Aquele que conhece a verdade, porém, falta com a mesma, seja por tentação, ira ou medo, é amarrado pelos laços de Varuna. Aquele que é chamado a testemunhar, porém, investe na mentira, igualmente é punido. Assim, é dever falar a verdade, do modo como a conhecemos, sem omissões. Se à virtude apresenta-se uma oportunidade, diante de uma mentira ou injustiça, é dever de toda pessoa presente remover a mentira ou a injustiça. Se um ato condenável não é repreendido, todos os que estavam presentes, ainda que não participantes do ato, serão igualmente culpados (Mahabharata)
Apego é mais do que uma excessiva admiração, afeição, estima, enaltecimento, simpatia ou apreço; apego é uma predileção insistente sem qualquer discernimento, isto é, uma preferência acentuada por algo ou alguém, uma inclinação e propensão a julgar como bom, belo e correto a tudo aquilo que se afeiçoa, sem nenhuma reflexão ou consideração contrária.
O apego é um dos pilares da ignorância; o outro é a aversão. Quando surge o apego ou a aversão, a inteligência se obscurece e a consciência se embota; palavras, pensamentos e ações tornam-se predispostas a defender o objeto de apego ou atacar o objeto de aversão.
Imagine-se diante de uma situação em que um ente querido faz algo repugnante e que prejudica alguém que você não conhece; em tal circunstância, por um arranjo da Providência, caberá a você tomar a decisão sobre o caso. Você considera um absurdo o que o ente querido fez. Então, você diz a verdade, omite a verdade sem mentir para proteger o ente querido, ou apela para a mentira para tentar salvar o infame, porém, amado ente querido?
Imagine agora outra situação em que alguém desconhecido comete o mesmo ato repugnante e prejudique alguém que você conhece e tem apreço. A Providência, mais uma vez, te coloca na posição de tomar a decisão. Você diz a verdade, omite a verdade sem mentir pois não pretende se envolver com o ocorrido, ou mente para aumentar a pena do infame sujeito, já que você considera um absurdo o que ele fez?
Duryodhana, filho predileto do rei Dhritarástra, era invejoso de seus primos, a quem considerava mais afortunados que ele, apesar de todo o seu poder e opulência serem comparados. Duryodhana passava o seu tempo maquinando o mal contra seus primos, consumido pela raiva, sempre buscando um meio de arruinar suas reputações e sucesso, ou tomar-lhes a fortuna, ainda que de modo vil. Sempre que frustrado, choramingava perante o rei, qual filho mimado, pois sabia que o pai lhe protegeria do que quer que fosse.
O rei Dhritarástra, cego de nascimento, apesar de saber muito bem qual o caráter de seu amado e predileto filho, não se opunha às suas sucessivas tentativas de difamar e até matar seus sobrinhos, a quem para ele, o rei, eram muito queridos. Embora Dhritarástra aconselhasse Duryodhana a deixar de lado sua aversão aos primos, o rei, por outro lado, não conseguia abandonar seu apego ao filho.
Mesmo diante dos muitos conselhos dos sábios mestres versados nas escrituras dos Vedas, e de seus irmãos virtuosos, que alertavam o rei das terríveis consequências de seu apego ao filho e da aversão do filho aos primos, Dhritarástra mantinha-se numa atitude de indiferença; nada fazia, na prática, para conter a inveja de Duryodhana, deixando para que a Providência fizesse seus arranjos, acreditando, talvez, que seu filho ainda pudesse ser bem-sucedido, apesar dos atos vis.
Duryodhana plantou a semente da discórdia na família, e o único que poderia ter evitado que o mal crescesse e gerasse seus amargos frutos, era seu pai, o rei Dhritarástra. Mas ele nada fez. O tempo da colheita de tantos insultos e inveja, enfim, havia chegado: uma terrível guerra, em que milhares de pessoas morreram, dentre eles, o próprio Duryodhana; como consequência, o reinado do cego Dhritarástra, como alertado pelos conselhos dos sábios mestres, não apenas chegara ao fim, mas seu reino fora devastado.
O yoga é a prática da equanimidade, ou seja, é saber manter-se constante nos ensinamentos e tranquilo em qualquer circunstância da vida; trata-se de ser imparcial e justo nas inumeráveis situações em que a vida nos coloca diante de escolhas difíceis em que devemos optar entre uma coisa ou outra, e que podem impactar o que temos como preferência ou afetar o que não gostamos. Harmonia e serenidade são expressões da equanimidade.
Saber fazer escolhas justas e corretas, livre de tendências de apego e aversão, é uma qualidade desenvolvida pelo praticante de yoga. Por isso, yoga inicia-se com yamas e nyamas, ou seja, os deveres morais e éticos que temos que observar atentamente para com todos os seres em todas as circunstâncias.
O yoga nos convida a refletir sobre a questão do apego e da aversão como pilares da ignorância; e mais ainda, sobre as nossas atitudes perante a vida, quando nossas preferências são confrontadas pela realidade. O estudo e a prática do yoga se refletirão, inevitavelmente, nas atitudes serenas e íntegras do dia-a-dia.
Hari Om Tat Sat.
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