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Foto do escritorMarcelo Augusti

O SONHO DE BRAHMA E O UNIVERSO

Atualizado: 22 de mar.


Conhecimento e ignorância, cada um conduz a um final diferente.

(Yoga Vasishta)



O que é o Universo? Na tradição do yoga, o Universo é o mundo fenomênico, isto é, o mundo da manifestação. O Universo contém tudo o que existe, tudo o que pode ser percebido pelos sentidos corporais, é tudo aquilo que pode ser criado pela mente.


Mas como surgiu o Universo? O Universo surgiu de um sonho: o sonho de Brahma. Brahma, um ser divino que emergiu a partir de uma flor de lótus, que brotou do umbigo de Vishnu, a Consciência Cósmica infinita, um dia, teve um sonho: a criação.


Brahma, apreciando o Vazio, em permanente estado de meditação, teve um pensamento; desse pensamento, surgiu um desejo; e desse desejo, uma intenção. E dessa sucessão de eventos, aleatoriamente, surgiu o Universo e seus primeiros elementos: o ar, a água, a terra e o fogo.


Mas não parou por aí. Brahma, agora apreciando a sua criação, imersa no Vazio, teve outros pensamentos, outros desejos e outras intenções. Em sua mente, os elementos se combinaram e, assim, surgiu no Universo, tudo o que nele existe e pode ser percebido. Conforme seus pensamentos, desejos e intenções, Brahma criava infinitos mundos, com infinitos seres, atrelados em infinitas circunstâncias.


Brahma, assim, em seu profundo estado meditativo, pensava e desejava – e tudo surgia, imediatamente. E Brahma se deleitava com suas criações, cada vez mais diversas e variadas, que se originavam de sua mente.


A mente de Brahma é pura quietude e silêncio, pois ele permanece em profundo estado meditativo. Entretanto, cada vez que um pensamento surge em sua mente, é como o vento que agita a superfície das águas tranquilas de um lago; uma vibração, uma onda, um desejo, uma intenção – e eis um novo universo!


Brahma participa de seus próprios sonhos, mas, apenas como testemunha. Ele não é impactado por nada, nada lhe afeta. Não importa a ação realizada pelos seres criados, Brahma apenas contempla e mantém-se imperturbável. Ele não se aborrece, nada julga. Afinal, seu estado meditativo de tranquilo permanecer é inabalável.


Ao espalhar-se por todas as coisas criadas, entretanto, a mente de Brahma se individualiza. Essa mente individualizada (atman) por algum motivo, passa a sofrer de uma profunda amnésia: ao individualizar-se, ela esquece sua origem primordial (Brahman).


Cada sonho de Brahma é um universo à parte, um mundo diferente, com suas criações infinitas. Cada consciência individual, portanto, é apenas reflexo do sonho de Brahma. Esta consciência individual, ainda que seja reflexo da Consciência Cósmica, todavia, pelo esquecimento, permanece em completa ignorância e, por acreditar-se separada, percebe-se, equivocadamente, como uma mente distinta.


Aprisionada pelo esquecimento de sua natureza, a consciência individual, então, também passa a sonhar, e também cria seu mundo particular. Assim, no sonho universal de Brahma, bilhões de sonhadores estão a sonhar seus próprios sonhos, criando seus próprios mundos.


Para Brahma, consciente de sua natureza, o Universo somente existe em sua imaginação; mas, para a consciência individual, que desconhece sua natureza, o Universo parece bem real. Pois esta consciência individual, ao esquecer-se de sua origem, acaba por envolver-se com as manifestações, e se perde em sua própria ilusão.


Então, corporificada em miríades de seres, a consciência individual sofre, chora, berra e acredita no viver e no morrer. Pois os sonhos de Brahma, assim como surgem, assim se desintegram. Quando a consciência individual acredita que ela é o corpo (o nome e a forma), então, a doença, a velhice, o sofrimento e a morte são bem reais.


Mas disso tudo não se pode dizer que é real, nem irreal. Pois é apenas um sonho. Em um sonho, embora os acontecimentos sejam irreais, tudo pode parecer muito real. E quando se acorda, é que se percebe, claramente, que tudo não passava de um sonho, belo ou apavorante.


O que faz a diferença no final do sonho, é o nível de lucidez ou o grau de obscuridade no qual a consciência individual se encontra. Conhecimento e ignorância sobre o Si Mesmo (que é onipenetrante, onisciente e onipotente), é o que determina os rumos do despertar do sonho: livrar-se do eterno retorno ou seguir para o próximo devaneio.


O Universo, portanto, e tudo o que nele existe, tudo, sem exceção, é o sonho de Brahma. Ele é real e irreal, existente e não-existente. Cada consciência individual deve descobrir, por si só, a sua própria fantasia. Este é o único esforço que será recompensado: a busca perseverante pelo autoconhecimento. A autorrealização espiritual é o que desperta a consciência individual para a ilusão ao qual ela está vinculada.


Para despertar do sonho, necessário se faz permanecer no estado em que se encontra o sonhador, Brahma: em silêncio e quietude, apenas apreciando, sem nada julgar, nada a acrescentar, sem tomar partido, apenas permanecendo como testemunha do próprio sonho.


Yoga é a prática de permanecer como testemunha do próprio sonho. Quando se diz que yoga significa “união”, quer dizer que a consciência individual (atman) despertou do sonho de Brahma e, percebendo claramente a sua própria natureza, ela se une ao Brahman, a Consciência Cósmica, o Imanifesto.


A grande ilusão (maya), é acreditar que tudo aquilo que existe como manifestação é real; real significa que a manifestação tem existência própria, ou seja, que ela subsiste eternamente. Mas, como uma nuvem no céu, a manifestação é transitória e impermanente. No sonho de Brahma, tudo se dissolve. Somente o Imanifesto é eterno e infinito.


Hari Om Tat Sat.

 

Essa manifestação incidental do poder da consciência infinita aparece como os milhões de espécies de seres nesse universo. Esses inúmeros seres estão presos em seu próprio condicionamento mental. Eles são encontrados em todos os lugares do universo, e estão em todos os tipos de situações concebíveis. Alguns deles são parte da nova criação nessa era, outros são mais antigos. Alguns encarnaram apenas algumas vezes, outros tiveram inúmeras encarnações. Alguns são libertos. Outros estão mergulhados em sofrimentos terríveis. Alguns deles estão na forma de ervas e grama, outros aparecem como raízes, frutas, folhas ou flores. Alguns são os reis e seus ministros, outros são mendicantes. Alguns são cobras e outros são insetos. Alguns são animais, outros são aves. Alguns são prósperos, e outros estão em situação adversa. Alguns são dotados de inteligência iluminada, alguns são extremamente obtusos. Todos os seres estão limitados ao seu próprio condicionamento mental, ligados aos seus desejos e apegos, vagando pelo universo, migrando de um corpo para outro. Eles assim permanecerão, até que percebam a verdade a respeito de quem, de fato, eles são, isto é, a consciência infinita.

(Yoga Vasishta, IV:43)

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1 Comment


vanice.j
Mar 19

Muito bom esse texto! Dá um certo acalento às aflições.

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