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Foto do escritorMarcelo Augusti

ASTROLOGIA, KARMA E DESTINO


O desejo de conhecer as implicações da astrologia tem um propósito auspicioso para si mesmo e para benefício do universo.

(Brihat Parashara Hora Shastra, Cap. 1, 5-8)


A astrologia ou estudo dos corpos celestes teria surgido no século IV a.C. Os registros históricos mais antigos foram encontrados na Suméria, uma das primeiras civilizações do mundo, no Egito e no Vale do Indo, em Harapa. Considera-se, todavia, que a observação do céu à procura de algum sinal que pudesse predizer o futuro, seja bem anterior a essas referências. A Suméria, por exemplo, localizava-se entre os rios Tigre e Eufrates e, dadas as condições climáticas imprevisíveis dessa região, as cheias dos rios não obedeciam a uma regularidade, o que exigia desses povos um conhecimento específico capaz de prever os momentos propícios ao plantio e a colheita.


Foi nessa região, a Mesopotâmia ou “terra entre rios”, que o ser humano foi deixando para trás o nomadismo e assentou sua base de vida em uma cultura agrícola. Prever as cheias dos rios, nessa nova condição social de sedentarismo, era fundamental, pois, se as terras inundadas fertilizavam o solo, as cheias também traziam perigos à vida, como os crocodilos, que atacavam as pessoas. A astrologia era a tecnologia avançada da época: por meio da observação sistemática e metódica das disposições dos astros e do impacto que essas configurações provocavam na natureza, era possível encontrar os sinais celestes que indicariam os acontecimentos futuros.


A astrologia, portanto, é um conjunto de métodos e técnicas que permitem o alcance de um conhecimento que, pela sua essência, deve ser analisado e interpretado. Ela é um estudo de tudo o que se manifesta no tempo e, como tal, deve ser compreendida. Para estudar o tempo, há de se ter não apenas uma capacidade apurada para observar atentamente os seus sinais, mas, também, muita sensibilidade para decifrá-los, e ponderação, sensatez, critério e simplicidade para anunciar o resultado da investigação. Astrologia não é adivinhar o futuro; adivinhar quer dizer tentar descobrir algo por meios sobrenaturais; e não há nada de sobrenatural no estudo do tempo, seja ele cósmico, terreno ou suas relações recíprocas.


Mas o que a astrologia tem a ver com o karma? Karma se refere a tendências e consequências. É mais do que um conceito, mas um aspecto preponderante da existência. Estar aqui, no mundo fenomênico, é consequência de um karma; um karma é uma ação que, por sua própria natureza, gera desdobramentos, desencadeia acontecimentos, desemboca em consequências. Os desdobramentos em si não são bons nem ruins, apenas refletem a natureza da ação inicial; assim como as consequências, que são os ensinamentos da vida, coisas que temos que aprender para não sermos mais enredados pelo karma.


O karma revela nossas tendências. Essas predisposições é que nos fazem ser quem somos: nossa personalidade e preferências são resultados das disposições que carregamos enquanto estamos no mundo fenomênico. Portanto, o karma é uma marca, um sinal; ele indica os possíveis rumos da nossa vida terrena. Alguns estarão fadados a acontecer, como é o caso de termos o corpo que temos, a mente que temos e o nível de consciência em que nos encontramos. Outros sinais são indicadores de coisas que podem acontecer; são como sementes: se encontrarem solo fértil, germinarão e colheremos os frutos. As sementes, em si, não são boas nem ruins; são apenas sementes, nossas tendências; cabe a cada um cuidar do próprio jardim. Podemos tentar fugir ao karma, não assumindo a responsabilidade pelas nossas ações; porém, a fuga irá gerar outros desdobramentos que podem até levar a consequências piores do que se tivéssemos aceitado o resultado dos acontecimentos primários.


Por meio da astrologia podemos detectar nossas tendências e entender como elas influenciam a nossa vida. É no momento do nascimento, conforme a configuração celeste se apresenta, que se determina o nosso karma; na verdade, nascemos exatamente no momento em que temos que nascer, do modo que temos que nascer, no local e contexto social e cultural determinado. Somos o fruto da árvore que cultivamos, que brotou e cresceu daquela semente que plantamos.


O nascer, o viver e morrer são o próprio karma, cujos sinais e predisposições, estão “escritos nas estrelas”. A astrologia apenas observa e analisa os sinais e interpreta os possíveis impactos que eles nos causarão. Em relação ao karma, portanto, a astrologia provê informações relevantes sobre a nossa personalidade, as nossas tendências e as relações que estabelecemos com as pessoas e o mundo durante a nossa vida.


O psicoterapeuta Carl Gustav Jung (1875-1961) fez estudos relevantes à respeito da astrologia. Uma de suas teorias, que tem como base a astrologia, é a teoria da sincronicidade. Para Jung, há um princípio que explica a relação significativa não causal de acontecimentos; não se trata de uma mera coincidência, mas de uma relação entre dois ou mais fatos que, entre si, aparentemente nada teriam em comum. Trata-se de uma conexão entre um evento externo e um sentimento ou pensamento, mas sem nenhuma consequência entre a causa e o efeito (entre sentimento ou pensamento e o evento); a relação se dá pelo significado.


Por exemplo, por várias noites, ter sempre o mesmo sonho e acordar sempre no mesmo horário; encontrar, no mesmo dia, várias vezes uma pessoa desconhecida, mas em lugares diferentes. Que sinais são esses? O que isso significa? Por isso se diz que sincronicidade não é uma relação causal, mas uma relação de significados. Temos que observar e desvendar, pois há algo tentando nos dizer alguma coisa. Na maioria das vezes, não percebemos a sincronicidade, pois estamos sempre dispersos e distraídos. Mas seria a sincronicidade, algum sinal do destino? E o que o karma tem a ver com ambos?


O destino ou “aquilo que há de acontecer” é um propósito maior que atende a uma finalidade superior. A questão do destino é: qual é o sentido da vida e o significado da existência? Uma vez compreendida essa questão, o destino deixa de ser entendido como fatalidade, como “sorte” ou “azar”; porém, como um projeto que não diz respeito a um indivíduo em particular, mas uma intenção que provém de uma vontade maior. Podemos dizer que o destino da humanidade ou, ainda mais, da natureza como um todo, é uma jornada da consciência individual manifestada na materialidade, rumo à consciência universal revelada na espiritualidade.


Ao desvendar a questão do destino, o karma torna-se um aliado. Os acontecimentos do cotidiano, as “surpresas” da vida, deixam de ser vistas como algo bom ou ruim, em si mesmos; deixaremos de lutar contra tudo o que consideramos “ruim” e não nos apegaremos ao que consideramos “bom”. Pois na questão do destino, não há nada em si mesmo que seja bom ou ruim, mas apenas algo a ser aprendido. O que faz que algo seja considerado como bom ou ruim é a nossa percepção distorcida da realidade e o nosso apego à materialidade; quando olhamos para os acontecimentos e interpretamos os fatos com as sobreposições da mente (ou seja, com os nossos preconceitos, crenças, opiniões e “verdades”), não enxergamos a realidade tal qual ela é em essência, mas apenas vemos uma aparência. E a realidade que se mostra em aparência, é apenas conforme acreditamos que ela é, não conforme ela é, de fato.


Por isso se diz que a realidade é uma ilusão. Não é que os acontecimentos sejam ilusórios; mas é a interpretação que damos a eles, baseada em sobreposições, que não nos permite enxergar a verdade por detrás dos acontecimentos. Lembramos que as sobreposições são conteúdos mentais que geram obstáculos à plena percepção da realidade; esses conteúdos mentais se formam a partir da mentalidade coletiva que, a seu modo, dita o padrão de comportamento a seguir pelos indivíduos. Cada sociedade e cada cultura, com seus instrumentos de transmissão da mentalidade coletiva (educação e religião), direcionam as mentes individuais a agirem conforme as suas tradições e interesses.


Assim, quando alguém se refere ao livre-arbítrio, temos que entender que isso não é algo absoluto, porém, relativo ao karma e ao destino. Não apenas ao nosso karma e destino, mas também ao karma e destino coletivo. O karma e o destino são como um embarque em um avião: quando embarcamos, ficamos restritos aos movimentos e direção do avião; não podemos, repentinamente, decidir alterar o destino da nave ou dela sair. Permanecemos limitados pela nossa decisão anterior, ou seja, ter embarcado, e agora estamos suspensos de nossa vontade até que o avião chegue ao seu destino e possamos descer.

Porém, quando embarcamos no avião, temos algumas escolhas que nos são possíveis: classe econômica, primeira classe, dormir, ler um livro, ver um filme, ouvir música, meditar, conversar com o colega ao lado. Não há muito mais a fazer a não ser esperar a aterrissagem. Então, essas pequenas escolhas são o nosso livre-arbítrio, pois, uma vez que a roda do tempo gira (o fluxo natural dos acontecimentos), pouco há a fazer para mudar o destino. Mas nossas escolhas podem amenizar ou agravar o resultado final. Ou percebemos claramente a realidade ou os conteúdos mentais nos farão ver apenas a “nossa verdade”.


O karma, portanto, é a expressão do destino, que se manifesta na sincronicidade. Todos os acontecimentos da vida que engendram o destino, seguem a lei do karma e os princípios da sincronicidade; o fato de não compreendermos isso, diz respeito, unicamente, à nossa própria incapacidade e interesse em compreender. Somente quando compreendermos essas relações é que poderemos desfrutar da harmonia e da serenidade tanto apregoadas pelos sábios de outrora. Não é fácil manter a calma em meio ao mar revolto, tampouco enxergar harmonia onde tudo parece estar desfigurado. Mas, vejamos um relato interessante sobre essas relações.


O filósofo alemão Eugen Herrigel (1884-1955) sempre teve grande admiração e interesse em conhecer sobre o zen budismo. Professor universitário, o que ele mais queria era ter a oportunidade de ir para o Japão para estar em contato direto com a sabedoria transcendental do Oriente. A ocasião se fez, e Herrigel, entre 1921 e 1929, esteve no Japão, ensinando filosofia ocidental na Universidade Imperial de Tohoku, em Sendai.


Logo que chegou ao Japão, Herrigel compareceu a uma reunião, com um colega de universidade, para tratar de seus assuntos. Essa reunião estava marcada em uma sala de um edifício. Quando chegou, havia apenas um homem japonês para recebe-lo; eles sentaram, iniciaram uma conversa amistosa e ficaram aguardando pelo outro. Poucos instantes após, Herrigel ouviu gritos desesperados nos corredores; ao mesmo tempo, parecia que tudo estava oscilando. Instintivamente, ele se levantou e foi até a porta, quando viu as pessoas numa correria geral e tudo balançando; foi então que percebeu que estava vivenciando um terremoto.


Desesperado, ele chegou a correr; porém, voltou para buscar o japonês que estava com ele na sala. Foi quando Herrigel se deparou com algo inimaginável: o japonês continuava sentado, como se nada estivesse acontecendo. Ele não sabia o que fazer, se corria ou se levava o japonês junto (a princípio ele pensou que o japonês estava em estado de choque, incapaz de alguma reação). Subitamente, ele percebe que o japonês não está em choque, mas permanecia em uma tranquilidade imperturbável.


Herrigel, admirado, esqueceu o terremoto e sentou-se junto com o japonês. Depois de alguns segundos ou minutos, a terra para de tremer. E antes que Herrigel pergunte algo, o japonês, sem dizer nada sobre o acontecido, retoma a conversa exatamente no ponto onde ela fora interrompida pelo abalo sísmico. Ao relatar essa experiência assustadora e admirável ao colega universitário, o mesmo lhe diz que o homem japonês era um zen budista.


Em uma rápida análise, podemos dizer que a admiração pelo zen budismo era uma tendência em Herrigel, ou seja, um aspecto do seu karma. O terremoto, o colega que se atrasa e o homem japonês que o recebera (um budista zen) eram os sinais da sincronicidade: afinal, Herrigel queria muito saber sobre o zen e, naquele momento, a ocasião se fez em toda a sua plenitude. Ele teve a oportunidade de conhecer o zen em sua essência mais profunda, ou seja, não se abalar diante de nenhuma dificuldade imposta pela vida. Manter a harmonia e a serenidade diante dos obstáculos da existência é a expressão maior da realização espiritual. Quando retornou para a Alemanha, Herrigel escreveu artigos e livros sobre a filosofia do Oriente, e foi um dos maiores responsáveis por introduzir os ensinamentos zen budistas em grande parte da Europa. Ele cumpriu o seu destino.


Mas, alguém poderia pensar: um zen budista, então, não deve correr para salvar a própria vida? Não é disso que se trata; mas da confiança em que tudo o que acontece, é o que tem que acontecer. Tudo está em seu devido lugar, tudo acontece no seu devido tempo. Resistir é sofrer. Se há um terremoto acontecendo, o que há a fazer? Muito pouco há a fazer. Permanecer em silêncio e quietude, talvez seja o melhor a fazer, pois os acontecimentos somente podem nos afetar quando entramos no turbilhão do desespero.


Sair correndo por aí aos gritos não mudará o fluxo dos acontecimentos. O homem japonês manteve-se em harmonia com o evento (não se opôs) e permaneceu em serenidade. Ele não sabia se morreria ou não. Não temos certeza do resultado final de um evento. Ele apenas aceitou os fatos e fez o que tinha que fazer naquele momento: permanecer tranquilo. Assim como as coisas vêm, elas se vão. Tudo passa e, se algum evento nos atinge inapelavelmente, é porque temos algo a aprender. Então, não há nada errado. Se observarmos atentamente os acontecimentos, decifraremos os sinais, as marcas e as tendências do nosso destino.


A astrologia, logo, pode decifrar o karma, desvendar os significados da sincronicidade e prognosticar o destino. Tudo “aquilo que há de acontecer” está escrito na carta astral. É o “manual de vida” de cada um, confeccionado no dia do nosso nascimento. Ali estão as marcas do passado e as indicações do futuro, e tudo o que se refletirá nos acontecimentos que nos acompanharão ao longo de nossa jornada terrena. Temos que saber decifrar esses códigos e fazer corretamente as relações entre o que está implícito nas cartas e a sucessão de eventos que ocorrem em nossa vida. Isso exige estudo, seriedade, honestidade, pureza de intenção e percepção correta da realidade.

A Vontade Divina age ao longo de eras, para revelar progressivamente algo do seu Mistério divino e da verdade que se oculta no Infinito, não apenas na unidade do cosmos, não só na coletividade de criaturas vivas e pensantes, mas na alma de cada indivíduo. Por isso, há no cosmos, na coletividade e no indivíduo, um instinto enraizado, ou uma convicção de sua própria perfectibilidade, um impulso constante em direção a um autodesenvolvimento sempre maior e mais adequado, mais harmonioso e próximo da verdade secreta das coisas.

(Sri Aurobindo)






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