Os Mestres
O Mestre guia os discípulos, porém não lhes arrasta; lhes exorta a avançar, mas não lhes sufoca; abre caminho, porém, não lhes conduz a meta.
(Confúcio)
Falamos da Natureza como a fonte primária do conhecimento, e do Ser Interior como a fonte primária da sabedoria transcendente. Ainda temos uma terceira fonte onde podemos buscar conhecimento e sabedoria: são os Mestres da Humanidade.
Os Mestres, entretanto, são fontes secundárias do conhecimento e da sabedoria. Uma fonte secundária não contém o conhecimento e a sabedoria originais, que somente se encontram nas fontes primárias (Natureza e Ser Interior), porém, é um repositório que agrupa e organiza fragmentos de conhecimento e sabedoria, e transmite, por meio de ensinamentos, àqueles que os buscam.
Os Mestres, ainda que tenham adquirido conhecimento e sabedoria tanto a partir da observação quanto do contato direto com as fontes primárias, não conseguem transmitir tudo o que aprenderam, pois cada indivíduo deve ser capaz de aprender por si mesmo. Portanto, cabe aos Mestres apenas indicar as vias de acesso, mas o Caminho deve ser encontrado e percorrido particularmente por cada buscador.
Encontrar o Caminho significa que o indivíduo despertou para a realidade tal qual ela é, ou seja, ele inicia a sua jornada espiritual no momento em que começa a questionar o sentido e o significado da existência, e indagar sobre o mundo à sua volta, buscando informações sobre quem ele é, de fato, e o que é isso tudo que existe.
Despertar para “a realidade tal qual ela é”, não significa que o indivíduo já tenha alcançado a compreensão da plenitude da existência, porém, que iniciou a jornada para a descoberta e a revelação de si mesmo. Isto é Sotapanna, ou seja, entrar no fluxo da liberação dos condicionamentos; é estar na correnteza que flui, inevitavelmente, em direção à plenitude da espiritualidade.
Na tradição do yoga, os Mestres são chamados de gurus. O guru carrega em si a metáfora da luz e da escuridão. É o guru quem dissipa a escuridão provocada pela ignorância. Um dos textos da filosofia do yoga, diz:
A sílaba gu significa sombra,
A sílaba ru, aquele que dissipa.
Devido ao poder de dissipar a escuridão,
Assim é chamado o guru.
(Advayataraka Upanishad)
Um guru, portanto, é um ser humano portador de elevado conhecimento e sabedoria. É um ser humano iluminado, equânime em tudo que pensa, fala e faz. Gurus são indivíduos sábios, de caráter nobre e elevado senso ético e moral. Alguns gurus, observando atentamente a Natureza, alcançaram o conhecimento integral de suas leis imutáveis, decifraram seus códigos e desvendaram seus modos de ação, legando-nos os ensinamentos sobre a Prakriti (matéria).
Outros gurus, penetrando no domínio de Purusha (espírito), em profunda comunhão com o Ser Interior, nos legaram, da sabedoria transcendente, tudo o que puderam traduzir, em palavras, daquilo que lhes foi transmitido pela comunicação direta com o Divino. A experiência com o Divino transcende a mente, avançando para um nível elevado de pura consciência. Assim, ao retornar da comunhão com o Ser Interior, que é a via de acesso para a comunicação com o Divino, a mente, que não participa da experiência, não consegue expressar, em palavras, aquilo que foi transmitido diretamente à consciência, no contato direto com o Ser Supremo.
O arrebatamento pelo Divino, portanto, não tem como ser descrito; porém, deixa marcas indeléveis naqueles que o vivenciaram. Esses seres humanos, alcançando a compreensão da Natureza, e a consciência plena da Vida Divina, se tornaram, então, os Mestres da Humanidade, os detentores de um conhecimento amplo e de uma sabedoria profunda sobre a Existência, o Universo e o Ser Supremo.
Falando abertamente ou, geralmente, por meio de metáforas, os Mestres ou gurus, espalharam as sementes do saber em todos os lugares que passaram, transmitindo seus valiosos ensinamentos. Eles souberam levar uma vida simples e humilde, livre de apegos, e em serenidade e harmonia com todos os seres. Jesus Cristo, Sidarta Gautama (Buda), Lao Zi, Confúcio, Maomé, Francisco de Assis, Gandhi e Paulo de Tarso, estão entre aqueles que são considerados os Grandes Mestres da Humanidade.
Esses Mestres nos deixaram importantes exemplos de como a ignorância nos domina, e o quanto temos que ser perseverantes e dedicados na busca por conhecimento e sabedoria para nos libertarmos do fardo do egoísmo e, assim, podermos viver em plena serenidade e harmonia, em espírito e verdade. Podemos aprender com seus ensinamentos e imitar seus passos.
Há três caminhos para adquirir conhecimento: primeiro, pela reflexão, que é o mais nobre; segundo, pela imitação, que é o mais fácil; e terceiro, pela experiência, que é o mais árduo. (Confúcio)
As metáforas e as parábolas foram os principais tipos de linguagem que os Mestres utilizaram para comunicar, às pessoas em geral, um pouco do seu conhecimento e sabedoria, de modo que elas alcançassem um entendimento mínimo e pudessem, assim, iniciar-se na jornada espiritual.
Aos buscadores mais determinados e avançados na senda da espiritualidade, os Mestres legaram os ensinamentos esotéricos, que são as verdades ocultas sobre a Realidade, que somente são reveladas àqueles que renunciam, de todo coração, aos atrativos mundanos para se entregarem, espontaneamente e em plena consciência, à direção geral do Ser Supremo.
Vejamos, então, alguns dos ensinamentos que esses Mestres nos legaram, por meio de suas metáforas ou parábolas:
A corda e a serpente: qualquer pessoa pode, nas sombras, confundir uma corda com uma serpente. Quando isso acontece, o medo nos sobrevém, pois não temos certeza de que a serpente que estamos “vendo” é venenosa ou não. Uma situação de perigo se instala em nós. Alguns podem reagir entrando em pânico, e saem correndo aos gritos; outros podem apenas se afastar do local, temerosos, tomando outro rumo; e há outros que, sentindo-se ameaçados, com ódio e raiva, tentarão estraçalhar a “serpente”. Entretanto, quando alguém traz consigo uma lanterna e ilumina a “terrível serpente”, a ilusão se desfaz: ali está apenas uma inofensiva corda enrolada. A ignorância sobrepõe aquilo que é aparente àquilo que é real, e nos faz ver coisas aparentemente reais, mas que não passam de equívocos da nossa percepção. Julgamos mal, quando sequer deveríamos julgar. Porém, em situações como essas, onde o aparente sobrepõe-se ao real, as sombras nos levam a pensar e sentir coisas que emanam da emoção desordenada do momento; então, reagimos, muitas vezes, com violência, rejeição, preconceitos: estraçalhamos a corda inofensiva. Enquanto não tivermos a clara percepção da realidade, seremos escravos da ignorância. Nosso mundo interior será mera conjectura, que se refletirá no nosso mundo exterior, que será apenas inquietação e sofrimento.
A miragem no deserto: a miragem é uma ilusão visual que ocorre nas horas mais quentes do dia. Trata-se de um fenômeno muito comum, que podemos observar nas rodovias e em paisagens desérticas. A miragem não é uma alucinação, mas uma imagem causada pela reflexão da luz solar, que nos confunde, pois parece muito real, parece ‘estar lá’, mas não está. A miragem, portanto, pode se apresentar aos nossos olhos como algo verdadeiro e muito bom. Alguém que está caminhando pelo deserto, sol à pino, verá palmeiras e até casas, onde acredita que poderá haver água fresca, alimento e repouso. Então, ele se dirige para aquilo que está vendo, na expectativa de encontrar algo que o satisfará plenamente. Esse ‘oásis’, que é apenas uma ilusão, entretanto, se afasta dele, quanto mais ele caminha em sua direção. E quanto mais vai em sua direção, mais se perde, mais se afasta do caminho correto. A miragem nos ensina que devemos estar atentos para onde caminhamos em busca da felicidade. Há muitas coisas no mundo que são apenas aparências, coisas efêmeras. Nossos sentidos nos enganam, pois eles nos proporcionam apenas aquilo que projetamos. Uma pessoa no deserto, o que mais pode querer a não ser um oásis? Se perseguirmos as aparências e o efêmero, como se fossem reais, nunca encontraremos o verdadeiro oásis; nos perderemos cada vez mais nas ilusões e nossa vida será um amargo caminhar nas trilhas do sofrimento.
A mulher e o vaso de farinha: essa é uma das parábolas atribuídas a Jesus Cristo, e que se encontra no evangelho de Tomé, assim descrita: “Jesus disse: o Reino de Deus assemelha-se a uma mulher que carrega um vaso cheio de farinha. Pela estrada, sem perceber, a alça do vaso se quebra e a farinha se espalha pelo caminho. Chegando em casa, pôs o vaso no chão e, então, viu que estava vazio”. A mulher, no caso, representa a alma, em sua peregrinação mundana. O vaso representa o corpo, como o receptáculo da personalidade, ou seja, da farinha, que nada mais é do que a substância material inferior de que nos constituímos (nossos pensamentos, sentimentos, desejos). A alça é o egoísmo, aquilo que mantém a alma presa ao corpo e à personalidade. A ruptura da alça significa o desapego das coisas materiais, e a farinha que se espalha pela estrada é o esvaziamento da personalidade que ocorre ao longo do caminho de retorno ao Reino de Deus. Chegar em casa e pôr o vaso no chão, significa que a alma, após sua longa jornada terrena, apresenta-se diante de Deus livre de todas as coisas do mundo terreno e, então, pode ser preenchida com os tesouros celestiais.
Esses são alguns dos preciosos ensinamentos deixados pelos Mestres e que nos orientam na vereda da espiritualidade. Porém, nem todos aqueles que se dizem mestres, são, de fato, mestres. Estejamos atentos a essas palavras, ditas por um Mestre da Humanidade:
Acautelai-vos, pois, dos falsos mestres, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas que, no interior, não passam de lobos devoradores. Pelos seus frutos os conhecereis (Mateus, 7:15)
Alguns seres humanos, ao terem um breve vislumbre de algo que consideram sobrenatural, logo se intitulam “mestres” e saem pregando coisas, cujo significado, ignoram, conduzindo aqueles que os seguem para becos escuros e sem saídas. Outros, por terem se dedicado ao estudo dos livros sagrados, acham que, por saberem descrever ou conduzir rituais ou discursar pomposamente e com vigor, influenciando multidões, consideram-se “legítimos” representantes do Ser Supremo.
Corrompidos pelo egoísmo, esses falsos mestres acreditam que são, de fato, responsáveis pelo “rebanho”, e que seus desejos egoístas são a expressão da vontade divina. Em pouco tempo, vaidosos de seus resultados como “condutores de almas”, requererem reverência para si mesmos. Quando não reverenciados, o ódio e a raiva os dominam, e são capazes de qualquer tipo de atrocidades contra todos e qualquer coisa que consideram obstáculo à satisfação pessoal. Quem segue esses impostores, quem dá crédito às suas fanfarronices disfarçadas de seriedade, tornam-se tão desprovidos de luz quanto eles, pois eles são os falsos mestres que habitam as sombras.
O mal que esses fraudulentos nefastos cometem, muitas vezes, é irreparável, pois arrastam multidões ao precipício da ignorância, abandonando-as, depois, desoladas no fundo do poço, após sugarem todas as suas energias; esses seguidores, tanto pela sua ingenuidade, fraqueza moral ou por acreditarem que poderão obter vantagens materiais, ou pelo fanatismo, sem nenhum questionamento, se entregam aos “cuidados” desses impostores que, fazendo-se de autoridades, sem escrúpulos, apenas manipulam os que não percebem que são guiados pelo egoísmo daqueles que ditam as regras e os conduzem, ao seu bel-prazer, em direção à ruína.
Esses impostores, todavia, são facilmente identificados por aqueles que cultivam uma mente atenta e, cuja consciência, a tudo lança luz e nada escapa à sua correta percepção. A metáfora dos Mestres para desmascarar os impostores é muito clara: é pelo fruto que se conhece a árvore. Basta observarmos atentamente e saberemos que tipo de fruto é produzido pelo falso mestre. A falsidade se mostra pela contradição; a verdade nunca se contradiz.
Para a pessoa que diz uma mentira de forma deliberada, não existe limites para o mal que ela possa cometer (Sidarta Gautama)
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Os ensinamentos dos Mestres estão além do tempo e do espaço, pois o conhecimento e a sabedoria lhes foi outorgada do Alto, ou seja, eles não a alcançaram por seus próprios esforços, ainda que muito tiveram que se esforçar para merecer; porém, tudo lhes foi concedido diretamente por meio da revelação divina, em comunhão com o Ser Supremo.
O Ser Supremo é a pequenina semente que está adormecida no coração de todos os seres sencientes, aguardando para ser despertada. Uma vez desperta, esta semente irá brotar, crescer, florir e produzir os frutos da liberdade e da imortalidade. A “natureza búdica” ou o “Cristo interior” é inerente a todos os seres sencientes. Por isso se diz “somos todos Um”, pois cada um de nós traz em si a mesma essência divina e eterna que a tudo cria, sustém e transforma.
Grande sabedoria é não ser precipitado nas ações, nem aferrado obstinadamente à sua própria opinião; sabedoria é também não acreditar em tudo que nos dizem, nem comunicar logo a outros o que ouvimos ou suspeitamos. Toma conselho com alguém sábio e consciencioso, e procura antes ser instruído por outro que é melhor que tu, do que seguir teu próprio parecer equivocado
(Tomás de Kempis)
Hari Om Tat Sat.
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