O propósito de correr não é ganhar uma corrida, mas, sim, conhecer seus próprios limites.
(Bill Bowerman)
A preparação competitiva para uma corrida se apoia em quatro pilares: o treinamento físico, o treinamento técnico, o treinamento tático e o treinamento mental. Cada um deles tem sua função definida na preparação, porém, todos estão interligados e dependem um do outro para que o atleta alcance sua melhor performance. Na maioria das vezes, o treino físico é considerado o mais importante. Vejamos: um corredor que queira melhorar a sua técnica de corrida, se não apresentar um condicionamento físico adequado às tarefas do treino técnico proposto, se cansará logo e, sob o efeito do cansaço, seus gestos técnicos serão prejudicados; é como se ele estivesse aprendendo errado os movimentos da corrida.
Para determinar qual melhor ação a ser tomada em uma disputa atlética, o corredor precisa estar na condição física adequada ao que ele está pretendo fazer. A tática de corrida, portanto, depende do condicionamento físico do corredor, pois, se pretendo fazer um split negativo (segunda parte da corrida mais rápida do que a primeira), será que minha condição física assim permitirá? E o sofrimento psíquico que se instala após os 30 km em uma maratona ou na reta final de uma disputa de 400m, com a energia se esgotando nos músculos, a dor crescendo e a fadiga se acumulando, não seria em razão de não ter-me preparado fisicamente o suficiente para o desafio?
Nessa perspectiva, tudo parece estar na conta do treinamento físico. De fato, o treinamento físico é a base da preparação esportiva. Mas, é justamente ao desenvolver e aprimorar a condição física, que estaremos desenvolvendo e aprimorando a técnica, a tática e o fator mental. O fator mental, entretanto, é aquele que possibilita que o corredor se lance aos treinamentos diários com disposição e determinação; é ele que mantém a perseverança do corredor, que não o deixa desistir simplesmente, principalmente nas circunstâncias mais árduas e difíceis dos treinamentos e das competições.
O objetivo do treinamento mental é melhorar ou manter a performance, sendo, também, um suporte ao desenvolvimento pessoal do atleta e auxílio ao seu bem-estar geral. Não se trata apenas de motivação simplista, mas de desenvolver habilidades psicológicas, emocionais e da personalidade do atleta, fatores esses que muitas vezes acredita-se que não podem ser mudados. É uma crença limitante quando afirmamos que o comportamento humano não pode ser modificado para melhor, por meio de métodos ou estratégias adequadas. O treinamento mental visa, exatamente, isso: contribuir para otimizar a performance e, ainda mais, para modificar padrões de comportamento que limitam a capacidade do atleta em buscar o seu melhor, e explorar, de modo eficiente, o seu potencial ainda oculto, seja no esporte ou na vida pessoal.
O treinamento mental, portanto, faz parte da rotina de preparação do corredor. Não é algo para se realizado apenas antes de uma competição. É no dia-a-dia dos treinamentos que o corredor irá obter os benefícios do treino mental, pois a mente, assim como o corpo, necessita de tempo para ajustar-se à novas exigências e estabelecer as mudanças nos padrões de comportamento limitantes. Assim, de modo organizado no cotidiano da preparação, o treino mental contribuirá para que alguns comportamentos, exigidos pela prática esportiva, sejam adotados pelos atletas:
1- Relaxar e controlar o estresse;
2- Imaginar o próprio êxito e uma boa imagem de si mesmo como atleta, visualizar gestos esportivos corretos e sua execução e estabelecer metas realistas para o esporte e a vida pessoal;
3- Controlar o fluxo dos pensamentos e sentimentos, de modo a não ser arrastados por recorrências negativas, falsas expectativas e soberba;
4- Ter atenção, concentração e foco;
5- Superar as frustrações decorrentes de lesões ou resultados não alcançados, a tempo de enfrentar os próximos desafios livre de qualquer abalo psicológico pelas coisas que não deram certo.
O treinamento mental, como visto, é de muita importância para os corredores, pois impactam em mudanças significativas em dois aspectos fundamentais, quais sejam, as habilidades psicológicas e o autocontrole. O primeiro aspecto diz respeito ao atleta desenvolver e estabilizar um estado mental que lhe garanta aplicar suas habilidades psicológicas em diferentes situações esportivas, ajustando seu comportamento conforme o contexto se apresenta. As habilidades psicológicas facilitam a execução das tarefas esportivas em situações de grande exigência de performance. Resiliência, flexibilidade mental (observar as coisas em outra perspectiva), tomada de decisão, improvisação e criatividade, autoeficácia (acreditar em si mesmo), automotivação e persistência são algumas habilidades psicológicas que devem ser desenvolvidas no treino mental.
O segundo aspecto, o autocontrole, é quando o atleta alcança o domínio sobre seus pensamentos, sentimentos e emoções em situações de grande exigência, tanto nos treinamentos quanto nas competições, e sem que receba auxílio externo. O autocontrole evita que o atleta tenha reações psicológicas inadequadas e se deixe levar por comportamentos inconvenientes em relação à conduta esportiva ou social. Raiva, ansiedade, frustração e agressividade são reações psicológicas que devem ser combatidas pelos atletas, e que o treino mental possibilitará o domínio e o controle dessas reações indevidas.
Importante frisar que o treinamento mental não é autoajuda, e tampouco diz respeito a alguma palestra motivacional ou audiovisual estimulante antes de uma competição. Como já dito, o treino mental é parte integrante e inseparável da preparação esportiva. Ele é um dos componentes fundamentais para o alcance da melhor performance. É o treino mental que possibilita ao corredor “ir lá e fazer o seu melhor”, independente das circunstâncias. Ou seja, “fazer o melhor” significa disponibilizar todos os recursos possíveis, conforme a meta estabelecida, para se alcançar o desempenho máximo, de acordo com as exigências do contexto do treinamento ou da competição. Como diz o filósofo Mário Sérgio Cortella, “fazer o melhor nas condições que você tem, enquanto não tem condições melhores para fazer ainda melhor”.
No esporte é difícil afirmar quando termina o físico e começa o mental, ou o técnico ou o tático. Tudo está interligado e forma um todo coerente. O treinamento mental, quando integrado à preparação dos corredores, levará a resultados significativos em relação à performance, seja facilitando o aprendizado e o desenvolvimento de gestos esportivos mais eficientes e eficazes, seja na habilidade de suportar com tranquilidade as exigências do treinamento e competições, e mesmo melhorando a conduta esportiva e social.
A vitória consiste em você fazer o seu melhor. Se você fez o seu melhor, então, você venceu.
(Bill Bowerman)
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