(Alguns ensinamentos dos Upanishads)
O Brahman é nada mais e exatamente o mesmo que esse espaço fora do homem. O espaço fora do homem é nada mais e exatamente que o espaço dentro do homem. O espaço dentro do homem é nada mais e exatamente que o Brahman. Isto é plenitude. Alcança-se a plenitude quem assim aprende (Chandogya Upanishad, 3, 3.12)
Conta-se que, certa vez, Narada, buscando aperfeiçoar-se no Caminho da Sabedoria, foi até o sábio Sanatkumara, um eremita da floresta, pedir-lhe orientações.
Antes de transmitir seus ensinamentos, Sanatkumara perguntou a Narada o que ele já havia aprendido. “Ensinar-lhe-ei o que estiver além do que você já aprendeu”, disse o eremita.
Narada respondeu:
Já aprendi todos os ramos da arte, da dança, da música e da poesia; aprendi a ciência dos astros, a história, os números e toda a filosofia; aprendi a arte de bem falar e governar; estudei todas as escrituras sagradas e aprendi todos os rituais; estudei sobre animais e plantas; porém, apesar dos muitos anos de estudo e todo conhecimento adquirido, ainda não alcancei a paz interior.
Aqui temos um primeiro ensinamento: o princípio básico da educação correta é passar do conhecido para o desconhecido. Por isso, o sábio eremita pediu a Narada para dizer-lhe o que ele já conhecia, antes de ensinar-lhe o que ele não conhecia.
Temos também um segundo ensinamento: Narada, apesar de reconhecer seu esforço e dedicação nos muitos anos de estudo, havia compreendido, humildemente, que todo o conhecimento que havia adquirido, era inadequado à sua busca principal, isto é, a paz interior.
Disse Narada: “Sábio eremita, ouvi dizer que pessoas como tu, que conhecem o Real, deixam o sofrimento para trás e alcançam a paz interior. Ensina-me, pois, a ir além do sofrimento”.
Sanatkumara, então, respondeu a Narada que o que ele adquiriu em seus anos de estudos, é o conhecimento menor (apara vidya), ou seja, não é o conhecimento que põe fim ao sofrimento e conduz à paz interior; tal conhecimento do mundo se dá por meio de palavras e nomes das coisas.
Para alcançar a paz interior, afirmou o eremita, Narada precisava de algo além de palavras e nomes – que era a sua coleção de conhecimentos; ele precisava de um conhecimento maior (para vidya); ou seja, um conhecimento que transcende as palavras e nomes das coisas.
Disse Sanatkumara:
Tudo o que você conhece são meras palavras e nomes, uma verborragia; mas esse é o conhecimento que a mente pode adquirir. Quando temos que explicar uma palavra ou um nome de uma coisa, mais palavras e nomes são necessários; ou seja, a mente explica uma coisa com mais verbalizações daquela mesma coisa.
Aqui temos um terceiro ensinamento: a palavra não é a coisa, e a coisa não é idêntica ao nome que lhe é atribuído; palavras e nomes são apenas representações mentais da realidade. Por isso se diz que todo conhecimento que gera acúmulo de palavras e nomes, é um conhecimento menor (apara vidya), pois são apenas representações do Real.
Entretanto, apara vidya não deve ser desprezado. Tal conhecimento é o que a mente humana é capaz de apreender da realidade, ou seja, de tudo aquilo que se manifesta no universo. Compreender o manifesto – o conhecido – é uma porta para alcançar o Imanifesto, o desconhecido.
Assim, Sanatkumara ensinou a Narada que apenas quando se compreende que ‘a palavra não é a coisa, e a coisa não é o nome que se lhe atribui’, é que se pode avançar para além de apara vidya.
O sábio eremita, então, respondeu:
A palavra deus certamente não é deus, a palavra beleza não é a beleza, e o nome verdade não corresponde à verdade. A identificação da palavra com a coisa é feita pela mente. A palavra e o nome sobrepõe-se à coisa e, com isso, começamos a viver em um mundo projetado pela mente, não em um mundo de coisas reais.
Aqui temos um quarto ensinamento: viver em um mundo de projeções mentais, sem atentarmos para o que é real, é destruir o fundamento da própria vida. Como afirmou o eremita, “reverenciar o nome da coisa, é desconhecer o que, de fato, a coisa é; pela palavra e nome que indicam a coisa, somente é possível conhece-la até o limite da própria palavra”.
Assim, chegamos a um quinto ensinamento: enquanto algo se interpõe entre a consciência individual (Atman) e a Consciência Universal (Brahman), há uma negação da realidade e não podemos alcançar a verdade (a unidade de Atman e Brahman que se oculta na diversidade de nomes e formas do mundo fenomênico). Isto que se interpõe é a imagem projetada pela mente, ou seja, a palavra, o nome, a verbalização.
A verbalização é o véu que encobre o Imanifesto, ou seja, aquilo que está oculto à mente, o desconhecido que somente se apresenta à consciência; retirar esse véu – manter a mente em silêncio – é o Caminho da Sabedoria, pois assim se revela o conhecimento maior (para vidya) pela percepção direta da realidade. Então, alcança-se o estado supremo da infinita paz interior, buscado por Narada.
Hari Om Tat Sat.
Aquele que vê bem, não vê o sofrimento, nem a doença e tampouco a morte; aquele que vê bem, enxerga a verdade e a realidade; a tudo ele alcança plenamente (Chandogya Upanishad, 7, 7:26).
Ótimo texto. Nos traz os ensinamentos do budismo e nos provoca a reflexão, especialmente sobre o que é realidade e o que é o sofrimento criado pela mente.