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Foto do escritorVanice Jeronymo

O YOGA E A IMPORTÂNCIA QUE SE DÁ ÀS COISAS

Atualizado: 24 de abr.


Ilustração do livro

The Wonderful Story of Henry Sugar and Six More (A incrível história de Henry Sugar e mais seis), escrito por Ronald Dahl e ilustrado por Quentin Blake



Não deixes que o tempo designado passe em vão. Faze o que é auspicioso, não te aflijas.

(O Ramayana de Valmiki)



Este texto é o último a ser publicado em 2023. Estamos no momento de transição entre um ano que finaliza e outro que se inicia. Tradicionalmente, tal período costuma estar envolto por uma atmosfera bastante propícia às autoavaliações. Nesse período costumam ser contabilizadas as conquistas, as falhas, estratégias, planos e metas para que no futuro se deem maiores e melhores alcances. Geralmente, refletimos e questionamos sobre posturas, atitudes, feitos que justificam resultados que oscilam entre perdas e ganhos.


Nesse contexto, me lembrei do filme A Incrível História de Henry Sugar, que assisti recentemente. Trata-se de um filme lançado em 2023, baseado em um conto escrito por Ronald Dahl e publicado na década de 1970. Na trama, a principal personagem, Henry Sugar, é um homem rico e fútil, preocupado com seus ganhos financeiros e disposto a aumentá-los compulsivamente.


O objetivo de vida de Sugar consistia apenas nisso - ganhar dinheiro - pois, somente assim, acreditava ser possível ter um futuro feliz e seguro. Um certo dia, ele encontrou um curioso caderno entre os livros de uma biblioteca. O caderno continha anotações feitas por um médico acerca de um indivíduo - Ihmad Khan - que afirmava conseguir ver sem utilizar os olhos. Isso reverberou imediatamente na mente de Sugar como uma lucrativa ideia.


Khan, era um assistente de mágico que um dia resolveu aprender Yoga para desenvolver habilidades sobrenaturais. Após consultar um guru de credibilidade, porém, de condutas relativamente duvidosas, Khan começou a aprender e a se dedicar ao Yoga. Durante um longo período de prática, ele finalmente conseguiu sua grande façanha: enxergar sem utilizar os olhos. Com isso, passou a atrair a atenção da comunidade científica e esta a investigar seus poderes. Daí a existência do caderno com as anotações acerca de seus feitos.


A leitura sobre a experiência de Khan, estimulou Sugar a estabelecer uma meta para alavancar ainda mais seus ganhos financeiros: aprender yoga, desenvolver o poder de enxergar com os olhos fechados, trapacear nos jogos de carta e multiplicar sua fortuna. E exatamente dessa maneira, em curto prazo, as somas financeiras se avolumaram. O problema é que a partir do momento que ele se tornou praticante de Yoga, muitas das coisas que ele supervalorizava perderam o sentido e a importância em sua vida, e esta começou a ser percebida de uma forma diferente por ele. O lugar que as coisas materiais e a estocagem de dinheiro ocupavam em seu ranking de prioridades, passou a oscilar significativamente.


Embora Henry Sugar seja uma personagem fictícia, ela foi inspirada na vida do ilusionista Kuda Bux (1905-1981). Nascido em Aknmur, Caxemira, no Paquistão, ele tornou-se conhecido por suas intrigantes performances ióguicas. Em uma delas, ele procurava demonstrar que conseguia enxergar perfeitamente mesmo com os olhos fechados. Assim como aconteceu no filme de Sugar, para provar a habilidade, Bux cobria os olhos com um tipo de massa e envolvia sua cabeça com tiras de pano procurando demonstrar que não havia nenhuma possibilidade de visão.


Kuda Bux durante uma apresentação na qual mostra que é possível ver sem utilizar os olhos.


Entre os anos de 1930 e 1940, as apresentações de Kuda Bux tomaram fama mundial. O poder de enxergar sem utilizar os olhos, foi por ele atribuído às décadas nas quais praticou Yoga intensamente. Entretanto, Bux, era, geralmente, apontado como um ilusionista, mágico, talvez golpista, que promovia apresentações sensacionalistas e tentativas constantes de impressionar cientistas e público com suas habilidades. Dentre as mais famosas estavam suas andanças de bicicleta pela Times Square, na congestionada Nova York, com os olhos vendados (1945).



Kuda Bux durante em preparação para uma demonstração.


Como já é sabido, a linha que separa yogins de charlatões é tênue. As histórias de Sugar e de Bux, fazem emergir essa dialética, na qual as ideias e opiniões mostram-se divididas ou contrapostas. Entretanto, sem nos aprofundarmos na história de Bux, mas nos valendo da de Sugar, ainda que a personagem do guru emane como um sujeito dúbio em relação às práticas, seus ensinamentos se encaixam em um plano maior, no qual emerge o sentido verdadeiro do enxergar sem olhos no yoga.


No filme, o guru, representado por uma figura de hábitos questionáveis e não compatíveis com o que se espera de um yogin, é procurado por Khan e a ele ensina exercícios que identificamos como técnicas de meditação. Khan, então, atinge altos níveis de concentração e começa a ter diferentes percepções, às quais procura explicar quando é questionado sobre seus supostos poderes:


"Algumas pessoas desenvolveram uma concentração tão grande que elas podem ver sem usar os olhos. Até médicos como você, que me vendaram tão habilmente, não acreditam que alguém pode enxergar sem olhos. Esquecem que há outros meios de mandar uma imagem para o cérebro." E o médico lhe pergunta: "Que outros meios?" Depois de silenciar por um instante, Khan lhe responde: "Sinceramente, eu não sei. É com outra parte do corpo que você vai enxergar".


Entetanto, assim como aconteceu com Khan, a partir do Yoga, Henry Sugar tem seus pensamentos modificados e isso reflete na importância que é dada por ele às coisas. Os ganhos financeiros já não conseguiam mais impressioná-lo e seduzi-lo como antes. Em uma passagem do filme, após conseguir uma significativa soma de dinheiro, o narrador descreve os sentimentos de Sugar:


"Se tivesse ocorrido três anos atrás, antes da Yoga, ele teria vibrado demais. Teria corrido para uma boate para comemorar. Mas Henry não estava empolgado. Estava triste. Sempre que apostava tinha certeza da vitória. Não havia nenhuma emoção, suspense ou perigo. Sabia que podia viajar o mundo ganhando milhões. Mas isso seria divertido? Outra coisa: não seria possível que o processo para adquirir poderes da Yoga tivesse mudado sua vida? Era possível."


O que a prática de meditação e de Yoga estimulam é exatamente isso: o desenvolvimento de uma nova consciência. Assim como aconteceu com Khan e Sugar, a partir dessa nova maneira de pensar e compreender a vida, emergem as outras formas de enxergá-la. Em tal processo, a percepção torna-se, então, aguçada e transforma-se nos olhos da vida. Isso é Yoga. Penso que, sob a perspectiva do Yoga, esse seja o verdadeiro sentido do ver sem precisar utilizar os olhos. Ver com os olhos não é mais necessário para saber ou entender algo. E a partir da ampliação dos sentidos e dos pensamentos, alteram-se as importâncias dadas às coisas e aos acontecimentos.


Da mesma forma, como também é mostrado no filme, as intercorrências da vida, deixam de exercer um poder avassalador sobre as pessoas quando se desenvolve a consciência sobre elas. Nesse contexto, as coisas apenas são, naturalmente, o que são.


Ainda sobre a importância das coisas, lembrei-me de outro filme que não se relaciona com o Yoga explicitamente como acontece no filme de Sugar, mas também convida a análises. Intitulado Tempo, o filme dirigido pelo cineasta indiano M. Night Shyamalan, aborda a passagem do tempo de uma maneira curiosa ao mostrar um heterogêneo grupo, que durante uma viagem experiencia um estranho fenômeno. Quando o grupo chega em uma praia deserta, acontecimentos espantosos se iniciam, decorrentes de um rápido processo de envelhecimento que afeta a todos. Anos inteiros se passam em minutos e produzem sobre as pessoas os mesmos efeitos que produziriam em uma passagem normal, porém, de forma acelerada.


Em tal contexto, no qual a vida é mostrada de forma compacta, o convite à reflexão sobre o que fazemos das nossas vidas e como lidamos com o tempo que nos é concedido está posto. No filme, tudo se mostra extremamente efêmero. As coisas e os acontecimentos, assim como a importância que damos a eles, são relativizados. A vida, acelerada, se passa debaixo dos olhos de cada um e o tempo se esvai sem que haja qualquer possibilidade de lamentar pelas ocorrências, pois antes de conseguir assimilar e compreender um acontecimento impactante, outro, imediatamente após, já assola novamente as personagens.


Toda a ambientação é envolta por uma sensação de mistério para descobrir o que e porquê tudo está acontecendo. Entretanto, ao vermos a vida das personagens se desenvolverem tão rapidamente, independentemente da trama em si, acredito que o filme instigue à uma reflexão profunda que versa sobre as coisas que negligenciamos, as que valorizamos e o tempo que perdemos com tudo isso.


Enfim, em tempos de planejamento para o futuro, pensemos no hoje, nos verdadeiros propósitos da vida, nos cuidados necessários para o bom funcionamento do corpo, da mente e do espírito. Sejamos felizes e conscientes sobre nossas missões e nosso tempo. É o que desejo para hoje, para o próximo ano e para sempre!


Experimente: pratique Yoga, medite, desperte e avance!


Om Shanti.



Referências


Anderson, Wes. A Incrível História de Hery Sugar. Filme baseado no conto de Ronald Dahl publicado em 1970. 2023.


Shyamalan, M. Night. Tempo. Filme inspirado nos quadrinhos de Oscar Levy e Frederik Peeters. 2021.





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1 Comment


Muito bom esse texto! Gostei! 😉

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