Yogue em Ásana de meditação
Pintura do século XVIII. Fonte: STURGESS, S.
Dhyana
A palavra dhyana se origina do sânscrito, dhi, que significa mente; e yana, fluir. Dhyana configura a etapa que antecede o Samadhi, considerada a última do caminho óctuplo, na qual ocorre a comunhão com o Divino. Dhyana é o estado meditativo, ou em outras palavras, é a etapa que conduzirá o praticante à União Divina. Como vimos nas etapas anteriores, é necessário adquirir novos hábitos para trilhar o caminho do Yoga e incorporar novas maneiras de pensar e agir. Assim, portanto, a prática nos leva à persistência, à superação das limitações físicas, mentais ou comportamentais.
O estado meditativo é o alcance da quietude mental e da atenção ao momento presente, sem que se deixe levar por distrações. Em dhyana todas as distrações perdem a importância e a mente passa a se manifestar sem que haja interrupção ou perturbação. Seu conteúdo flui naturalmente e, sem que haja interrupções e interferências, ocorre seu esvaziamento. Essa é a “mente vazia” que se alcança em dhyana.
A meditação, portanto, não se constitui pelas técnicas utilizadas para atingir o estado de “mente vazia”, mas sim, é o próprio estado de verdade e naturalidade da mente, livre de interferências, nebulosidades, fantasias, preocupações, etc.
Dhyana, não é resultado do pensamento; é apenas o repousar na natureza original da mente (que é silêncio e quietude), sem nela sustentar qualquer coisa, sem dela excluir qualquer coisa. O estado meditativo, dhyana, é permitir-se estar livre de quaisquer conflitos. Não há nada a fazer, nada a modificar; apenas sentar e esquecer. Deixar a mente fluir. É como a onda que se move no oceano; ela surge e desaparece no oceano, ela não é separada do oceano, tampouco o oceano da onda. Assim como os pensamentos não são separados da mente, e a mente dos pensamentos; assim, como os pensamentos surgem na mente, nela se movem, e nela se dissolvem. Isto é dhyana: a permanência serena e constante num estado mental livre de interferências e perturbações.
O processo para estar em dhyana é iniciado em dharana, ou seja, na concentração. Depois, experimenta-se o encontro com a própria genuinidade, com o que de fato constitui o ser, sua essência fundamentada no amor e na devoção. Sem tais ingredientes, a prática se torna mecânica, sem sentido. Assim, é necessário fazê-la de forma consciente e senti-la verdadeiramente.
É em tal momento que os papéis sociais desaparecem, ficam de lado os comportamentos e responsabilidades profissionais e familiares (não se é médico, professor, engenheiro, mãe, pai, filho, marido, esposa, amigo) para dar vazão ao que se é verdadeiramente, embasados no amor que constitui a verdadeira natureza. É importante, nesse processo, preservar o momento no qual se pretende meditar, sem permitir interrupções pelos afazeres, pelas responsabilidades do cotidiano, pelos aparelhos eletrônicos, etc.
As técnicas para conseguir entrar no estado meditativo existem como ferramentas, instrumentos que irão facilitar a prática do dia a dia. O Yoga se utiliza de algumas para promover esse alcance e também proporcionar um estado mais satisfatório de bem-estar e de qualidade de vida aos praticantes. São elas: respiração, visualização, mantras e entoações, fixação do olhar.
Cotidiano
O ritmo da vida moderna orquestrado pelos modos de trabalho atuais ainda se apresenta em descompasso com a natureza humana. O assunto já foi abordado e debatido em meios diversos: científicos, populares, profissionais ou entre amigos.
A frequência com a qual as ocorrem as lamentações humanas acerca da falta de tempo para cuidar da saúde é tão assustadora quanto a naturalidade com a qual muitos já aceitaram seus danos e perdas de saúde física e mental devido às negligências com o autocuidado.
Já são conhecidas as necessidades e responsabilidades financeiras que contribuem com o agravo do quadro, fazendo com que a população esteja cada vez mais submetida às condições insatisfatórias relacionadas à carga horária no trabalho; meios de transporte; cobranças e metas exageradas; prazos exíguos; graus elevados de dificuldades para conseguir atender às exigências.
Para que se consiga atender satisfatoriamente o que o mercado impõe ao trabalhador, seria interessante que este soubesse perceber seus limites e posteriormente conseguisse reservar um tempo diário para cuidar de si, preparar-se para sua jornada de trabalho, para sua vida pessoal e social. Interessante também seria se o mundo corporativo atuasse mutuamente em benefício do tempo livre do trabalhador.
Tecnologias, flexibilizações de horários, adequações de atividades a cada perfil, tudo poderia ser utilizado por empregados e empregadores para a construção de ambientes corporativos melhores, resultados e satisfações para os dois lados. Porém, na prática, é frequente ainda os ambientes tensos e as pessoas insatisfeitas, de um lado e do outro, o que gera a proliferação das doenças como obesidade, depressão, ansiedade, todas consideradas males do século e já aceitas com certa naturalidade, como se delas, hoje em dia, não se poderá escapar.
Ao se conformar com isso, são colocadas de lado as iniciativas e atitudes diárias para as melhorias da condição de vida. Pequenas atitudes podem gerar mudanças significativas na qualidade do tempo e da vida. Meditar, por exemplo, é uma delas. Ao darmos vazão ao que somos em nossa essência, deixamos para trás o que nos perturba, o que nos domina. Desejos, apegos, ira, ganância, medo, insegurança são os sentimentos que se dissipam nesse processo.
Emergem os benefícios inerentes aos esvaziamentos daquilo que nos prejudica. Meditar proporciona ao físico e à mente os mesmos benefícios que uma boa faxina permite aos ambientes: eliminação de coisas inúteis, sujeiras, lixos, abertura de novos espaços, possibilidades, injeção de qualidade ao que se tem ou ao que se é. É introdução de paz.
Junto às práticas de meditação, exercícios físicos, alimentações adequadas trazem os benefícios ao cotidiano, contribuem na manutenção do bem-estar, na eliminação do estresse acumulado pelas jornadas excessivas de trabalho. Se não temos como fugir das condições de trabalho e dos meios nos quais vivemos, podemos “lutar” com essas “armas” em nossa própria defesa. Em termos de exercícios físicos e de meditação, é possível começarmos com 10 minutos diários para cada um, sem que seja necessário muito investimento financeiro, mas sim, investimentos em disciplina e boa vontade.
Abaixo, a transcrição de um pequeno trecho da introdução do livro O tempo do Buda: abrindo os olhos para as infinitas possibilidades do agora, escrito por Lama Surya Das, da tradição budista tibetana. Vale a pena a leitura do trecho e do livro!
Fazendo as pazes com o tempo
Há éons que as pessoas vêm tentando entender o conceito de tempo. De Sófocles a Benjamim Franklin, de Einstein a Mick Jagger, a sabedoria nos foi transmitida: O tempo é a substância da vida. Tempo é dinheiro. O tempo é essencial. O tempo voa. O tempo é relativo. O tempo está do meu lado. O tempo é um ladrão cruel.
Medimos o tempo. Perdemos tempo. Matamos o tempo. Não temos tempo. Ultimamente, a frase é a que mais escuto. Num estado de espírito que varia entre o aborrecimento, a agitação e o desespero, as pessoas sempre me dizem: "Eu não tenho tempo!".
Não surpreende que muitos de nós se sintam dessa maneira. O ritmo da vida é muito mais frenético do que era uma geração atrás, e inimaginavelmente mais rápido do que no antigo mundo de Moisés ou Confúcio. Tentar acompanhar o ritmo dos dias de hoje é uma tarefa árdua. [...].
Além disso, o estresse causa problemas de fertilidade, embranquece os cabelos e desgasta o corpo antes da hora. O estresse, quando se prolonga por muito tempo, pode até mudar a configuração do cérebro, nos deixando mais vulneráveis [...].
Sentimos que os esforços atuais para economizar tempo saíram pela culatra, criando seus próprios problemas, problemas graves. Nossos avanços tecnológicos e a nossa acessibilidade constante obscurecem a distinção entre tempo livre e o trabalho.
[...] O problema para muitos é aprender como se desligar de toda essa agitação para ter um pouco mais de paz e tranquilidade. E quanto do nosso estresse vem da tentativa de atender cada um que quer um pouco do nosso tempo? Você sofre da doença de agradar, tentando ao máximo satisfazer todos aqueles que reclamam um pouco do seu tempo? Muitas pessoas se dividem entre o desejo de ser generosas e a necessidade de conservar sua energia.
Para evitar que este texto se torne longo ou enfadonho demais, um tomador de tempo alheio, encerro por aqui, convidando o leitor à prática transformadora do Yoga!
Om Shanti
Pausa às margens do Rio Mogi-Guaçu
Fonte: Acervo da autora, 2022
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