O Imperecível é o Real (Mundaka Upanishad)
Envelhecer é o processo natural da vida. Tudo o que nasce, cresce, se desenvolve, alcança a maturidade, entra em declínio e, por fim, fenece. Parece que, quanto a isso, não há nada que possamos fazer. É o fluxo natural da vida, a lei do Universo.
Há de se compreender, contudo, que apenas o que nasce, passa por esse processo. Ou seja, se o entendimento que temos da nossa natureza for apenas matéria, certamente o nosso destino foi selado no dia do nascimento.
Entretanto, os ensinamentos do Sámkhya, uma das darshanas (escolas de filosofia) da tradição hindu, nos revela a nossa verdadeira natureza: somos feitos, sim, de matéria (Prakriti), porém, nossa essência é espírito (Purusha).
Prakriti é o que se manifesta, o que toma forma, o que tem denominação; a natureza de prakriti é a transitoriedade e a impermanência. Prakriti é o invólucro de Purusha, seu corpo físico, energético e mental. É por meio de prakriti que o Purusha emerge no mundo das manifestações.
Purusha é o imanifesto, não tem forma, não tem denominação. Purusha é o espírito: eterno, infinito e imutável; portanto, não nasce e não morre. Ele é o “espírito que a tudo vivifica”, está em tudo, em todos, em toda parte. É a essência de toda manifestação.
Sobre Purusha, afirma um texto sagrado:
Eu sou da natureza da sabedoria vasta e toda plena. Eu sou aquele que é a testemunha e sem desejos. Eu resido em Minha glória somente. Eu não me movimento. Eu não tenho velhice, nem destruição, nem diferenças. Eu tenho a sabedoria como a essência principal. Eu sou o puro oceano de paz, amor e felicidade. Eu não tenho membros nem nascimento. Eu sou a essência que é a própria Existência
(Atma-Bodha Upanishad)
Purusha é o que conhecemos como “alma”. Corpo e alma – prakriti e purusha, eis a nossa constituição. Isso quer dizer que, sim, uma parte de nós passará pelo processo natural da vida: nosso corpo – o que nasce, aquilo que se manifesta, o que é impermanente – vai envelhecer, adoecer e, por fim, se reduzirá em “terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada”, como disse certa vez o poeta Gregório de Mattos.
Mas isso é apenas a nossa aparência; apenas nome e forma (namarupa), nada que deva ser levado tão a sério, a ponto de nos desesperarmos. Entretanto, o corpo é o “veículo da alma”, o lugar onde o espírito eterno e infinito se abriga, para se aventurar nesse mundo. É pelo corpo que a alma aprecia a vida.
Isso quer dizer que a nossa tarefa é cuidar muito bem do corpo. Alimentá-lo, proporcionar-lhe atividades que propiciem seu crescimento e desenvolvimento adequado, dar-lhe descanso quando necessário para se refazer. Esse é o dever da alma para com o corpo: cuidar para que ele envelheça de modo saudável ou, como diria outro poeta, Olavo Bilac, “que envelheçamos rindo” (...) “na glória da alegria e da bondade”.
O corpo sabemos muito bem o que lhe espera, qual o seu fim. Porém, não somos o corpo, somos a alma. Envelhecer e morrer diz respeito ao corpo, não a alma. O envelhecimento e a morte devem ser tratados com naturalidade, com respeito, com sensibilidade e conhecimento.
Se a alma é eterna e infinita, e o mundo das manifestações – o Universo – é tão vasto e repleto de atrativos, para a alma que ainda não concluiu sua aventura, se faz necessário trocar de corpo quando este não mais se encontra em condições adequadas para seguir a jornada terrena. Nada mais justo!
A morte, portanto, não passa de uma transição necessária. O desespero ou o sofrimento com a morte é porque nos apegamos ao corpo como “eu sou este corpo”. Esse apego é o resultado da ignorância primordial: quando a alma emerge em um corpo, no mundo das manifestações, ela padece de uma amnésia. Ou seja, ela não se lembra quem ela é: eterna, infinita e imutável, e que apenas está “passeando por essas bandas”, “atenta às últimas novidades”.
Quanto mais se prolonga a amnésia, todavia, mais a alma se apega ao corpo e ao mundo das manifestações. E, assim, ela permanece aprisionada à “roda da fortuna”, ora experimentando alegria e prazer, ora dor e sofrimento, sempre na mesma proporção, um após o outro. Este ciclo de nascer-morrer-renascer é o samsara, um fluxo incessante de manifestações que se repetem perpetuamente, atordoando a todos os seres.
Para sair do samsara é necessário conhecimento. Temos que recordar quem somos. Temos que despertar a consciência para a nossa verdadeira natureza. No samsara permanecemos adormecidos para a realidade. Temos que iluminar a nossa mente para que a realidade se revele!
O yoga nos aponta o caminho para que possamos “viver e apreciar a vida”, sem se enredar pelas ilusões do envelhecimento e da morte, ou seja, por aquilo que não faz parte da nossa essência. O corpo não é aquilo que sou, é apenas um “lar temporário”. Esse é o precioso conhecimento a ser buscado por todos nós!
Portanto, não se preocupe com o envelhecer ou a morte; permita a vida fluir, e apenas aprecie cada momento que ela te proporciona: seja a testemunha de sua existência!
Nosso destino? A alma não nasce: ela é eterna. É infinita paz, amor e felicidade!
Não nasci; não tenho corpo, sentidos ou mente. Eu vejo, embora não tenha olhos. Ouço, embora não tenha ouvidos. Conheço tudo, porém ninguém me conhece. Sou a sabedoria infinita. Sou aquele que deve ser conhecido (Kaivalya Upanishad)
Hari Om Tat Sat.
Comments