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Foto do escritorMarcelo Augusti

O QUE VOCÊ SABE SOBRE ANDAR A PÉ?



A experiência do caminhar perdura além do efêmero e possibilita uma combinação entre o prazer estético (admiração) e o desejo de conhecer. Uma série de sensações físicas se faz presente – olfativas (odores de plantas, flores, detritos e outros), táteis (calor temperado pela brisa, temperatura da água, por exemplo), visuais, auditivas -, em um meio ambiente a ser descoberto, percebido e conhecido pelo aguçamento dos sentidos. Uma experiência de contemplação filtrada por valores e concepções de vida. (Heloísa Turini Bruhns)




O tema de hoje é a caminhada. Tenho uma ligação muito antiga e especial com essa prática. Andar a pé sempre fez parte do meu cotidiano. Da infância à adolescência e desta para a vida adulta, a preferência pelos deslocamentos à pé, independentemente do destino, eram motivo de alegria, pois, para mim, caminhar sempre estava associado à descoberta de novos lugares, o que atiçava a curiosidade para ir sempre cada vez mais longe e por lugares por onde os pés ainda não haviam pisado o solo.


Entre os anos de 2012-14, entretanto, o interesse pelo andar a pé mudou de patamar: de uma simples curiosidade ou modo de locomoção preferido, tornou-se objeto de investigação acadêmica. A partir da dissertação intitulada Caminhada e estilo de vida: implicações no lazer e na qualidade de vida, com orientação da Dra. Carmen Maria Aguiar, do Departamento de Educação Física do Instituto de Biociências da UNESP de Rio Claro-SP, uma série de artigos foram produzidos, culminando com o livro Trajetórias do Andar a Pé, lançado em maio de 2023, pela Editora Viseu.


Quando investigamos algo na perspectiva científica, sempre acabamos descobrimos novas facetas do objeto de estudo ou do fenômeno pesquisado. Assim, aprendemos que o andar a pé se constitui em uma prática corporal que possui sentidos e significados socioculturais e históricos que podem estar associados a manifestações coletivas e individuais de repúdio, protesto, celebração ou até atitudes filosóficas, religiosas e educativas. Caminhando, o indivíduo faz desse ato aquilo que lhe parece mais significativo, pois, é pelo seu corpo e sua prática que ele se relaciona com o mundo e vivencia a sua própria existência.


No mundo contemporâneo, pode-se afirmar, com certa segurança, que a caminhada faz parte do rol das atividades que são capazes de suprir algumas demandas relacionadas ao distanciamento do indivíduo com a natureza e o mundo rural. Caminhar, então, torna-se mais que uma opção para o indivíduo que, em um determinado momento de sua vida, refaz a trajetória de sua existência (suas dúvidas, seus equívocos, seus desesperos) e, ao refletir sobre si, elege convicções e passa a viver em conformidade com elas. É como ter encontrado a melhor maneira para se viver e seguir por esse caminho sem mais preocupar-se com o que diz o mundo ‘lá de fora’.


A caminhada, em sua simplicidade e naturalidade reflete, pois, uma atitude consciente que contesta aspectos marcantes dos modos de vida contemporâneos (o ritmo estressante das cidades, a competitividade tresloucada do mercado de trabalho, a exigência de sempre ter mais, mesmo ao custo de ser cada vez menos, o bônus por mais informação pelo ônus de saber e conhecer menos).


Na contramão da objetividade, o sujeito caminhando não tem pretensões de conhecer a caminhada apenas a partir de uma interpretação técnico-instrumental, porém, concebendo-a como o seu modo particular de expressar-se, corporalmente, perante o mundo vivido. Ele, portanto, não busca as ‘verdades da caminhada’, embora possa encontrar ‘verdades na caminhada’, e vivenciar cada passo de maneira muito pessoal e deles extrair o melhor que a caminhada pode oferecer: a sensação de pertencer a algo maior por uma percepção significativa da existência.


O andar a pé, portanto, constitui-se em uma experiência de vida que provoca os sentidos, aguça a percepção e estabelece novas perspectivas estéticas e éticas. Quando se caminha, sobretudo, se é a si próprio e não outro. Pois tudo depende de si, do pé após pé até o triunfo da inelutável chegada. O sujeito caminhando, logo, é a expressão da ousadia, da busca pela autenticidade, aquele que contesta o mundo moderno em sua retomada à ancestralidade e a um tipo de saber que busca compreender o mundo a despeito da ciência e da tecnologia.


Ao caminhar, portanto, o indivíduo tem a possibilidade de reconstruir o percurso de sua existência a partir dos referenciais que o remetem às recordações de sua infância, como é o caso das paisagens e do imaginário que elas evocam. Por ressaltar características que são próprias aos seres humanos, a caminhada pode tornar-se um meio favorável que conduza o indivíduo a reflexões sobre o seu próprio ser e, de um modo geral, a existência do ser humano.


Essas foram apenas algumas reflexões sobre o andar a pé. Para quem curte uma boa caminhada e faz do andar a pé um momento do dia muito especial, há muito mais para ler e conhecer!


Referência:

AUGUSTI, Marcelo Roberto Andrade. Caminhada e estilo de vida: implicações no lazer e na qualidade de vida. 2014. 100 p. Dissertação - (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 2014.


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Leia outros artigos do Prof. Marcelo R. A. Augusti sobre caminhada:




Andar a Pé: Indícios das Origens Modernas do Gosto de se Caminhar pelo Campo



Resumo:

Neste artigo serão abordadas algumas questões relativas às mudanças na razão e na sensibilidade do trato do ser humano com o mundo natural e que possam fornecer alguns indícios do apreço que os indivíduos, na atualidade, têm acerca de realizaram caminhadas pelo campo, considerando os séculos XVIII e XIX como ápice desse processo de transformação da mentalidade.


Confira o artigo completo em: Revista Licere, UFMG, Belo Horizonte, MG.


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O andar a pé como fator de distinção social no Brasil do século XIX


Resumo:

Ao se considerar o contexto econômico-cultural do século XIX e as transformações ocorridas nos modos de vida da sociedade brasileira da época, posteriormente à chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro, o artigo propõe analisar a caminhada como elemento de distinção social, conforme as atividades e eventos relacionados à sua prática e a quem dela fazia uso.


Confira o artigo completo em: Revista Tempos Históricos, UNIOESTE, Marechal Cândido, PR.


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Sobre andar a pé, conhecer e aprender: o sujeito caminhando e o processo educacional


Resumo:

Este artigo trata da relação entre caminhar e aprender, contrapondo processos educacionais que ocorrem predominantemente de modo espontâneo pela vivência corporal, com as formalidades dos métodos de ensino na educação escolar em que, impera o conhecimento conceitual em detrimento dos saberes adquiridos pelas experiências de vida. A prática da caminhada, inserida em um contexto educacional, expressa, pois, o sujeito caminhando, isto é, aquele que vivencia o mundo andando a pé e dele apreende o saber por meio das percepções da existência, tornando-se, então, o sujeito conhecendo o meio em que habita. O referencial teórico obtido pelo levantamento bibliográfico aponta que, pelo caminhar, alcança-se um tipo de saber que não se aparta da realidade, confere sentido à existência e significado ao mundo em que se vive, e dá sentido ao conhecimento para além do universo conceitual. Trata-se de um saber concreto, mediado pela experiência do existir, que se faz caminhando, em um mundo real, vivenciado. Cabe à educação escolar explorar os recursos didáticos e pedagógicos que a prática da caminhada oferece como instrumento eficaz para um processo de aprendizagem contínuo e vinculado com a existência.


Confira o artigo completo em: Revista Educação Teoria e Prática, UNESP, Rio Claro, SP.


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Andar a pé: impactos da técnica moderna sobre a espontaneidade da prática da caminhada


Resumo:

Andar a pé é uma condição elementar da existência humana. Muitas atividades e práticas somente ganham forma, conteúdo e vida por meio da caminhada, sem o qual não teriam o mesmo apelo simbólico e intensidade de presença. Aprende-se a caminhar de modo espontâneo, por imitação. Isto é a técnica corporal. Quando o andar a pé torna-se uma prática sistematizada, a técnica corporal sai de cena: é a técnica moderna que impera no propósito de adequar a singularidade à normalidade. É neste contexto que o artigo interpela o andar a pé: de uma técnica corporal advinda da experiência individual que se transmuda em um gesto técnico oriundo da supremacia da ciência sobre o saber empírico. O objetivo é analisar os impactos da técnica moderna sobre a prática da caminhada nos dias atuais e o que isso implica ao sujeito caminhando em relação à sua liberdade de expressão corporal.


Confira o artigo completo em: Revista Temporalidades, UFMG, Belo Horizonte, MG.


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O livro busca, com sua proposta, ampliar o debate acerca das inúmeras possibilidades de investigação da corporeidade e das práticas corporais nas Ciências da Motricidade, a partir de outros olhares, cada vez mais abrangentes e não excludentes. Neste contexto investigativo, o objeto de estudo é o andar a pé, que, numa perspectiva histórica, busca desvendar os aspectos relacionadas à prática da caminhada em seus mais variados usos culturais e sociais ao longo da história do Brasil.


O objetivo é propiciar uma reflexão sobre a manifestação dos fenômenos socioculturais que se expressam a partir do corpo humano — de seus atos, de seus gestos, de sua incidência sobre o mundo vivido — e que são expressões da corporeidade, tanto culturalmente adquiridas, quanto socialmente impostas e que estiveram presentes nos modos e estilos de vida ao longo dos séculos.


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