Se você não tem tempo hoje para praticar exercícios, poderá ter que arrumar tempo para ficar doente no futuro
(Kenneth Cooper)
Os avanços nas ciências da saúde nos mostram, há muito tempo, que o sedentarismo é um dos grandes males que acometem a população mundial. Aliado aos vícios como ingestão excessiva de carne vermelha, açúcares, farináceos, bebidas com alto teor alcoólico e tabagismo, o sedentarismo concorre para que um estado patológico se instale no organismo, onde surgem doenças como: a hipertensão arterial, o diabetes, as dislipidemias, a obesidade e o estresse crônico, alguns tipos de câncer, dentre outras.
De um modo geral, os indivíduos que não praticam regularmente atividades físicas ou não estão engajados em nenhum programa de exercícios físicos ou esportes, apresentam uma maior propensão a desenvolverem os sinais e sintomas desses estados patológicos.
No contexto da promoção da saúde e da prevenção de doenças degenerativas do aparelho cardiorrespiratório, o treinamento de corrida é importante, pois, do ponto de vista fisiológico, a corrida de longa distância é classificada como sendo um exercício físico de caráter aeróbio, ou seja, para a execução dessa atividade, exige-se o bom funcionamento dos sistemas cardiovascular, respiratório e do metabolismo oxidativo (“queima de gorduras”).
Entretanto, embora a corrida seja uma modalidade esportiva que está ao alcance de todos, não basta apenas um tênis e um calção para sair correndo por aí. É fundamental para a segurança do praticante a realização de uma avaliação clínica criteriosa, investigando sobre a condição clínica atual do indivíduo, pois é fato a ocorrência de casos de mortes súbitas envolvendo esportistas, principalmente àqueles que se exercitam apenas aos finais de semana.
Divulgados pela mídia, esses casos acabam confundindo os indivíduos quanto à necessidade e eficácia dos programas de condicionamento físico, já que não há maiores detalhes sobre o contexto em que essas mortes ocorreram, geralmente acometendo pessoas que não apresentavam as condições clínicas adequadas, necessitando de acompanhamento especial para a prática do exercício físico. Nesse quadro, encontram-se os indivíduos que apresentavam como causa mortis doenças coronárias não diagnosticadas.
As contraindicações básicas para a execução de um treinamento de corrida são:
- inflamações ou infecções agudas;
- deficiência cardíaca congênita ou adquirida;
- arritmias cardíacas que se agravam em decorrência do exercício físico;
- hipertensão arterial não tratada (220 x 110 mmHg);
- hipertireoidismo não tratado acompanhado de perda de peso;
- distúrbios hepátícos e renais graves ou crônicos;
- doenças pulmonares em estágio avançado;
- doenças progressivas crônicas e destrutivas.
Todos os indivíduos que praticam ou queiram iniciar-se em um programa de treinamento de corrida de longa distância devem estar atentos a todos esses aspectos que, se não considerados seriamente, podem abreviar uma vida humana.
O treinamento de corrida, se bem orientado, proporciona inúmeros benefícios ao organismo humano, não apenas na capacidade de desempenho do coração, mas também reduzindo a influência dos vários fatores de risco já apresentados.
Efeitos sobre o coração
Um dos primeiros benefícios da prática regular da corrida em relação ao coração é a redução da freqüência cardíaca (FC) de repouso (bradicardia sinusal induzida pelo treinamento). Uma das causas da redução da FC de repouso está associada a menor descarga hormonal de adrenalina e noradrenalina, que são responsáveis pelo “estado de alerta” (sistema nervoso simpático) e, também, por uma elevação na taxa de acetilcolina, responsável pela manutenção de um “estado de relaxamento” (sistema nervoso parassimpático).
A redução dos hormônios adrenérgicos inibe a ação desnecessária do sistema nervoso simpático durante o repouso, anulando o efeito tóxico da alta concentração dessas substâncias sobre o coração e proporcionando um maior aproveitamento do oxigênio e economia cardíaca. Assim, a redução da FC de repouso significa menor esforço de trabalho do coração no dia-a-dia, tendo como efeito a redução dos riscos de ocorrência de infarto do miocárdio e doenças degenerativas coronarianas.
Apenas como comparação, o coração de um indivíduo sedentário, sem considerar aqui a questão da idade, sexo ou genética, geralmente apresenta 70-90 bpm; em um indivíduo treinado em corrida de longa duração, os batimentos ficam em torno de 50-60 bpm. Já em um atleta de alto rendimento, esses valores podem chegar a 30-40 bpm. Uma economia na função cardiovascular considerável!
Outros efeitos da corrida sobre o coração são: aumento das cavidades e espessura da parede cardíaca, proporcionando o aumento do volume sistólico (quantidade de sangue bombeado pelo ventrículo esquerdo a cada batida), e maior força de contratilidade do músculo cardíaco. A economia de energia, provocada por essas alterações estruturais e fisiológicas garantem ao coração a provisão adequada de sangue, oxigênio e substratos energéticos, tanto em repouso e, principalmente, durante a corrida.
Os indivíduos hipertensos (pressão sanguínea elevada), podem ser beneficiados pelos efeitos terapêuticos da prática da corrida, conjuntamente à dieta e medicação. O treino de corrida regular e de intensidade moderada favorece os mecanismos que afetam a estabilização da pressão arterial (PA) por meio da dilatação dos vasos, o que facilita o fluxo e a irrigação sanguínea aos tecidos e órgãos do corpo humano.
A diminuição dos valores da PA resulta em redução na carga de trabalho do coração, que não necessita “fazer força extra” para impulsionar o sangue pelas artérias e vasos sanguíneos até o seu destino final. Os distúrbios da PA, entretanto, devem ser analisados criteriosamente pelos especialistas, pois nem todos os casos são passíveis de serem encaminhados para o tratamento pela terapia do movimento propiciado pela corrida.
Redução do tecido adiposo e efeitos sobre a hiperlipidemia e hiperglicemia
O maior gasto energético promovido pelo treinamento de corrida é decisivo na redução do peso corporal. É sabido que um alto percentual de tecido adiposo (gordura que se acumula na região subcutânea e demais tecidos), apresenta relação direta com o surgimento de inúmeras doenças degenerativas do sistema cardiovascular. O exercício físico regular ativa o metabolismo, dificultando o armazenamento da gordura, além de estimular a sua utilização como fonte de energia para o trabalho muscular.
A alta concentração de triglicérides e colesterol na corrente sanguínea proporciona o acúmulo de gordura nas paredes internas das artérias, dificultando o fluxo sanguíneo e provocando o aumento do trabalho do coração. Esse quadro, denominado hiperlipidemia, é o responsável pelo aparecimento da arteriosclerose (entupimento das artérias e vasos sangüíneos). A corrida reduz a taxa de concentração dos lipídios na corrente sanguínea, protegendo as artérias do acúmulo de gorduras em suas paredes.
O sedentarismo também é a causa de um outro fator de risco à saúde: a hiperglicemia, ou seja, a elevação da taxa de concentração de glicose no sangue, levando ao aparecimento do diabetes. O diabetes, além da causa genética, é decorrente da alimentação excessivamente rica em carboidratos, aliada à falta de exercícios físicos.
O treinamento de corrida aumenta a sensibilidade das células pela glicose, mesmo com uma baixa concentração de insulina (hormônio responsável pela assimilação da glicose pela célula). Assim, a corrida é uma medida preventiva e um apoio terapêutico relevante para o diabetes, pois somente quando o músculo está em atividade ou na presença da insulina é que a glicose é “carregada” para dentro da célula para ser utilizada como energia.
Considerando que os músculos representam 40% da massa corporal, a participação em um programa de treinamento de corrida é significativa para o controle da glicemia e prevenção do diabetes.
Ansiedade e estresse
A tensão da vida moderna, representada pelo estado quase crônico de ansiedade, provoca a liberação dos hormônios adrenérgicos que desencadeiam uma série de eventos fisiológicos como: maior excitabilidade (estado de alerta), aumento da FC, da PA, da glicemia e da lipidemia. Essas reações comprometem o bem-estar geral do indivíduo, levando-o a um estado de estresse psicofísico, onde insônia, irritabilidade, agressividade, redução do desempenho físico e da capacidade de recuperação, são claros indícios de que a saúde não vai bem. O infarto do miocárdio é uma consequência quase inevitável de uma vida de estresse.
A prática regular da corrida, juntamente com a mudança do estilo de vida, promove a liberação do estado de tensão, pelos mecanismos já descritos, sendo fator fundamental para a regulação dos sistemas orgânicos.
Corrida e melhor idade
A capacidade de desempenho do homem se reduz mais em razão da falta de atividade física do que pelo avançar da idade. Biologicamente, o ser humano possui uma expectativa de vida de aproximadamente 120 anos, porém, as condições socioeconômicas e os hábitos e vícios da vida moderna abreviam a existência terrena.
Para os indivíduos da melhor idade (acima de 55/60 anos), a corrida constante e regular é um meio que permite a preservação da capacidade física e emocional. As deficiências orgânicas e a queda do desempenho físico na melhor idade decorrem mais da falta de expectativa do indivíduo com as possibilidades do seu próprio corpo (falta de movimento), do que pelo desgaste proporcionado pelo processo de envelhecimento.
Observando-se os cuidados necessários, qualquer indivíduo, de qualquer idade, poderá desfrutar dos benefícios de uma vida longa e saudável.
Avaliação de Massa Corporal
A massa corporal, ou seja, detectar se um indivíduo está acima ou abaixo do seu peso considerado normal, pode ser estimada a partir do Índice de Massa Corporal (IMC). Embora apresente algumas limitações, pois seu cálculo não diferencia a quantidade de gordura e músculos, é uma ferramenta prática para avaliar a condição do peso corporal do indivíduo. Trata-se, portanto, de um parâmetro adotado pela Organização Mundial de Saúde para calcular o peso ideal de cada pessoa.
A fórmula para calcular o IMC é:
IMC = peso corporal em kg / (estatura em m)2
O IMC tanto pode ser utilizado para detectar tanto o excesso de peso (obesidade), quanto o peso baixo (desnutrição). A literatura mostra que há evidência de que valores baixos de IMC estão relacionados com doenças pulmonares obstrutivas, câncer pulmonar e tuberculose, e que valores altos de IMC associam-se a doenças cardiovasculares, hipertensão arterial e diabetes. A tabela abaixo traz a classificação do IMC conforme os seus respectivos valores.
A prática regular de atividades físicas é um fator fundamental para a promoção da saúde e da prevenção de doenças. E a corrida se constitui em um dos melhores exercícios para acrescentar anos à sua vida e vida aos seus anos. Corra, viva e seja feliz!
Esquema representando as vantagens de um treinamento de corrida de resistência aeróbia Fonte: Weineck, J. Treinamento Ideal, 1999.
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