O ser humano está sempre em busca de conhecimento e sabedoria, tenha ele consciência disso ou não. O seu bem-estar físico e emocional depende do conhecimento adquirido e da sabedoria que se alcança. A condição básica do ser humano em sua existência terrena é a ignorância. Por isso ele sempre está em busca de conhecimento e sabedoria. Ignorância quer dizer que o ser humano desconhece a sua essência constitutiva. Por estar envolto na ignorância, o ser humano esqueceu-se de quem ele é. Sua essência constitutiva é Paz, Amor e Bem-aventurança. Quando esquecidos de sua essência constitutiva, os seres humanos trilham por veredas estranhas, que os levam ainda mais a se perderem em sua busca primordial – conhecimento e sabedoria – a única busca que confere sentido à vida terrena e significado à existência.
Desde que estamos por aqui, portanto, em todas as eras, somos impelidos à busca pelo conhecimento e a sabedoria, pois somente assim será possível deixarmos a obscuridade em que nos encontramos. Essa obscuridade, originada do esquecimento de quem somos, é a expressão da primazia da ignorância, e se manifesta em todos os aspectos da vida humana, deturpando e corrompendo as nossas obras, os nossos relacionamentos e a nossa própria busca pelo conhecimento e sabedoria. Enquanto a luz da consciência não resplandecer, a escuridão nos enturvará. Então, ficamos perdidos nas sombras da ignorância e confundimos tudo o que provamos com nossos sentidos e interpretamos com o nosso intelecto, privados que estamos da clara percepção da realidade.
Enquanto ignorantes da Verdade, tudo o que pensamos, falamos e fazemos serão tentativas inúteis de satisfazer a nossa falsa identidade, o ego. O ego é uma estrutura psíquica que se forma a partir das nossas experiências e que nos levam a reconhecer as coisas como “eu” e “meu”. O ego, portanto, não é auto-existente; pois trata-se de um aglomerado de conteúdos psíquicos, organizados racionalmente e que modelam uma personalidade (um jeito de ser individual) e um tipo de comportamento decorrente (um modus operandi emocional). Quando um ser humano desenvolve o ego, que é um constructo gerado desde a infância, ele torna-se uma pessoa, isto é, um indivíduo travestido de um conjunto de características psicológicas particulares, reconhecidos por sua mente como sendo “ele mesmo”.
O ego, em si, não causa nenhum problema à nossa vida. O ego e a formação da personalidade são necessários para nos dar uma identidade pessoal e suporte psicológico às nossas relações sociais com o mundo exterior. Entretanto, o ego não é a nossa essência constitutiva, tampouco uma entidade independente. O ego somente existe enquanto durar o corpo-mente ao qual nos revestimos no momento. Findo esse corpo-mente, o ego se esvai. Portanto, o ego somente se torna um problema quando desconhecemos quem, de fato, somos; e nos apegamos ao ego como sendo “eu mesmo”.
Então, sem conhecimento e sabedoria, passamos a reagir às situações do cotidiano de modo automático, pois somos levados pelos pensamentos e emoções recorrentes, já automatizados e que acreditamos serem “meus pensamentos, minhas emoções, meus sentimentos”, quando, na verdade, são apenas formações mentais transitórias e alocadas em uma estrutura psíquica particular, e que nos remetem a uma identificação pela força da repetição. Quando essa identificação se estabelece na mente, o desconhecimento da formação dessa estrutura psíquica nos faz crer que essa estrutura – o ego – é o que somos em essência. A partir desse momento, nossa capacidade de reflexão e habilidade de discernimento se tornam obstruídas pelos “meus pensamentos, minhas emoções, meus sentimentos”.
Alijados da capacidade de reflexão e da habilidade de discernimento, caímos no domínio da ignorância e abrimos as portas para o ego nos controlar. Quando o ego prevalece, nos deparamos com duas possibilidades: 1) nos tornamos egoístas, ou seja, pessoas que adotam como princípio a satisfação dos próprios interesses particulares, em detrimento de interesses de outros ou coletivos; 2) vivemos um personagem, ou seja, o ego e seus “disfarces de nós mesmos”, passa a nos representar na sociedade.
O comportamento egóico é o aspecto tenebroso desse ego que prevalece. O egóico se caracteriza pela necessidade exagerada de colocar-se sempre no centro da atenção, e no hábito de fazer que suas opiniões e desejos estejam sempre em primeiro lugar. Pessoas egóicas passam por cima de tudo e todos para satisfazerem seus desejos, não importam o quão mesquinhos eles sejam e quantos danos e prejuízos causem aos outros; elas querem porque querem, fazem porque querem e se acham sempre na razão de fazer o que querem, e nada mais importa. O egoísmo, portanto, é um desvirtuamento do ego, um distúrbio que faz da nossa identidade, uma identificação perniciosa. O egoísmo corrói a harmonia e abala a serenidade.
Viver um personagem é o aspecto mais brando do ego que prevalece, porém, não menos problemático. Desde a infância, somos movidos por uma pergunta básica: o que você vai ser quando crescer? A resposta, já automatizada nas crianças, se refere à sua futura profissão ou situação social. Certa vez, um garotinho de dez respondeu, sabiamente: “Uai, achei que quando eu crescesse, seria eu mesmo”. Pois é. A maioria de nós não é a si mesmo depois que se torna adulto. No processo educativo, somos impelidos a adotar uma profissão ou algum tipo de trabalho ou atividade especializada que, a partir do momento em que nos tornamos reconhecidos, somos identificados com ela. Deixamos de ser o ator da nossa existência, praticamente, em nossa adolescência. O universo adulto é feito por mundos de personagens.
A questão que torna essa identificação um problema sério é quando o personagem sobrepõe-se ao ator. É como se um ator se identificasse com o personagem interpretado no palco, e passasse a viver, na vida real, com os trejeitos do personagem. E isso é muito comum de acontecer. Um exemplo é quando precisamos nos apresentar, logo ‘sou professor... sou médico... sou taxista... etc.’. E agimos como tais em qualquer situação. Confundimos ser quem somos não apenas em relação à nossa profissão, porém, mais ainda, com alguma situação momentânea de vida ou com algum pacto social convencional ao qual estamos inseridos. Esquecemos o ator e vivemos o personagem, enquanto a trama da vida se desenrola no palco da existência e permanecemos ignorantes de nossa essência constitutiva, sempre interpretando papéis, sejam eles quais forem. E perguntamos: onde está a felicidade?
A essência constitutiva do ser humano é Paz, Amor e Bem-aventurança. E quando esquecidos de sua essência constitutiva, os seres humanos trilham por veredas estranhas, buscam ser sempre aquilo que não são; buscam a felicidade fora deles, em lugares longínquos, quando a felicidade está neles mesmos; buscam conhecimento e sabedoria em falsos mananciais. Parece que o caminho está em nossa frente, esperando para ser trilhado com segurança, harmonia, simplicidade e serenidade; mas, somos tentados a tomar um atalho, que nos leva ainda mais para longe das fontes de águas límpidas e tranquilas do conhecimento e sabedoria.
Somente com conhecimento e sabedoria poderemos retomar a consciência de quem somos, de onde estamos e o que fazemos; isso é despojar-se do personagem para resgatar o ator; é colocar o ego a nosso serviço, e não nós a serviço dele.
O ego alimenta-se de seu desejo de ser outra coisa. Você é pobre e deseja ser rico? O ego está absorvendo energia. Você é ignorante e deseja tornar-se um sábio – o ego está absorvendo energia. Você é um ninguém e deseja tornar-se poderoso? O ego está absorvendo energia.
Entenda o processo do ego. Como o ego vive? O ego vive da tensão entre o que você é e o que você deseja ser. A deseja ser B – o ego é criado a partir dessa verdadeira tensão. Como o ego morre? O ego morre quando você aceita o que você é. Aí você diz: “Eu estou bem como eu sou. Onde estou é bom. Permanecerei apenas onde a existência me coloca. Sua vontade é minha vontade”.
Quando você abandonar toda a tensão sobre o futuro – ‘eu deveria tornar-me isto, eu deveria tornar-me aquilo’ – o ego evapora. O ego vive com base no passado e no futuro. Entenda isso um pouco. As argumentações do ego são do passado, - ‘eu fiz isto, eu fiz aquilo’ – É tudo no passado. E o ego diz, ‘Eu definitivamente farei isto’, ‘eu definitivamente mostrarei a você que eu posso conseguir aquilo’ - Isto é tudo no futuro. O ego simplesmente não existe no presente. Se você vem para o presente, então o ego desaparece. Isto é a morte para o ego. Vir para o presente é a morte do ego.
(Osho)
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Há alguma distinção entre conhecimento e sabedoria? Quais são as fontes do conhecimento e da sabedoria? Podemos dissipar, definitivamente, as trevas da ignorância que nos cegam, e suas sombras que nos aprisionam no ego? Continua no próximo post.
Hari Om Tat Sat.
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