Este é um dos ensinamentos mais importantes que o Buda nos deixou: que a busca pela felicidade verdadeira não precisa ser algo egoísta ou de visão limitada. Você pode realmente desenvolver qualidades nobres na mente, se você procurar pela felicidade de uma forma sábia. Mas isso requer que foquemos na felicidade verdadeira e não na felicidade falsa.
(Thanissaro Bhikkhu, monge budista)
Yoga nos conduz a um amplo e profundo conhecimento de nossa essência constitutiva. Para alcançarmos esse conhecimento, se faz necessário que o instrumento de conhecimento, a mente, esteja afinada o mais próximo possível com seu estado natural. É aprimorando a mente que chegamos ao conhecimento da realidade última do que somos.
O estado natural da mente é de serenidade e harmonia. Porém, quando ela se encontra sob o domínio do ego, torna-se perturbada e desequilibrada. Uma mente perturbada e desequilibrada não se encontra apta a conhecer a verdade e a realidade. Se faz necessário, portanto, purifica-la da tirania do falso “eu”.
A prática do yoga apresenta dois importantes métodos para a purificação da mente: os ásanas e os pranayamas. Cada um deles tem suas especificidades e técnicas próprias. No processo do yoga, o praticante deve, primeiro, exercer o controle sobre o corpo por meio dos ásanas; depois, dominar a respiração, por meio dos pranayamas.
É importante saber que corpo e mente estão intimamente conectados. O que o corpo faz, reverbera na mente; o que há na mente, se reflete no corpo. No yoga, para que a mente se estabeleça em seu estado natural, é necessário eliminar todas as distrações que perturbam sua serenidade e harmonia.
O corpo é uma fonte de distração para a mente. Os cinco sentidos captam milhares de sensações a todo momento. A maioria sequer temos consciência. Todas essas sensações passam pela mente, que as interpreta como agradáveis, desagradáveis ou neutras. E isso independe de estarmos conscientes dessa percepção mental.
Corpo e mente estarem conectados não significa, todavia, que estão integrados. Ou seja, nem sempre há harmonia entre o corpo e a mente. Quantas vezes o corpo “quer” algo, mas a mente lhe diz “não”; e quantas vezes a mente “quer” algo, mas o corpo diz “não”.
Um exemplo disso, é quando estamos correndo ou meditando. Queremos correr mais, a mente nos impele a ir adiante, mas o corpo está esgotado em suas reservas energéticas; e outras vezes, o corpo está com energia de sobra, mas a mente não se entusiasma com os apelos do corpo.
Na meditação, a mente pode estar pronta, mas o corpo sente o desconforto da postura e clama, desesperadamente, pelo encerramento da prática; e outras vezes, o corpo está lá, bonitinho, um lotus perfeito, mas a mente não se aquieta, quer ação, não quer quietude. Conectados, mas não integrados.
Logo, se faz necessário, primeiramente, integrar corpo e mente. Essa integração é realizada pela prática de ásanas. São os ásanas que possibilitam o controle do corpo e, consequentemente, a manutenção de uma postura firme e, ao mesmo tempo, leve, confortável. Com os ásanas, corpo e mente se harmonizam, e o corpo deixa de ser um empecilho para a mente.
Controlado o corpo, o próximo passo é o domínio da respiração. Pranayama é o método ióguico para o praticante estabelecer um fluxo respiratório imperturbável. A respiração é um importante indicador de qualquer alteração que ocorre no corpo ou na mente. Tudo reverbera na respiração, que sofre oscilações em seu ciclo, seja a cada movimento que ocorre no corpo ou na mente.
Respirar significa que a energia vital flui por nós. É o que nos mantém vivos. Mais do que isso, a energia vital, também denominada de “sopro da vida”, remete ao espírito. O termo “espírito” deriva do latim spiritus, cujo significado é, exatamente, "respiração" ou "sopro". Portanto, o “espírito que vive em nós”, somente pode ser acessado pelo domínio da respiração.
Dominar a respiração é controlar a mente. Uma respiração imperturbável indica uma mente imperturbável. Somente quem alcança o domínio da respiração, ou seja, quem controla a sua mente, está apto a penetrar no “reino do espírito”.
No yoga tibetano, encontramos o método denominado “Nove Respirações de Purificação”, cujo propósito é a eliminar os “três venenos” que intoxicam a mente. Purificar a mente significa deixa-la livre de tudo o que perturba e desequilibra o seu estado natural de serenidade e harmonia.
As “Nove Respirações” visam eliminar os três maiores males que acometem a mente: o apego, a aversão e a ignorância. Esses males são conhecidos como “três venenos”, tais o impacto deletério que causam na mente.
A mente torna-se insalubre quando o desejo egoísta, o ódio e obscurantismo lhe invadem, a dominam e a controlam. A mente, sob as rédeas do falso “eu”, torna-se uma ferramenta para a engenhosidade do mal, da violência, da mentira e da ilusão. A serviço do ego, a mente é destrutiva.
Com as “Nove Respirações”, eliminam-se as três principais causas que provocam as mais sérias perturbações na função natural da mente. Como dissemos, a mente é o instrumento que nos possibilita a revelação do conhecimento de nossa essência. Quando a mente se aquieta, é que podemos perceber, claramente, tudo aquilo que não somos, e vislumbrar o que somos.
O método de purificação das “Nove Respirações” fundamenta-se nos estudos da anatomia e da fisiologia sutil. Além do corpo físico, temos um corpo sutil, por onde flui a energia vital. Esse corpo sutil tem muitos canais ou nadis destinados ao fluxo da energia vital. Na tradição do yoga, três canais se destacam: Ida, Pingala, Sushuma.
Sushuma é o canal central que, considerando a anatomia do corpo físico, percorre toda a coluna vertebral. Pingala é o canal localizado à direita de Sushuma, enquanto Ida, está à esquerda. Ida e Pingala, no contexto da anatomia sutil, correspondem à narina esquerda e direita, respectivamente.
O canal direito é a via para a eliminação da aversão; o canal esquerdo é por onde se elimina o apego. A ignorância, a principal causa de permanecermos iludidos pelo ego, e a origem do apego e da aversão, é eliminada pelo canal central.
Os três canais, portanto, são as vias para eliminação de toda impureza que contamina a mente, obscurecendo-nos a percepção correta da verdade e da realidade. Porém, mais do que isso, esses canais são responsáveis pelo equilíbrio do fluxo da energia vital em nosso organismo.
O equilíbrio do fluxo da energia vital se faz pela respiração. Daí a importância do domínio da respiração, pois é esse domínio que nos dá o controle do fluxo da energia vital. A energia emanada do apego, da aversão e da ignorância tende a desequilibrar o fluxo natural e até se estagnar em algum canal, provocando, como já dito, perturbações na mente que se refletem negativamente no corpo.
Esses desequilíbrios ou estagnações da energia vital são causas de doenças, ditas psicossomáticas, ou seja, perturbações da mente que afetam o corpo, como por exemplo: enxaqueca, síndrome do Intestino irritado, alergias alimentares, respiratórias e/ou de pele, gastrite, impotência sexual, infertilidade, dentre outras.
Quando a mente está alterada pelos delírios do ego, o corpo padece. Uma mente serena e em harmonia, e o corpo se manterá saudável por mais tempo. É como diz o antigo verso do poeta romano Juvenal: mens sana in corpore sano.
O domínio da respiração, logo, proporciona a harmonia entre corpo e mente e, portanto, elevam a consciência a um estado de apreço e gratidão pela vida. É somente em tal estado de consciência que a genuína felicidade se revelará.
Hari Om Tat Sat.
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