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Foto do escritorMarcelo Augusti

O YOGA E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA




O Ācārya é aquele que é bem-versado nos Vedas, que é um verdadeiro devoto de Viṣhṇu, que é desprovido de malevolência, que conhece o Yoga, que assume a sua posição no Yoga, que sempre tem o seu ser no Yoga e é limpo; que é cheio de devoção por seu preceptor, que conhece especialmente o Puruṣha; aquele que possui essas qualidades é conhecido como Guru.

(Advaya-Tāraka Upanishad, 14, 15)




O tema de hoje é a relação do professor com o estudante. Um tema muito abordado no Yoga. A tradição guru-shishya segue uma linhagem, que é uma sucessão ininterrupta de mestres e discípulos, o parampara. Quando se estabelece um parampara, ou seja, uma linha de transmissão do conhecimento védico (brahmavidya) de geração a geração, temos um sampradaya, isto é, uma escola de pensamento.


A relação entre mestre e discípulo deve ser de total submissão, pois é o guru que conduz o estudante a elevar-se ao mais alto nível de espiritualidade, qual seja, a liberdade (moksha) dos ciclos de nascimento-morte (samsara). Entretanto, em algumas tradições, a autoridade do guru pode alcançar extremos perigosos, ultrapassando muitas vezes a fronteira da razão e do bom-senso.


Não vamos entrar nessas questões de abuso de poder e de entrega incondicional. O que é importante saber é que o professor é reconhecido como a base da realização espiritual do estudante, pois é o mestre que leva o discípulo em direção à experiência da introspecção. O guru é uma fonte de inspiração, no qual o aluno pode saciar a sua sede de conhecimento.


Se a liberdade é o que se busca no yoga, façamos uma aproximação entre a tradição guru-shishya e a pedagogia da autonomia. Pedagogia é um conjunto de princípios, técnicas, métodos e estratégias que auxiliam o professor na transmissão do conhecimento (o modo de ensinar) em um contexto educativo. Autonomia é a capacidade de exercer a nossa independência, de não sermos subjugados ou coagidos, porém, fazer nossas próprias escolhas. A autonomia, embora remeta a liberdade, jamais é um direito absoluto, pois está associada, diretamente, à responsabilidade.


Temos, então, que a pedagogia da autonomia é um modo de transmitir o conhecimento sem que este seja imposto pelo mestre ao discípulo. Ou seja, o professor deve ter a habilidade de estimular o estudante a refletir sobre os temas que entre eles são abordados. Cabe ao estudante, portanto, alcançar o conhecimento por si mesmo. No yoga, podemos dizer que o conhecimento se “revela” ao aluno, quando este se encontra preparado.


No contexto da pedagogia da autonomia, alguns saberes são fundamentais à prática educativa. Vejamos dez desses saberes:


Ensinar exige pesquisa: o mestre, por mais experiência que tenha, deve sempre se colocar como um estudante, buscando novos conhecimentos ou desvendando aqueles que ainda não compreendeu; sua mente deve ser uma “mente de principiante”, sempre disposto a aprender;


Ensinar exige rigorosidade metódica: método é o caminho, o modo como o conhecimento deve ser transmitido; ensinar não é transferir conhecimento, mas levar o aluno a aprender, por si mesmo; cabe ao mestre, estabelecer o melhor caminho para cada aluno;


Ensinar exige respeito aos conhecimentos do estudante: todas as pessoas trazem em si, as suas próprias experiências de vida; o bom professor é aquele que consegue mostrar aos alunos que o conhecimento que trazem é importante, e que tal conhecimento pode ser ainda mais lapidado, ampliado e aprofundado;


Ensinar exige reflexão sobre a prática: diariamente, o mestre deve reservar um momento para refletir sobre os temas tratados e o modo como estão sendo levados aos estudantes, ou seja, se o que ele transmite e como o faz, está estimulando os alunos a desenvolverem um processo de aprendizagem onde a autonomia de cada um é a base da aquisição do conhecimento;


Ensinar exige estética e ética: despertar o sentimento, a sensibilidade do estudante para a compreensão de que aprender e conhecer se constituem em uma das coisas mais belas da existência, pois isso significa “cuidar de si”; o mestre, agindo conforme o seu próprio exemplo, busca elevar a consciência dos alunos para além do senso comum, quebrando preconceitos, de modo a desenvolver o respeito e a solidariedade com todos os seres;


Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo: de nada adiantam discursos, se as palavras que saem da boca, não refletem aquilo que somos; o professor deve falar o que pensa, pensar o que fala e, principalmente, alinhar pensamento, fala e ação; sem a ação correta, isto é, o exemplo próprio, qualquer ensinamento perde muito de sua capacidade educativa;


Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível: se não acreditamos que aquilo que transmitimos não provocará qualquer mudança na vida das pessoas, estamos perdendo nosso valioso tempo e, ainda mais, desperdiçando o precioso tempo de outras pessoas; ensinar é acreditar que é pelo conhecimento que se alcança a verdadeira liberdade;


Ensinar exige saber escutar: somente sabendo escutar é que podemos aprender sobre o outro, suas necessidades, sonhos e frustrações e, assim, transmitir aquilo que, de fato, interessa como meio eficaz à transformação pessoal;


Ensinar exige disponibilidade para o diálogo: saber conversar é a base de qualquer entendimento humano; em um diálogo educativo, se estabelece uma “troca de razões”, uma troca de saberes; dialogar significa estar aberto ao debate, a escutar o outro e ser escutado, para que ambos avancem no conhecimento; dialogar é deixar as trincheiras do preconceito, para ir ao encontro da tolerância e da benevolência;


Ensinar exige querer bem aos estudantes: o professor que não demonstra, de modo sincero, que se importa com seus alunos, que é indiferente aos seus avanços, que não age com cordialidade e generosidade, dificilmente conseguirá manter a atenção e o interesse dos mesmos; agir com firmeza, sim, mas sem perder a ternura!

O yoga, como prática educativa, deve seguir princípios pedagógicos que correspondam a um modo de ensinar que incentive o aluno à reflexão, e estimule sua sensibilidade para que desperte em si mesmo, o conhecimento que almejam alcançar.


Hari Om Tat Sat.


Jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos pelo racionalismo; tampouco jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse o rigor em que se gera a necessária disciplina intelectual (Paulo Freire)

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