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Foto do escritorMarcelo Augusti

MAHÁVIDEHÁ, O DOMÍNIO DA MENTE E O CAMINHO DA EXCELÊNCIA

Atualizado: 29 de out.


A excelência não é uma conquista, porém, um hábito. Somos o que repetidamente fazemos. (Aristóteles)


A excelência é uma virtude. É a virtude daquilo que é contínuo, de um horizonte que nunca se alcança. Não se trata de chegar a algum lugar ou atingir um patamar, mas de uma disposição perseverante de tornar-se um ser humano melhor a cada dia.


O Vibhuti Pada, capítulo III do Yoga Sutras de Patanjali, trata sobre as realizações obtidas pelo adepto do yoga. A palavra vibhuti significa “aquilo que se manifesta, que penetra”, e se refere a um estado de atenção refinado, que possibilita uma profundidade de foco e discernimento sobre os “mistérios da vida”, os quais se revelarão aos praticantes, quando neles forem despertados os “poderes ocultos” (siddhis) do yoga.


Patanjali, entretanto, deixa claro que tais “mistérios” e “poderes ocultos” não são sobrenaturais, muito pelo contrário. São manifestações comuns e acessíveis a todo aquele que se dedica seriamente ao yoga. Quando o iogue alcançar a realização plena em sua sadhana (prática diária), ele compreenderá que não há qualquer “mistério” a ser revelado ou “poder oculto” a ser despertado.


Este estado de atenção refinado, portanto, somente é obtido por meio da constância na prática da meditação. A meditação é o processo interno do Yoga de Patanjali. É, pois, pela meditação que se acessa o “mundo interior”, e dele se revelam os “mistérios da vida” e os “poderes ocultos”.


Samyāma é o processo final do yoga descrito por Patanjali em seus sutras, e que conduz o praticante ao “mundo interior”. A realização de samyāma é resultado de três estágios que, em conjunto, configuram o processo interno do Yoga: concentração (dharana), contemplação (dhyana) e interiorização profunda (samadhi).


Samyāma é o estado referente ao completo “domínio da mente”. O aforismo 44 do Vibhuti Pada, diz:


bahir akalpitá vrttir mahávidehá tatah prakásávaraña ksayah

 

(O estado da “mente sem mente” é quando o véu que encobre a luz da Consciência é totalmente retirado)

 

No aforismo, a palavra akalpitá significa que é “impensável" para a mente estar em um estado “sem mente”. Uma “mente sem mente” significa uma mente livre de vrttir, as “vibrações dos pensamentos”. Uma “mente sem mente” é uma “mente sem pensamentos”, ou seja, onde não há referências de passado ou futuro; é um estado completamente livre de memórias ou tendências, preocupações ou expectativas, medo ou ansiedade.


Mahávidehá é, pois, o estado de “mente sem mente” ou a “grande morte” da mente. Em tal estado, o véu (ávaraña) que encobre a “luz da Consciência” (prakásá) é destruído (ksayah). É, pois, na realização do “domínio da mente”, isto é, em uma mente livre de conceituações – uma mente tranquila – que se refletirá o “brilho refulgente” do Imanifesto.


Podemos dizer que mahávidehá é um estado de imersão profunda e pacífica no Imanifesto. A mente “sem passado, sem futuro” é o momento atemporal, o eterno agora. Mahávidehá é o estado que possibilita que a consciência individual flua livremente para a Consciência Universal.


É quando a mente “morre para si mesmo” que o contato com a fonte de todo Conhecimento se estabelece. A correta percepção da existência somente é possível quando pensamentos sobre passado e futuro deixam de ter influência sobre nós e, então, o conhecimento do Imanifesto se revela. É apenas na condição de mahávidehá que emerge a plena consciência do Si Mesmo.


O que Patanjali afirma nos sutras como a condição indispensável para o acesso irrestrito ao Conhecimento, portanto, é o “domínio da mente”, isto é, estar liberto da influência das "vibrações dos pensamentos".


É em tal condição que a “realidade em si” será percebida claramente, para além das aparências, a realidade que não está mais encoberta pelas projeções de nossos pensamentos recorrentes sobre o certo e o errado, o bom e o mau, a vida e a morte e todas as dualidades manifestas na Natureza.


Os “mistérios da vida”, ao qual se refere Patanjali, nada mais são do que os aspectos da “natureza material”, sejam densos ou sutis, e que se desnudam à nossa percepção, apurada pela prática constante no yoga. Quando o véu é retirado, passamos a enxergar claramente a “natureza das coisas” e a nossa própria natureza.


Os “poderes ocultos” nada mais são do que esse privilégio de “ver claramente a vida como ela é”, ou seja, de “tomar consciência” do que ou quem somos, onde estamos e o porquê de estarmos onde estamos.


O “domínio de si mesmo”, propiciado pelo estado de mahávidehá, é o “caminho da excelência”. A “morte da mente” é apenas a morte da “mente condicionada”. De certo, não ficaremos sem uma mente. Porém, ao retornar do “mundo interior”, teremos uma “mente nova”, livre e desimpedida para acessar a fonte de todo Conhecimento, uma mente em “estado de excelência”.


Mas não é apenas a mente que se renova com a prática de yoga. O yoga também propicia a renovação do corpo. Patanjali nos fala da “excelência do corpo”, que consiste em uma coesão de “beleza da forma, firmeza na postura, leveza e fluidez de movimentos e gentileza nos gestos” (Vibhuti Pada, 47).


A “excelência do corpo e da mente” é a expressão máxima da disposição perseverante em nos tornarmos um “ser humano melhor a cada dia”. Todavia, se tal disposição não expressar a excelência enquanto “virtude” (ou seja, a inclinação constante para praticar o bem), então, podemos nos perder em vaidades e aflição.


Temos que estar atentos, principalmente, aos atributos do corpo. Se um corpo “belo, forte e ágil” for alcançado antes do completo “domínio da mente”, isto, provavelmente, nos arrastará para o “culto ao corpo”, nos afastando da meta principal do yoga: kaivalya, a liberação completa das amarras de nome e forma, desejo, apego e aversão.


Na tradição do yoga, kaivalyam é aquele que teve a experiência do Imanifesto. Tal experiência somente é possível pela imersão na Consciência Universal. A realização de kaivalya é o estágio final do "caminho da excelência".


É a constância na prática da meditação que promove esse “encontro” entre a consciência individual, finita e limitada, com a eterna Consciência Universal, aquilo “tudo o que já foi, tudo o que é, e tudo o que será”.


Yoga: estude, pratique.


Hari Om Tat Sat.

 

Com a percepção correta da distinção entre a mente condicionada e a Consciência Pura, obtém-se o conhecimento perfeito e, consequentemente, alcança-se a plenitude da existência. (Yoga Sutras, III, 50)

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