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Foto do escritorMarcelo Augusti

ACEITAR AS IMPUREZAS, ACATAR AS DESVENTURAS


O homem não se liberta da ação simplesmente por abster-se de agir, nem tampouco pode conseguir a perfeição pela simples renúncia de suas obras. Porque na realidade ninguém permanece inativo um instante sequer, pois todo homem se vê impelido à ação, ainda que a despeito de si mesmo, mas pelas qualidades que brotam de sua natureza material. Cumpre, pois, teus deveres, pois a ação é preferível à inação. Se te entregares à inação não poderás nem mesmo prover o sustento do corpo.

(Bhagavad Gita, III, 4-5,8)



O mundo fenomênico, onde tudo surge, transforma-se e, por fim, desaparece, é o mundo da ação. Para quem está no mundo, o agir é algo que se impõe, sem discussão. Sem ação, nada se faz, não se sobrevive, não se vive.


A ação, como entendida na tradição do yoga, é o agir desinteressado, isto é, a ação que se realiza sem intenção de obter proveitos que apenas beneficiam a si próprio. Necessário, portanto, é saber agir em benefício de todos.


A sabedoria da ação está em “fazer o que tem que ser feito”, conforme às circunstâncias assim exigem; trata-se de um fazer plenamente consciente daquilo que se faz, no exato momento da ação. A ação assim realizada, é ação correta, pois aquele que assim age, compreende plenamente as causas e as consequências de sua ação.


A ação correta não toma partido deste ou daquele, não intercede a favor de um ou outro; ainda que aja influência no desfecho de uma questão, a ação correta não é intrometida e tampouco gera interferências que possam provocar agravos ao resultado final.


Se quisermos conduzir bem a nossa vida, temos que saber como agir, pois somente assim haverá boas possibilidades para alcançarmos o melhor resultado em tudo o que fizermos. Temos que saber agir tanto em relação ao mundo e a tudo que nele habita, quanto em relação ao nosso corpo e sua estrutura física, mental e energética.


Para agir no mundo, portanto, é necessário que se compreenda que, para se alcançar um bom resultado naquilo que se pretende realizar, temos que “sujar as mãos” com as impurezas do mundo, e nos submeter às desventuras da vida. Impuro é tudo aquilo que foi alterado; desventura é toda situação que não gostaríamos de passar na vida.

 

Assim, se pretendemos “reinar sob o Céu”, ou seja, se quisermos conduzir nossa jornada na Terra de modo a administrar nossa vida com sabedoria e equanimidade, desfrutando de uma existência plena e realizada, temos que aceitar as impurezas e acatar as desventuras. Mas o que isso significa?


Um médico de excelência não será aquele que lida apenas com pessoas saudáveis, mas aquele que se dispõe a tratar os doentes; um sacerdote que apenas espera lidar com pessoas de boa índole, nunca atentando-se para aqueles que, de fato, necessitam de esclarecimento e apoio espiritual, jamais será um religioso de verdade; um professor que espera apenas ensinar alunos inteligentes e cultos, nunca será um professor na acepção do termo, pois para isto terá que levar conhecimento para os néscios e malcriados; um político que se reúne apenas na companhia de empresários ricos, e não encontra-se com os pobres para entender suas necessidades sociais, nunca será um bom governante para o seu povo; um agricultor que não está disposto a sujar as mãos com a terra ou um pintor que não se mancha com as tintas, jamais alcançarão ótimos resultados em suas atividades.


Aceitar as impurezas é entender que, na vida, há pessoas de todos os tipos, cujas mentes se encontram perturbadas – alteradas – pelo acúmulo de condicionamentos, quais sejam: religiosos, políticos, étnicos, sociais, etc. Os condicionamentos influenciam na conduta das pessoas, que acabam por agir equivocadamente na maioria das circunstâncias, provocando muitas afrontas e conflitos.


Há de se saber lidar com essas pessoas – e com os nossos próprios condicionamentos, que prejudicam o discernimento – de modo sereno e justo; sem julgamentos, devemos auxiliar no que for preciso; há de se ter consciência de que todos, sem exceção, estamos vivendo a mais “louca aventura” rumo à paz infinita e a eterna felicidade.


Acatar as desventuras é reger a própria vida com sabedoria, consciente de que nem tudo são “flores e perfumes”, mas que, na jornada terrena e espiritual, às vezes, somos obrigados a lidar com “espinhos e odores desagradáveis”.


Aceitar e acatar, de bom coração, o que a vida nos traz - suas alegrias e prazeres ou desconfortos e dissabores - é compreender que tudo o que vem até nós é na medida certa do que necessitamos para a realização de uma existência plena e bem-aventurada.


Afastar-se das impurezas e não aceitar as desventuras é permanecer na paranóia da luta entre o “bem e o mal”, do "bom e ruim". O mundo fenomênico é o campo fértil da diversidade e da multiplicidade; impurezas e desventuras não estão apartadas da virtude e da prosperidade: elas são apenas facetas da mesma moeda, de uma vida que se vive com sabedoria ou em ignorância.


O bem e o mal alcançam a todos, não importa a idade, o gênero, a etnia, a classe social, o nível de escolaridade; com a virtude e a prosperidade, seguem-se a impureza e a desventura e vice-versa, e dessa verdade ninguém escapa; o acaso e a boa fortuna são parceiros inseparáveis.


Mas aquele que, estabelecido em yoga, alcançou a harmonia com a existência, compreende que as circunstâncias da vida nos ensinam que felicidade é equilíbrio, e infelicidade é desequilíbrio; negar a impureza e a desventura e buscar avidamente a virtude e a prosperidade, é permanecer em estado de desequilíbrio físico, mental e energético.


Aquele que alcançou o autoconhecimento pelo yoga, compreende que o equilíbrio expressa-se no saber lidar, com serenidade e harmonia, diante da impureza e da desventura quando essas se manifestam em nossa vida; o sentido desse ensinamento é perceber claramente que “após a tempestade, vem a bonança”, vencido o obstáculo, alcança-se a realização.


O que se entende por “ossos do ofício” são as impurezas e as desventuras que cada indivíduo tem que aceitar e acatar se pretende seguir o caminho do yoga. Seguir o caminho do yoga é saber contornar as dificuldades da vida, agindo com decência e dignidade em todas as circunstâncias, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis.


Como as águas de um rio que fluem em suavidade, aceitando com brandura e acatando com tolerância tudo o que se encontra em seu leito – desde as pedras, a flora e a fauna, até o lixo que vem do esgoto – estejamos dispostos a acolher todas as possibilidades que a vida nos traz, compreendendo que tudo está alinhado para o despertar da consciência.


Como a água, sejamos suaves, brandos e tolerantes com todas as manifestações no mundo fenomênico, pois somente assim poderemos desfrutar da vida material com serenidade e harmonia. Afinal, o modo como agimos no mundo exterior, diz muito daquilo que carregamos no mundo interior.


Hari Om Tat Sat.

 

Quando tiver que tomar uma decisão, tente avaliar quantas pessoas se beneficiarão de sua ação. Se ela satisfizer apenas o seu ego e magoar os outros sem necessidade, a decisão é errada (Haemin Sunim)

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