Bem-aventurados os puros de coração, pois eles verão a Deus (Jesus Cristo)
A realização do yoga culmina na revelação do Ser Interior (Atma), cuja essência é consciência, existência e bem-aventurança (Satcitānanda). No contexto do yoga, a felicidade surge como um subproduto da experiência humana.
Felicidade e bem-aventurança são percepções distintas. É importante que o adepto do yoga não confunda felicidade com bem-aventurança. Pois é apenas pela bem-aventurança que se alcança a libertação da natureza material e se vislumbra o Divino.
Felicidade, de modo geral, é um estado de satisfação pessoal relacionada à condição do indivíduo no mundo. A felicidade está relacionada ao humano e ao mundano. Boa saúde, boa aparência, realização pessoal e sucesso profissional constituem elementos básicos de um indivíduo considerado feliz.
Assim, para ser feliz, é necessário cuidar do corpo, estudar para uma boa formação profissional, associar-se a boas parcerias de trabalho e dedicar-se ao encontro de relacionamentos afetivo-sociais prazerosos e edificadores. Essas condutas são inerentes à situação do indivíduo no mundo e entre os indivíduos, e que os conduzem a uma “vida feliz”.
Podemos dizer que a “tal felicidade”, ao qual todos têm o direito de “perseguir”, constitui-se em alcançar a “medida do prazer”, com o indivíduo trilhando um caminho que o afasta dos vícios e excessos mundanos. Temos, então, que felicidade ou infelicidade têm a ver com as escolhas pessoais, e uma linha tênue separa uma da outra. Alguns passos errados, e a infelicidade desaba sobre nós.
Vemos, assim, que “ser feliz” está atrelado às necessidades de prazer, às coisas humanas em geral e aos objetos do mundo. Entretanto, apenas a satisfação dos prazeres e a busca pelas coisas humanas e os objetos do mundo, não basta à felicidade. Os prazeres dos sentidos, as coisas humanas e objetos do mundo são efêmeros; e quem coloca neles a felicidade, certamente a mesma durará muito pouco.
Para “ser feliz”, logo, há de se ir além dos “prazeres do mundo”. Como afirmava Platão, em trecho do discurso do Banquete, “felizes são aqueles que possuem bondade e beleza”, ou seja, que são virtuosos em palavras e ações; aos infelizes, o filósofo dizia, “são infelizes porque possuem a maldade”. Isto significa que cabe a cada indivíduo cumprir o seu dever com decência, tratando a todos com dignidade. É a via da ação correta (karma yoga) que nos conduz à felicidade.
Portanto, felicidade não inclui apenas a satisfação das necessidades de prazer e a realização das aspirações mundanas. O indivíduo verdadeiramente feliz é aquele que conhece a “justa medida” entre a sua busca para a realização pessoal e os limites de suas palavras e ações, de modo a não prejudicar ninguém. A maldade feita a outrem, cedo ou tarde se volta a quem dela se apodera, trazendo a infelicidade.
O yoga nos ensina sobre a felicidade ao estudarmos e praticarmos os yamas e nyamas, ao cuidarmos do corpo por meio de asanas e pranaymas. A atitude ética nos conduz às realizações pessoais de modo a não prejudicarmos ninguém, enquanto um corpo saudável nos permite agir com vigor e suavidade.
O yoga, todavia, pode nos levar mais adiante que a felicidade; o yoga pode nos levar à bem-aventurança. Bem-aventurança é um contentamento independente da relação do indivíduo com o mundo. Tal estado de consciência apenas se alcança pela via do conhecimento (jñana yoga), que nos abre as portas da espiritualidade.
A bem-aventurança, logo, diz respeito a nossa natureza espiritual. O Divino é bem-aventurado por si mesmo, por aquilo que Ele é (Satcitānanda); a felicidade que o humano desfruta nada mais é do que um vislumbre da bem-aventurança divina. Se a felicidade se encontra no “mundo exterior”, a bem-aventurança já está em nós, no “mundo interior”, onde habita o Divino.
O sábio, portanto, é aquele que encontra a “alegria de viver” em si mesmo, em nada dependendo das condições impostas pelo exterior. Para ele não há conquistas ou fracassos, apenas o fluir da vida, o contentamento de estar “plenamente vivo” e desfrutar dessa “aventura terrena” com os demais seres, plantas e animais.
A bem-aventurança, assim, é o próprio fluir da vida, algo que pertence a todos os seres vivos, que lhes é dado de “graça”, e que emana da Presença divina que a tudo permeia e habita. Quando se realiza a bem-aventurança, nenhuma circunstância desfavorável é capaz de diminuí-la, tampouco alguma situação favorável pode aumentar a “alegria de viver”.
O yoga nos conduz à bem-aventurança por meio de pratyahara, dharana, dhyana e samadhi. Quando voltamos a consciência ao “mundo interior”, e nos concentramos em nossa natureza espiritual, colocando nela a atenção, eis que brilhará a luz da Presença divina, e um êxtase emergirá de nosso interior; vislumbraremos o Divino.
Uma vez que alcançamos esse estado de consciência, algo mudará a nós. Nada mais será percebido como antes. Um portal se abriu diante de nós. Essa luz jamais se apagará; a consciência “despertou” para a sua natureza espiritual. Então, saberemos distinguir entre felicidade e bem-aventurança, desfrutando da primeira sem os apegos que a ela nos aprisionam.
Venha para o yoga; mas venha agora!
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus (Jesus Cristo)
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