Quando os seres humanos iniciaram seu movimento em direção ao Ser Supremo, em busca da Bem-aventurança Suprema, eles primeiramente entraram em contato com a espiritualidade. Quando a espiritualidade entra em contato com o Infinito, quando o finito entra em contato com o Infinito, isto é chamado Yoga (Shrii Ánandamúrti)
No post anterior, tratamos do processo de ascensão da consciência individual em sua jornada terrena rumo à Consciência Universal. Falamos que esse processo é yoga, ou seja, quando a consciência individual desperta para a sua natureza espiritual e, então, une-se à Consciência Universal, revelando-se toda a sua essência divina de bem-aventuranças. Yoga, logo, é o processo de evolução da consciência individual e limitada, e que culmina, nessa aventura terrestre, no reconhecimento de sua condição unificada com a Consciência Suprema, ilimitada.
A evolução da consciência, conforme tratado, constitui-se num movimento ascendente em espiral, que tem nos chakras, isto é, os centros de energia vital e núcleos do despertar da consciência e seus canais de comunicação (nadis), a sua via de acesso . Assim, partindo desde a sua base terrena limitada, a consciência individual, num processo contínuo e irreversível (embora sempre sujeito a deslizes), vai avançando passo a passo, e eleva-se até o ilimitado, qual seja, a comunhão com a Consciência Universal.
No ápice desse processo ocorre a "iluminação", isto é, quando a consciência, então obscurecida pela sua imersão no mundo fenomênico, vai tornando-se cada vez mais esclarecida de sua natureza espiritual, transformando-se, por fim, na própria luz fulgurante que ilumina os passos da alma em sua jornada terrena. O indivíduo iluminado, portanto, é aquele que alcançou o pleno discernimento entre o real (aquilo que é infinito e ilimitado) e o ilusório (aquilo que é impermanente e transitório).
No nosso entendimento, os chakras funcionam como núcleos do despertar da consciência. A condição básica de qualquer ser vivo é a de buscar sustento no plano terreno. Muladhara, o primeiro chakra, representa a nossa condição elementar que diz respeito à sobrevivência terrena. Como seres humanos, compartilhamos com outras espécies de seres vivos as mesmas necessidades de sobrevivência, e estamos atrelados à dimensão ao qual existimos; a consciência, portanto, se volta para o "mundo exterior", em busca da salvaguarda de nossas necessidades básicas para a manutenção da vida (respirar, alimentar, estar em segurança, acasalar, descansar).
Esta é a primeira etapa a ser superada pela consciência, que avançará para o próximo estágio somente quando sua sobrevivência estiver garantida pelos recursos externos, e a energia vital (prana) proverá a força necessária para a sua ascensão. O poder divino que habita em nós (kundalini), se encontra ainda em estado latente, repousando em Muladhara, aguardando para ser despertado apenas quando a consciência ascender a Ajna, que é o último chakra conectado pelas nadis.
Continuando sua ascensão, a consciência se depara com o próximo nível, Svadhisthana. Este chakra representa uma passagem muito importante na evolução da consciência. Ele é o início da trilha que deixa para trás os resquícios de nossa natureza animal (comum a todos os seres vivos), e toma rumo em direção ao encontro de nossa natureza espiritual. Neste estágio evolutivo, a consciência ainda se encontra voltada para o "mundo exterior", em busca, agora, dos prazeres da vida, de tudo aquilo que é agradável aos sentidos.
Reconhecendo-se como indivíduo distinto dos demais, que busca a satisfação própria e luta contra as suas aversões, a consciência se depara com o desafio de manter-se em um estado de imparcialidade e tranquilidade, pois nem sempre o indivíduo terá tudo o que deseja. O medo e a insegurança pelas possíveis e prováveis perdas materiais e a não satisfação dos prazeres sensuais, geram muitos conflitos na alma durante a travessia desse complexo estágio evolutivo. É como estar em meio a um oceano, cujas águas ora estão calmas e convidativas ao passeio, ora se agitam e se levantam com fúria titânica para nos destroçar.
Quando alcança a estabilidade no Svadhisthana, ou seja, quando emerge a percepção correta do jogo entre prazer (sukha) e sofrimento (dukkha), a consciência, então, é levada adiante, ao próximo nível de evolução. Manipura é a próxima etapa, e diz respeito ao florescer de uma "nova" consciência. Essa "nova" consciência, firme na manutenção de um estado de imparcialidade e tranquilidade alcançado no estágio anterior, recebe, então, um aporte significativo da energia vital (prana), ao qual faz emergir uma intensa criatividade, que a eleva na escala evolutiva por meio de uma expressão peculiar e incomparável no "mundo exterior".
Os desafios de Manipura se encontram nos conflitos emocionais e sentimentais que assolam a alma. As emoções e sentimentos, aflorando em profusão, em sutis contradições, ora restringem o acesso ao poder criativo, ora instigam às manifestações de grande entusiasmo inventivo e inovador. A consciência individual avança para o nível seguinte quando, em meio ao solo fecundo da imaginação, ela encontra o equilíbrio emocional e, assim, domina os sentimentos.
Ao ter controle sobre as emoções e ter aprendido a lidar com os sentimentos, finalmente a consciência alcança Anahata, o centro por onde flui a benevolência celestial. Na escalada da consciência individual em direção ao Ser Supremo, esse chakra representa o primeiro encontro do Humano com o Divino, da Terra com o Céu, da Matéria com o Espírito; é um vislumbre do Infinito e da eterna Bem-aventurança ao qual a alma traz em sua essência. A partir desse estágio evolutivo, a consciência individual, em sua escalada, terá o auxílio do Espírito Primordial (Purusha) que, então, lhe conduzirá até o portal da Transcendência.
Anahata é o chakra intermediário entre o "mundo exterior" e o "mundo interior". A consciência, alcançando Anahata, volta-se ao "mundo interior", pois a ela se revela o ilustre habitante que se ocultava na alma, ou seja, Purusha. Quando Purusha reflete-se na consciência individual, então, tudo o que era obscuro, desconexo, intrincado e perturbador, torna-se esclarecido, desvendado, explicitado e pacífico. O indivíduo encontrou em si, em seu "mundo interior", a qualidade do afeto, do apreço, da estima incondicional em relação a todos os seres. Aflora na alma a compaixão, a amizade sincera, a boa vontade, o contentamento e a empatia.
O desafio desse etapa é a manutenção da comunhão da alma com o Espírito; enquanto a consciência refletir Purusha, um pedacinho do Céu é trazido à Terra, e o Humano vai revelando o Divino. No estágio evolutivo seguinte, já em comunhão com o Espírito, a realização da alma se faz pela desobstrução na comunicação com o Divino. É em Vishuddha, portanto, que a consciência individual estabelece a via de comunicação com a Consciência Universal; é neste chakra que a alma se torna apta a ouvir a "Voz do Silêncio".
Isto significa que a consciência foi imbuída da inspiração divina, o que possibilita a comunicação direta da alma com a sua essência espiritual, Atman, o princípio universal sem forma, indivisível, o reflexo perfeito de Brahman, a expressão maior do Ser Supremo. Essa comunicação somente pode ser alcançada por meio de dedicação persistente, entusiasmo e paciência para enfrentar o longo processo evolutivo, cuja meta é a purificação da consciência individual. Em Vishuddha, a energia vital (prana) alcança o seu fluxo máximo de operacionalidade.
O estágio anterior, Anahata, serviu, justamente, ao propósito de purificar a consciência individual das contaminações do apego e da aversão, os pilares do egoísmo, livrando-a do seu estado de ignorância primordial (isto é, não ser capaz de reconhecer a sua essência divina, o que a leva a perder-se nas tramas da existência terrena por muitas vidas). Quando realizada em Vishuddha, a consciência, então, avança mais um passo em direção à Consciência Universal, cujo chakra, Ajna, representa a confiança no Caminho, o poder da concentração e a sabedoria. Ajna revela a Luz que nos permite a perfeita visão de quem somos e qual o propósito da vida.
Em Ajna o poder divino (kundalini), é despertado, revelando à consciência individual o nível mais elevado que ela alcançou em sua perseverança na Senda Espiritual. Nesse estágio evolutivo, a consciência individual encontra-se no limiar da realização espiritual, ou seja, unificando-se em plena harmonia com a Consciência Universal. A alma compreende perfeitamente a sua relação com o Divino, tem pleno conhecimento de sua essência espiritual e todas as suas ações e pensamentos se pautam em bondade, simplicidade e humildade. A consciência está iluminada, mas a unificação ainda não se realizou; ainda falta uma circunstância muito específica para a conquista definitiva daquilo que o yoga propõe, qual seja, a liberdade e a imortalidade.
O sétimo nível da ascensão, Sahasrára, se encontra acima das etapas do processo evolutivo descrito até o momento. Ajna representa o portal da Transcendência, que deve ser transposto para a libertação definitiva (moksha) dos ciclos de nascimento-morte (samsara), aos quais a alma sucumbe por eras quase sem fim. Em Ajna a consciência "vê" claramente a Realidade Suprema, mas não a alcança pelos métodos, até então, utilizados em sua evolução (os métodos e técnicas do Yoga). Este chakra paira sobre o topo da cabeça, logo, não está conectado às nadis, por isso, seu alcance se dá de um modo muito especial. Sahasrára é a Transcendência, e somente pode ser alcançado por um ato do Transcendente.
Assim, para a consciência individual transcender sua condição terrena e unificar-se à Consciência Universal, necessário se faz que algo extraordinário aconteça; este algo extraordinário é a graça divina que desce do Céu sobre o indivíduo na Terra e lhe infunde a mais elevada bem-aventurança, qual seja, o Amor. Esta é a Realização Suprema, que pode ser confirmada, igualmente, pela fé cristã: "Deus é Amor; aquele que permanece no Amor, permanece em Deus, e Deus nele" (I João, 4:16).
Sahasrára, portanto, se alcança somente por um "salto de qualidade", após a consciência individual realizar todas as etapas anteriores, utilizando-se de todos os recursos colocados à sua disposição. Mas a etapa final, a unificação, ao qual particularmente denominamos de "Caminho de Deus", depende exclusivamente da vontade do Ser Supremo em derramar a sua graça divina sobre nós.
Hari Om Tat Sat.
Do ponto de vista dos deuses, este mundo é menos do que um brinquedo de criança; é uma semente na terra, uma mera potencialidade. Todo o nosso mundo de consciência é apenas uma semente do futuro. E quando conseguimos o despertar da Kundalini, de modo que ela começa a sair de sua mera potencialidade, iniciamos necessariamente um mundo que é um mundo de eternidade, totalmente diferente do nosso mundo (Carl Gustav Jung)
Comments