indício de que suas convicções ideológicas e modo de vida possam ser questionados. Qualquer questionamento deve ser combatido e sufocado com veemência, pois se der espaço ao debate, a máscara da moralidade começa a cair.
A mente reativa rejeita tudo o que possa pôr em risco aquilo que já está estabelecido. Ela é contra qualquer tipo de liberdade concedida para “o outro”, pois apenas ela pode desfrutar da liberdade que ela julga ter conquistado com seu “esforço e dedicação”.
Se a máscara da moralidade cair, a mente reativa irá se deparar com a verdade incontestável: o egoísmo. É algo raro que uma pessoa reconheça que é egoísta; no máximo, ela poderá admitir alguma coisa, explicando o inexplicável e justificando o injustificável, afirmando que seus atos foram para o “bem de todos”, de que ela tinha que fazer o que fez, pois era um “dever como cidadão do bem”.
A mente refratária
Os progressistas prezam pelo otimismo. Para os progressistas, as pessoas, em geral, são boas, o que lhes falta é oportunidade. Se as pessoas estiverem livres do jugo de leis severas, costumes e tradições que provocam exclusão social, os progressistas acreditam que elas podem realizar muitas coisas. Em suma, os progressistas acreditam que todos devem ser livres, e que a vida social deve prover as mesmas igualdades de oportunidade a todos os seus membros.
Os progressistas têm horror a qualquer tipo de exploração “do homem pelo homem”; portanto, eles buscam solucionar as questões da exploração social por meio de uma justa distribuição da riqueza. Assim, os mais privilegiados deveriam ser mais generosos e justos com os menos favorecidos.
Os progressistas acreditam que, se for necessário, o governo instituído deve interferir na sociedade para que todos possam desfrutar, igualitariamente, das riquezas e dos bens materiais produzidos socialmente.
De um modo geral, os progressistas desejam uma sociedade equânime, onde todas as pessoas possam ter uma vida digna e decente, sem explorações. Em contrapartida aos conservadores, que prezam pela coesão do grupo aos quais pertencem e se identificam, os progressistas, por sua vez, apontam para os direitos individuais.
Para os progressistas, a autonomia do indivíduo está acima de qualquer lealdade, autoridade ou santidade que lhes barrem o direito à liberdade individual. Costumes e tradições não podem se interpor entre o progressista e sua necessidade de liberdade individual e igualdade de oportunidades.
Os progressistas, na ânsia por vezes desvairada de liberdade e igualdade, cometem atos insanos: eles invadem propriedades e lá se alocam sem cerimônia, e exigem que seus direitos individuais sejam respeitados a qualquer preço. Se os conservadores acreditam que tudo lhes pertencem, os progressistas sempre estão dispostos a mostrar o contrário: que a sociedade justa é uma sociedade equânime.
Os progressistas, portanto, desenvolveram uma mente refratária. Ou seja, diante das desigualdades, eles não se resignam sobre a realidade social, se insubordinam e agem sempre no sentido de rejeitar qualquer tratamento considerado socialmente injusto. No mais, lutam para que suas convicções ideológicas (liberdade e igualdade) se façam estender a toda a sociedade.
A mente refratária, logo, está sempre questionando a tudo e todos, em suas tentativas de esclarecer os explorados da sua condição degradante. O comportamento típico de uma mente refratária é a rebeldia. Qualquer coisa que se oponha à sua liberdade individual de lutar pela igualdade de oportunidades, por uma “sociedade mais justa”, será combatida com veemência.
A mente refratária, quando inflamada pela sensação de injustiça, não mede termos para tecer severas críticas àquilo que já está estabelecido e que a mente reacionária não pretende mudar. Ela é contra qualquer tipo de autoritarismo e cerceamento de suas garantias individuais de acesso às oportunidades. Ela quer a igualdade para todos, sem exceção; quer incluir todos os membros da sociedade em seu projeto de uma vida social digna e decente para todos.
Embora apresente motivos e razões pertinentes, a mente refratária peca, muitas vezes, por instigar um comportamento demasiado crítico que acaba por gerar desconfiança e prejudica o entendimento de suas propostas de “justiça social”.
Diante de uma mente refratária, atolada em suas próprias rebeldias, o mundo parece sem cor e sem sabor: nada presta, nada é bom, tudo está errado. Ela nega, muitas vezes de modo irônico e debochado, qualquer coisa que contradiga as suas convicções de inclusão social. Ela é dominada por uma moralidade que apenas vê horror e caos em uma sociedade “sem jeito”.
Se a máscara da moralidade cair, a mente refratária irá se deparar com a verdade incontestável: o egoísmo. Não é porque alguém deseja o “bem para todos”, que o egoísmo não está presente. Afinal, que intenções movem essa pessoa? Será mesmo que, ao ter acesso às oportunidades e se realizar materialmente, ela abdicaria de suas conquistas pessoais e suas posses para repartir seus bens com outros mais necessitados? Será que ela se inclui nas críticas mordazes que faz à sociedade?
Como já foi dito, é algo raro que uma pessoa reconheça que é egoísta; no máximo, ela poderá admitir alguma coisa, explicando o inexplicável e justificando o injustificável, de que seus atos foram para o “bem de todos”, de que ela tinha que fazer o que fez, pois ela é “consciente do mal que acomete a sociedade”.
A mente reflexiva, o meio-termo entre os extremos
A mente, dominada e controlada pela moralidade, seja esta uma versão reativa ou refratária, não passa de uma mente condicionada. Conservador ou progressista, isso não importa, pois são apenas denominações que servem de distinções sem propósito maior.
Há algo de progressista no conservador, assim como há lago de conservador no progressista. Se aferrar a um dos lados, tratando-os como se fossem opostos excludentes, é manter-se na ignorância, no sofrimento e no medo.
É necessário, pois, entender que o conflito não está no mundo exterior; porém, ele se faz primeiramente no mundo interior: na mente. É no íntimo de cada pessoa que as batalhas mais terríveis são travadas. Não à toa diziam os sábios de outrora que “o maior guerreiro é aquele que vence a si mesmo”.
Há pessoas que não se incluem nas categorias das duas mentes que foram citadas aqui. Há uma mente que se desenvolve a partir da disposição e interesse do indivíduo em obter conhecimento. Essa é a mente reflexiva.
A mente reflexiva preza pelo entendimento da realidade. Ela busca informações em variadas fontes de conhecimento, que tratam um mesmo tema sobre diversas perspectivas. Ela examina com cuidado todo o conhecimento proveniente dessas fontes. Por isso, ela pondera os motivos e razões das mentes conflitantes, antes de expressar qualquer tipo de julgamento a favor ou contra esta ou aquela.
Podemos dizer que a mente reflexiva é o meio-termo entre os extremos. Mas ela não está livre de condicionamentos. Embora a mente reflexiva tenha sua importância para a jornada espiritual, ela é limitada em seu alcance e profundidade. Se a mente reflexiva se apegar ao conhecimento, o indivíduo torna-se arrogante, vaidoso, impertinente e destrutivo.
Afinal, quem é que suporta uma pessoa que, a todo momento, lhe aponta o dedo para dizer que você está errado? Ou aquela que diz "falo a verdade, doa a quem doer"? Pessoas que se apegam ao conhecimento, acreditam que sempre têm razão; porém, quase sempre lhes falta sabedoria, sensibilidade e compaixão no trato com a vida.
O comportamento típico da mente apegada ao conhecimento, portanto, é colocar-se acima de todos e de tudo, excluindo os dois lados extremistas por considera-los gananciosos e utópicos. A mente reflexiva acredita que somente ela é que, de fato, detém o conhecimento da realidade. Considera-se a si mesma uma mente livre, apenas por não pertencer a um dos lados. Entretanto, assim como nas outras duas mentes, o egoísmo também está presente nos padrões de comportamento da mente reflexiva.
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Esses são exemplos da mente que não é dominada pela consciência. Quem se encontra nessa situação não tem autonomia para escolher pensamentos, ideias ou linhas de raciocínio sobre as observações que faz do mundo, pois sua mente atua como um ser independente, com temperamento próprio e poder para regular pensamentos, pois julga indiscriminadamente. Dominar a mente é a consciência impor o que e quando a mente irá pensar e a reflexão que fará em determinada circunstância.
(Wu Jyh Cherng, mestre taoísta)
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É interessante notar que a liberdade é o fator comum entre essas três mentes. Cada uma delas entende a liberdade a partir de seus próprios interesses e expectativas definidos por seus condicionamentos. Entretanto, nenhuma delas alcança, de fato, a liberdade. Liberdade é estar livre dos condicionamentos que obscurecem o discernimento sobre a realidade.
Para a mente reativa, a liberdade está no poder de controle e manutenção do que está estabelecido para o seu grupo e que lhe favoreça; já para a mente refratária, a liberdade está no poder de avançar em direção à conquista de um bem comum a todos, preservando a sua busca pessoal. A mente reflexiva entende a liberdade como um poder intelectual que a livra dos extremos da ganância ou da utopia, e a torna distinta e civilizada.
A mente é o domínio da dualidade. Na mente, o verdadeiro e o falso se entrelaçam e se confundem. Quando condicionada por padrões de comportamento, ela não consegue espelhar a imagem daquilo que é real; apenas fragmentos da realidade surgem eventualmente.
O que a mente condicionada é capaz de fazer é tentar juntar esses fragmentos e deduzir algo que lhe dê sentido de unidade. Por isso, todo conhecimento obtido por uma mente condicionada é relativo e parcial; nada se pode concluir a partir dos limites estreitos aos quais a mente produz e confina suas percepções, conteúdos e projeções.
A mente a ser cultivada é a mente desperta. A mente desperta não ergue muros para se proteger; ela não emite opiniões, julgamentos, preconceitos ou elabora estratégias para "se dar bem". A mente desperta nada mais é do que o estado natural da mente, livre dos condicionamentos. É a mente que se encontra em um tranquilo permanecer, indiferente às agitações do mundo, porém, plena de compaixão e bondade para com todos os seres vivos.
A meta do yoga é fazer emergir a consciência plena que nos possibilite perceber claramente a realidade. No processo do yoga, somente quando a consciência ilumina a mente, inicia-se a dissolução dos conteúdos que condicionam a mente e determinam nosso comportamento. Então, não haverá mais as faces da mente (reacionária, refratária e reflexiva), porém, a mente em si, em seu estado de harmonia e serenidade, a mente como ela é.
Estude e pratique yoga, com seriedade e constância, para obter boa saúde física e mental e conhecimento sobre si mesmo. A consciência plena emergirá do autoconhecimento. Então a mente, iluminada pela consciência plena, se libertará dos padrões reacionários, refratários e reflexivos que ditam suas projeções sobre a realidade. Assim, a verdadeira liberdade será revelada.
O caminho perfeito é difícil apenas para os que escolhem a escolha; não goste, não desgoste; tudo se esclarecerá. Aponte uma sutil diferença, e céus e terra estarão separados. Se deseja que a verdade esteja à sua frente, nunca seja a favor ou contra. A batalha entre “a favor” e “contra” é a maior doença da mente (Seng Ts'na)
Hari Om Tat Sat.
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