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Foto do escritorMarcelo Augusti

O YOGA, O TEMPO E O ESPAÇO




Mantém-te atento entre duas respirações.

(Vijñãnabhairava)


Na cosmovisão que permeia a tradição do yoga, todos os seres vivos, tudo o que existe no Universo, tudo o que se manifesta no mundo fenomênico, enfim, toda a criação, é constituída de dois princípios primordiais: prakriti e purusha.


Prakriti é a força motriz primordial que impulsiona a criação; ela é o que entendemos como matéria, isto é, a substância básica que compõe os corpos físicos, líquidos e gasosos; é aquilo que dá forma a tudo o que existe. Prakriti é a condição elementar ou o estado original de toda a existência. Purusha é o princípio universal que denominamos como espírito, o imaterial, a essência vivificante, aquilo que está presente em toda matéria e lhe dá vida. Vida, aqui, entendido como a energia inerente à matéria, pela qual ela, somente assim, se manifesta.


A característica principal de prakriti é a transformação, a mutabilidade, a impermanência; ela surge, se altera, sempre toma novas feições, cresce, se desenvolve. Quando aquilo que é criado alcança o seu ápice, ele decresce, se retrai, diminui, envelhece e, por fim, se desintegra, se dissolve, evapora, fenece. Prakriti, é a realidade material, é tudo o que já se modificou, tudo o que é passível de mudanças e está sujeito à causa e efeito – é a diversidade.


Purusha é o permanente, o imutável, aquilo que não se transforma; ele emerge na matéria, porém, não se afeta, não se impacta pelas suas transformações. Purusha não tem início, meio ou fim, não se desgasta, não se expande nem se retrai; ele não envelhece, não se desintegra, não fenece. Purusha está presente em tudo, é aquilo que conecta todas as coisas e todos os seres – é a unidade na diversidade.


Prakriti é tudo o que é perceptível aos sentidos corporais; apreende-se prakriti pela visão, olfato, audição, tato e paladar. Ela é o “mundo exterior”, passível de ser observada, fragmentada, analisada e, portanto, objeto de experiência pela mente, que a denomina, conceitua, classifica e categoriza, conforme as propriedades das formas em que ela se apresenta.


Purusha não é sensível aos sentidos corporais; ele está além da visão, do olfato, da audição, do tato e do paladar. Purusha é o “mundo interior”, que não pode ser observado, fragmentado e analisado pela mente, pois ele não é objeto de experiência da mente. Purusha está além da mente, que não pode apreendê-lo; porém, como um espelho plano e límpido, somente em tal estado de pura nitidez, a mente pode refletir purusha.


Prakriti é a finitude, aquilo que limita-se a si mesmo, por mais que sejam suas múltiplas e variadas formas, que se transformam, em suas miríades de manifestações; mas se as formas têm prazo de validade, prakriti é indestrutível, pois se recombina constantemente para novas criações. Prakriti é como o ouro puro: pode ser uma barra, um colar, um anel, qualquer objeto, pode até derretê-lo, ou seja, não importa sua quantidade, forma ou estado, continua sendo ouro – é indestrutível.


Purusha é o imanifesto, aquilo que é imanente, porém, transcendente; ele é a infinitude, o ilimitado, não tem forma, mas está presente em todas as formas; ele se multiplica, sendo, porém, indivisível. Purusha é como a lua cheia que, sendo única, se reflete em mil poças de água. Quando a forma se esvai, purusha permanece, inabalável, pois ele é causa, não efeito.


Prakriti é o que percebemos como “tempo”, ou seja, tudo aquilo que tem duração relativa e que nos dá a sensação de que os eventos se sucedem continuamente, que tudo se modifica, e que as coisas flutuam entre o que já se foi (o passado) e o que ainda poderá ser (o futuro). Purusha é “espaço” (não o físico ou o sideral), mas aquilo que não percebemos, a extensão sem limites, eterna, que contém em si todas as extensões finitas, aquilo de onde tudo surge, e para onde tudo, por fim, retorna.


A ciência da meditação do yoga, consiste em superarmos o tempo e penetrarmos no espaço. Esta sabedoria ancestral e eterna nos ensina que somente quando controlamos o “mundo exterior”, isto é, quando recolhemos os sentidos corporais (pratyahara), então, poderemos adentrar no domínio do “mundo interior” (dhyana).


O que nos conecta ao “mundo interior” é a respiração. Quando aprendemos a controlar a respiração (pranayamas), controlamos o que nos conecta ao “mundo exterior”, ou seja, a mente. A respiração tranquila se reflete na mente que, então, se reconstitui ao seu estado natural, isto é, serena e apta a harmonizar-se com o “mundo interior”. É nesse estado de serenidade e harmonia que a mente se torna um “espelho plano e límpido” onde a realidade espiritual, então, transparece.


Meditar, portanto, é penetrar e se estabelecer no espaço entre os infindáveis pensamentos que brotam na mente. Quando a mente está agitada, não conseguimos perceber esse espaço, mas apenas o tempo, ou seja, os conteúdos mentais que vagam entre as lembranças do passado e as marcas por ele deixadas, e as preocupações com o futuro e suas angústias.


Como foi dito, somos constituídos por dois princípios primordiais: prakriti, a nossa natureza material, e purusha, a nossa natureza espiritual. A natureza material tem seus modos específicos de operação que direcionam o nosso comportamento, conforme as tendências que em nós se estabelecem ou conforme a prevalência de uma delas. Essas forças operantes são sattva, rajas e tamas.


Sattva é a força da bondade, aquilo que nos possibilita o discernimento e a compaixão; rajas é a força da paixão, aquilo que nos estimula a ação impulsiva; e tamas é a força da ignorância, aquilo que nos mantém na inércia ou na estupidez. São essas forças que direcionam o nosso “jeito de ser”, a nossa personalidade.


Para penetrar o espaço onde o espírito transparece, ou seja, o “mundo interior", somente quando sattva prevalece isso é possível. Em rajas, nossa mente se encontra agitada em meio as atividades do “mundo exterior” e não alcançamos o estado de serenidade e harmonia; em tamas, a mente se encontra insensível a qualquer compreensão.


Portanto, para que purusha, a realidade espiritual, única e a mesma em todos os seres, possa resplandecer em nós com o poder de sua luminosidade divina, necessário se faz observarmos uma atitude ética e moral (yamas e nyamas) que faça emergir em nós a força da bondade e da compaixão (sattva).


Prakriti e purusha não são opostos, são complementos. Para que purusha se expresse, prakriti se manifesta. Entretanto, para que o espaço (a realidade espiritual / purusha) seja acessado, o tempo (a realidade material / prakriti) deve ser contido.

Mas é apenas quando prakriti está ativa no modo sattva (bondade e compaixão) é que purusha se reflete na mente e, então, emerge em nós a consciência de que somos algo mais do que acreditávamos que éramos. Esse algo mais se encontra exatamente no espaço entre o tempo de duas respirações...




Primeiramente, você precisa desobstruir o espaço obscurecido em que você experimenta a si mesmo, o espaço que está obscurecido pela frustração, pelos pensamentos, pela sua história de vida. Ao dirigir sua atenção para a mente em movimento, a instrução é para reconhecer a espaçosidade e se conectar a ela. Desta maneira, é possível encontrar um lugar de profundo silêncio e quietude. Quando você descobre a conexão com o espaço autêntico mais profundo internamente, você encontrará aquilo que você é. A partir da luz da consciência, a escuridão da ignorância se dispersa, e uma sensação de grande bem-aventurança se manifesta. Isto é o que você é verdadeiramente (Tenzin Wangyal Rinpoche)



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