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Foto do escritorMarcelo Augusti

CORRER E ALONGAR, EIS A QUESTÃO!



Se aos 30 anos você está sem flexibilidade e fora de forma, você é um velho.

Se aos 60 anos você é flexível e forte, você é um jovem

(Joseph Pilates)


Muito já se discutiu sobre a questão do alongamento para os corredores. Fazer ou não fazer? Pode ou não pode? Antes ou depois? Enfim, são dúvidas que povoam o imaginário de corredores e treinadores que, com tantas informações por vezes contraditórias, às vezes não sabem como proceder. Nos últimos dez ou quinze anos, a bandeira do “alongar, jamais”, foi empunhada e defendida por inúmeros adeptos, alguns dos quais influentes, e bem certo que nunca levaram o alongamento a sério. Assim, estabeleceu-se o desequilíbrio e a confusão entre os corredores e os treinadores sobre “se deve ou se não pode” alongar.


Opiniões sobre o tema é o que não faltam. Há quem diga que já sofreu lesões por causa do alongamento; outros, porém, afirmam que nunca tiveram uma lesão por alongar com regularidade. Fisioterapeutas, médicos do esporte, educadores físicos, técnicos esportivos, cientistas do esporte, todos têm seus pontos de vista. Como opinar, em um país democrático é um direito do cidadão, devemos respeitar a controvérsia sobre tal questão que, no entanto, muitas vezes se faz embaraçosa nas rodas de corredores, nos cursos de treinamento de corrida e nos meios acadêmicos pelo país afora. Porém, defender a “ferro e fogo” o que é certo ou errado não contribui em nada para esclarecer a questão.


Mas qual é a verdade sobre o alongamento? Em tempos difíceis, aconselha-se buscar o restabelecimento do equilíbrio. E nesse caso, o equilíbrio é fundamental, pois seguir por extremos pode levar a conclusões precipitadas. Infelizmente, as opiniões radicais de alguns especialistas, as informações tendenciosas veiculadas pela mídia e o descaso histórico dos corredores em realizar exercícios de alongamentos, contribuíram para que se juntasse “a fome com a vontade de comer”. Ou seja, de um modo geral, os corredores que já se mostram preguiçosos para tal costume, em sua maioria, passam longe até de uma boa espreguiçada!


Esse artigo busca elucidar um pouco dessa controvérsia. Não temos nenhuma pretensão de “bater o martelo” e encerrar o caso. Apenas contribuir um pouco mais para o debate. Lembramos que debate significa “observar pontos de vistas diversos”; um bom debate, quando chega ao final, promove mais conhecimento a todos os participantes, pois cada um aprende um pouco mais sobre o ponto de vista dos outros. Um debate, portanto, nada tem a ver com uma discussão.


Discussão é quando as pessoas se agarram às suas “verdades”, se entrincheiram e atacam os “adversários”, e tentam vencer a todo custo os demais, impondo-se, muitas vezes, com mentiras e falsidades. Uma discussão sempre termina em um conflito, por vezes, violento. Em um debate, não há “verdades” a serem defendidas, e nada é pessoal; logo, ninguém precisa ficar ofendido porque alguém pensa o contrário. Cada um expõe seus argumentos sobre o tema e trocam ideias; pode haver, sim, um confronto de ideias, mas jamais um conflito de interesses. Um debate é para aprender e engrandecer, jamais para sobressair ou ridicularizar, o que é típico de uma discussão. Então, vamos ao que interessa!


A corrida é uma modalidade esportiva. Como tal, ela se insere no contexto da competição. Para competir, há de se preparar o corpo e a mente por meios e métodos de treinamento que sejam específicos à modalidade. Embora a máxima de Pierre de Coubertin seja “o importante não é vencer, mas competir com dignidade”, no alto rendimento esportivo, quem compete, compete para vencer. Todo esforço é feito nessa direção: vencer. E para vencer, além de uma preparação impecável em todos os quesitos (físico, técnico, tático e mental), o talento natural (treinabilidade) do atleta, tem um peso considerável, e muitas vezes, decisivo.


Mas a corrida, para além de um esporte de competição, também é um exercício físico. Muitas pessoas não correm para competir, mas para melhorarem o condicionamento cardiopulmonar e muscular e obterem os benefícios fisiológicos dessa prática, relacionados à saúde em geral. No contexto do exercício físico, correr é uma atividade que deve ser planejada de modo contínuo e orientada para a melhora da aptidão física. A aptidão física expressa a capacidade do organismo para realizar as atividades diárias sem a perda do vigor, sem incorrer em esgotamento físico ou mental que prejudique as tarefas cotidianas. A aptidão física, portanto, diz respeito ao desenvolvimento de vários de seus componentes, principalmente a resistência cardiorrespiratória, a força muscular, o equilíbrio e a flexibilidade.


Para aqueles que praticam a corrida com fins recreativos, meio de manutenção do condicionamento corporal ou para a saúde em geral, mesmo que participem de eventos competitivos sem pretensões de vencer a disputa, a flexibilidade é um componente que deve e pode ser treinado. Flexibilidade articular e capacidade de extensibilidade dos músculos e tendões tem a ver com mobilidade. A mobilidade é o grau de realização de um movimento dentro de uma liberdade natural de amplitude de cada articulação e conforme a elasticidade músculotendínea permite. A mobilidade tanto pode contribuir para otimizar o desempenho em algumas modalidades esportivas, como pode ser um fator de aumento de risco de lesões quando apresenta disfunções.


Essas disfunções podem estar associadas à baixa capacidade de mobilidade ou de instabilidade nas articulações. Assim, submeter um movimento para além de seu limite poderá resultar em lesões, que podem ser graves e recorrentes. Uma mobilidade insuficiente em uma articulação, gera uma sequência de mecanismos de compensação que, como resultado, aumenta o nível de estresse nas articulações acima e abaixo dessa. Um exemplo, é quando a articulação do quadril apresenta pouca mobilidade e isso se reflete na coluna lombar, que terá que fazer uma compensação.


Ou seja, se os quadris não se movem, é a coluna lombar que terá que se mover; a questão é que os quadris é que são designados ao movimento, e a coluna lombar, à estabilidade. Inverter essa lógica, quando o quadril pouco se move e a coluna é forçada a se mover para compensar a realização do movimento, ela fica instável e sentimos muitas dores. As dores nas costas, sem generalizar, podem estar associadas à falta de mobilidade do quadril. Logo, quando a corrida está inserida no contexto do exercício físico para promoção da saúde, a prescrição não deve se limitar apenas aos componentes da resistência cardiorrespiratória e de fortalecimento muscular, porém, incluir rotinas de mobilidade nas sessões de treinos semanais.


Treinar a flexibilidade dos corredores não significa torna-los capazes de proezas exibicionistas. Longe disso, a melhora da mobilidade poderá corrigir possíveis desequilíbrios musculares, tornar o gesto técnico mais eficiente e, principalmente, prevenir lesões, ao evitar que outros exercícios sobrecarreguem as articulações. O encurtamento dos músculos posteriores da coxa (bíceps femoral, semitendíneo e semimembranoso) em corredores de longa distância é um fato a ser considerado. Esse grupo muscular, denominado isquiotibiais, originam-se a partir de um tendão comum no osso ísquio, passam pelas articulações do quadril e joelho e se inserem na tíbia.


Os isquiotibiais são responsáveis pelos movimentos cíclicos, como caminhar e correr, principalmente em corrida com velocidade. Uma mobilidade deficitária na articulação do quadril ou joelho, ocasionada por desequilíbrios entre os músculos anteriores da coxa (quadríceps femoral, geralmente mais fortes e elásticos nos corredores) e os posteriores (isquiotibiais, geralmente mais fracos e pouco elásticos nos corredores), poderá levar a lesões nos posteriores, como estiramentos e contraturas, e mesmo sobrecarga nos joelhos que podem acarretar em outros problemas.


A flexibilidade reduzida nos corredores de alto rendimento, entendida como um ajuste anátomo-fisiológico benéfico, estabiliza o gesto técnico a partir de um menor grau de amplitude de movimento e, como consequência, diminui o consumo de oxigênio (VO2max), favorecendo a performance competitiva. No mais, entre esses corredores, o aumento da flexibilidade parece não ter influência para minimizar ou aumentar o risco de lesões. As lesões decorrentes da corrida são ocasionadas por mais de um fator, e a relação entre a flexibilidade e o risco de lesões ainda está totalmente esclarecido.


Entretanto, uma flexibilidade aumentada pode ser importante para preservação dos tendões e ligamentos quando estes são submetidos à pressão do peso do corredor durante a corrida. Pesquisas entre corredores evidenciaram que a flexibilidade reduzida na dorsiflexão do tornozelo, juntamente com outros fatores biomecânicos, pode provocar ou agravar lesões tendíneas, ligamentares e musculoesqueléticas no tibial anterior. Podemos considerar, de um modo geral, que a flexibilidade é um requisito importante para uma boa qualidade na execução de movimentos e sua repetição cíclica.


A flexibilidade desenvolvida adequadamente pelo corredor apresenta algumas vantagens:


- Otimização dos movimentos, que pode ser observado na leveza durante a expressão dos gestos técnicos relativos à corrida e na capacidade de relaxamento dos músculos; os músculos responsáveis diretos pelo movimento apresentam maior capacidade de gerar força, como os das panturrilhas e da coxa; músculos que apresentam uma maior capacidade de relaxamento também contribuem para a economia de energia (facilidade na execução dos movimentos e menor resistência dos antagonistas, ou seja, os músculos que se contrapõem ao movimento); o encurtamento dos músculos prejudica o mecanismo da contração muscular, gerando maior desgaste para a realização dos movimentos e manutenção da postura;


- Profilaxia de lesões, o desenvolvimento da flexibilidade na medida certa leva ao aumento da elasticidade muscular, da mobilidade articular e da capacidade de alongamento dos músculos, tendões e ligamentos, que se tornam mais tolerantes às cargas de treinamento; além do mais, contribui para que os músculos sobrecarregados por gerarem grande força ou resistência sofram encurtamento; a biomecânica da corrida de fundo promove o encurtamento dos músculos posteriores da coxa, principalmente; músculos encurtados são sinônimos de “perigo de lesão” (imagine aquele corredor, com seus músculos posteriores das coxas encurtados, em uma desabalada carreira colina a baixo ou em uma arrancada final; a obrigatoriedade em aumentar o tamanho da passada pode romper as fibras musculares e afastá-lo por muito tempo dos treinos e das competições);


- Acelerar a recuperação, após os treinos e competições, os alongamentos devem ser realizados para acelerar o processo de recuperação, desfazendo a tensão muscular e o encurtamento da musculatura, ativando a irrigação sangüínea e a retirada dos produtos do catabolismo. A “terapia do alongamento”, portanto, é fundamental para o processo de recuperação dos treinamentos e melhora do rendimento esportivo, pois ao corredor livre de lesões e 100% recuperado dos desgastes, sempre será possível a manutenção da continuidade do treinamento sem interrupções.


A seguir, algumas recomendações aos corredores, em geral, sobre a prática dos alongamentos:


- Embora há muitos adeptos do “alongar antes de correr, jamais”, se for alongar antes de iniciar o treino de corrida, é fundamental elevar a temperatura corporal. Nesse caso, um trote de 5-10 min, juntamente com alguns movimentos específicos dos membros inferiores (elevações e rotações leves do quadril e joelhos, por exemplo), é recomendado. Músculos “aquecidos” são mais fáceis de serem alongados, pois opõe menor resistência. Esse é um detalhe importante, pois alongar “a frio” pode ser um fator de risco de lesões;


- Selecionar os exercícios de alongamentos que trabalhem os grupos musculares mais importantes para a corrida (como coxa anterior e posterior, panturrilhas, glúteos, lombar). Realizados de modo estático, vá até o limite fisiológico (sem forçar, dar “trancos” ou sentir dor, mas apenas sentir um leve desconforto), mantendo a posição por 10 segundos. Relaxe e repita duas ou três vezes;


- Se há dúvidas se deve ou pode alongar antes de correr, a série de alongamentos após o treino de corrida é fundamental; realizar de modo suave, procurando relaxar a musculatura, para auxiliar no processo de recuperação, ou seja, sem forçar, dar “trancos” ou sentir dor;


- Caso detectado, por meio de avaliação física, alguma deficiência na mobilidade, o treino de flexibilidade deverá ser realizado à parte, em dia específico. O aumento da flexibilidade exige dos músculos, tendões e ligamentos um esforço extra que, se realizado antes do treino de corrida, poderá prejudicar o desempenho e até induzir a lesões; por outro lado, deve ser evitado quando os músculos estiverem exauridos após o treino de corrida, também com risco de provocar lesões.



Para saber mais:

Becker J, James S, Wayner R, Osternig L, Chou L-S. Biomechanical Factors Associated With Achilles Tendinopathy and Medial Tibial Stress Syndrome in Runners. The American journal of sports medicine 2017;45(11):2614---21.


Hreljac A, Marshall RN, Hume PA. Evaluation of lower extremity overuse injury potential in runners. Medicine and science in sports and exercise 2000;32(9):1635---41.


Jenkins J, Beazell J. Flexibility for runners. Clinics in Sports Medicine 2010;29(3):365---77.


Baltich J, Emery C, Whittaker J, Nigg B. Running injuries in novice runners enrolled in different training interventions: a pilot randomized controlled trial. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports 2017;27(11):1372---83.


Pileggi P, Gualano B, Souza M, Caparbo VdF, Pereira RMR, Pinto ALdS, et al. Incidência e fatores de risco de lesões osteomioarticulares em corredores: um estudo de coorte prospectivo. Rev Bras Educ Fís Esporte, São Paulo 2010;24(4):453---62.









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