Para mim, o momento da morte será um momento de júbilo, não de medo.
Chorei quando nasci e morrerei rindo (Nisargadatta Maharaj)
Nascer representa o desejo pela manifestação de um corpo, a vontade de expressar-se em suas mais variadas e múltiplas formas e nomes. Nascer é tornar-se, é vir-a-ser, é existir no domínio da Natureza. Nascemos em um corpo e, assim, existimos como materialidade.
A partir do momento em que nascemos, emergimos em um mundo de conflitos, muitos dos quais insuperáveis. Não há existência sem luta pela sobrevivência. Existir é, ao mesmo tempo, experimentar a dor e o prazer na mesma medida. A existência é repleta de contradições e armadilhas fatais.
Apesar de todos os conflitos e contradições, amamos a existência. Desejamos experimentar tudo o que “a vida nos oferece”. Em uma existência corporal, como indivíduos particulares, acreditamos que somos capazes de conquistar o mundo, de fazer e acontecer. Mas a sensação de "pequenos notáveis invencíveis" não provém do corpo, e quando equivocadamente associada a este, torna-se na grande ilusão da vida.
O nascimento em um corpo, todavia, nos lança em um combate inexorável entre o desejo pela continuidade da existência e o temor da destruição do corpo pela morte. Isso sem falar das disputas horrendas que temos que travar contra outros corpos, num extermínio mútuo para ocupação de espaço e exploração de recursos para tentar sobreviver em meio ao caos.
Emergir na materialidade nos leva à experiência da separação: como individualidade corporal, a consciência se obscurece e não enxergamos a verdade de nossa realidade, ou seja, de que somos integrantes de um Todo. E disso decorre os conflitos, as contradições, as exclusões e os horrores de tantos extermínios.
É certo que tudo o que nasce, um dia terá que morrer. A matéria é mutável e perecível. Por isso, o corpo, aquilo que nasce, segue as inalteráveis etapas do contínuo fluxo da Natureza: fecundação, nascimento, crescimento e desenvolvimento, envelhecimento, adoecimento e morte.
Nascemos chorando, talvez, por já sabermos de antemão de que nossa trajetória existencial no mundo da materialidade não será fácil. Seremos um corpo em meio a milhões de corpos; mais uma existência individual perdida nas multidões de formas e nomes. O choro do neófito talvez seja o prenúncio do fim decretado já antes da concepção.
Durante a nossa existência no mundo fenomênico, o desafio que nos cabe é o reencontro com a nossa essência: a alma. Conhecer a alma é distinguir a matéria do espírito, isto é, separar aquilo que morre (corpo) daquilo que nunca nasceu (alma). Se o corpo é finito e morre, a alma é infinita e eterna.
Desfrutar da vida pelo corpo, enquanto este cumpre no tempo a sina a ele prescrita, sem, no entanto, se apegar à existência corpórea e tudo o que ela representa, é a sabedoria que nos será revelada pelo yoga. É o esforço para compreender a si mesmo que podemos chamar de yoga.
No fim da jornada terrena, corpo e alma serão separados definitivamente. A via natural que provoca essa separação é a morte. Morrer é o fim da existência do corpo e não há nada que se possa fazer para evitar. A ciência, a tecnologia, a medicina e algumas técnicas do yoga podem prolongar a existência do corpo, mas não evitar o seu perecimento.
A morte, para quem está apegado ao corpo e à existência material, é o pior dos medos que temos que enfrentar. Pois trata-se do aniquilamento não apenas do corpo, mas da nossa personalidade; significa que tudo o que aprendemos a gostar, não existirá mais, pois o tempo a tudo devora sem piedade. Nascemos chorando porque enxergamos o fim logo no início.
Porém, para aqueles que se esforçarem para compreender a si mesmos, a morte será apenas o ato derradeiro de um sonho que se finda. A morte é dolorosa somente para quem não buscou conhecimento e sabedoria ao longo da breve existência terrena. Ela é a conclusão inevitável de um processo natural ao qual nenhum indivíduo escapará.
O yoga, todavia, nos traz esse conhecimento e sabedoria para aprendermos a distinguir e separar o que pertence ao corpo (uma manifestação transitória e impermanente) daquilo que é próprio da alma (a expressão imutável da eternidade). Se a morte nos impele inevitavelmente à separação do corpo e da alma, o yoga é o movimento voluntário que antecede a última experiência terrena, porém, preservando o corpo, para que ele seja utilizado em toda a sua capacidade.
Não importa qual tenha sido o sonho particular de cada corpo: a morte nos restituirá à nossa essência. Por isso, quando alcançarmos a sabedoria do yoga, receberemos a morte com um sorriso de boas-vindas, pois teremos a certeza de que o tempo para retornar para o nosso verdadeiro lar, finalmente, chegou.
Hari Om Tat Sat.
É o instinto de exploração, o amor pelo desconhecido que me traz à existência. É da natureza do ser procurar aventura no vir-a-ser, como é da natureza do vir-a-ser buscar a paz no ser.
(Nisargadatta Maharaj)
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