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Foto do escritorMarcelo Augusti

OS QUATRO PRECEITOS NOBRES DO YOGA VASISHTA

Atualizado: 24 de jan.



Rama, existem quatro guardiões na entrada do Reino da Liberdade (Moksa). São eles: a serenidade, a auto investigação, o contentamento e a boa companhia. O buscador da verdade deve cultivar diligentemente pelo menos um deles (Yoga Vasishta, II:11)

 

 

Na tradição do yoga, Vasishta foi um dos sete sábios (Saptarishis) mais reverenciados de todos os tempos. Afirma-se que, após transmitir seus preciosos ensinamentos sobre o yoga para muitas pessoas, ele deixou a Terra para integrar o Grande Veículo, uma sequência de sete estrelas, que nada mais são que uma parte da configuração da constelação da Ursa Maior, que representa os grandes sete sábios hindus da antiguidade.


Vasishta é considerado o primeiro grande mestre do Vedanta. Tamanha foi a influência dos ensinamentos de Vasishta na sociedade hindu que ele foi o professor (guru) do príncipe Rama. Rama é um dos avatares de Vishnu – o sustentador do universo – e sua saga na Terra é contada nas narrativas do poema Ramayana, uma das obras literárias mais influentes na cultura védica.


Rama é o exemplo ideal de quem professa o dharma, e simboliza o ser humano perfeito, como filho, esposo, pai, amigo e governante. O Ramayana trata de suas virtudes, atitudes impecáveis e conquistas grandiosas em sua jornada com a princesa Sita, sua amizade com Hanuman e sua luta contra Ravana, o mais terrível demônio que já existiu.


Os quatro preceitos nobres do yoga foram ensinados a Rama pelo sábio Vasishta. Conta-se que, antes da batalha final contra Ravana, o príncipe Rama pôs-se a refletir sobre a existência humana e tudo o que ela implica de bom ou ruim. Após longas considerações, Rama é exaltado por todos pela exposição de tão vasto e profundo conhecimento. Rama, em sua humildade e simplicidade pede, então, conselhos ao sábio Vasishta, para que confirme a validade de suas reflexões.


Vasishta, após tecer os devidos comentários ao conhecimento da verdade e da realidade alcançados por Rama em suas reflexões, diz-lhe que há quatro preceitos na tradição do yoga e do Vedanta, que são considerados os mais elevados e que, se observados e praticados com seriedade – ao menos um deles –  conduzem diretamente à liberação (moksa) do ciclo do “eterno retorno” (samsara).


É na obra Yoga Vasishta, também denominada de Maharamayana, atribuída a Maharshi Valmiki, datada entre os séculos I e III a.C. que, em seu capítulo II, intitulado “Tratado sobre a remoção das dúvidas da liberação” (Mumukshu Vyavahara Prakarana), o sábio mestre Vasishta explica a Rama os quatro preceitos nobres que qualificam o indivíduo para a senda espiritual. São eles:

 


Serenidade (Shanti).


A serenidade ou “paz interior” é fundamental para todos aqueles que se lançam na “correnteza da vida”, rumo à liberação da alma do mundo fenomênico. A serenidade provém do autocontrole ou “controle dos sentidos”.


Os sentidos corporais são as “portas” que se abrem para as sensações advindas do “mundo exterior”, nos propiciando as experiências da vida material. Tais sensações nos provocam sentimentos de deleite ou aversão, conforme a nossa mente tenha sido condicionada para esta ou aquela sensação.


Serenidade significa que, independentemente do que percebemos ou sentimos, devemos nos manter imperturbáveis, sem tender para o deleite ou aversão. O deleite gera o apego, e isso nos leva a desejar repetir a experiência prazerosa.


O desejo de “quero mais”, quando não realizado, traz ansiedade, que perturba e desvia a consciência do caminho da espiritualidade, enredando cada vez mais o indivíduo nas tramas do mundo fenomênico, levando-o a vivenciar constantemente o doloroso ciclo de prazer e sofrimento. A aversão, por seu lado, gera sentimentos de repugnância, antipatia e repulsa, conduzindo-nos, quando não sabemos lidar com tais sentimentos, ao rancor, frustrações e, por fim, ao ódio.


Manter a serenidade em meio ao turbilhão da vida, é estar atento àquilo que, de fato, nos conduz em segurança à liberação das ilusões do mundo fenomênico.

 

Tudo o que é bom e auspicioso flui da serenidade. Todo mal é dissipado pela serenidade. Nenhum ganho, nenhum prazer neste mundo ou no céu é comparável ao deleite da serenidade. A serenidade, Rama, é o melhor remédio para todos os males físicos e mentais. Quando há serenidade, até mesmo a comida que você come tem um sabor melhor, caso contrário ela tem um sabor amargo. Quem veste a armadura da serenidade não é prejudicado pela tristeza.Aquele que, embora vivendo entre todos não é afetado por eles,e não se sente exultante nem odeia ninguém, esse é o que permanece em perfeita serenidade (Yoga Vasishta, II:13)

 


Auto investigação (Atma-Vichara).


Quem sou eu? O que é esse Universo? – estas são perguntas fundamentais que uma pessoa deve fazer a ela mesma durante o seu breve período de manifestação terrena. Estas questões, quando conhecidas em seu cerne, nos liberam de todo sofrimento.


A auto investigação é a habilidade de observar-se – os pensamentos, as emoções, os sentimentos e as próprias percepções, suas causas e efeitos, suas idas e vindas tão passageiras e imprevisíveis quanto os ventos que agitam as águas do oceano, geram vibrações e produzem ondas que se encrespam, se quebram com violência na rebentação e depois se dissipam suavemente nas areias da praia.


Palavras e atos são originados pelos pensamentos; pensamentos são conteúdos da mente, e nada mais do que isso. Quando a consciência está fixada nos pensamentos, sentimentos, emoções e percepções geradas pelos sentidos – elementos que surgem e desaparecem, que são transitórios e impermanentes –  como se isso fosse “eu” e “meu”, então, confundimos o que, em essência, somos – o ser imutável, eterno, infinito e bem-aventurado – com aquilo que é passageiro, que se dissipa por si só, mas que nos provoca aflição e ansiedade se neles estivermos fixados.


Voltar a consciência para o “mundo interior” e observá-lo atentamente, é o meio que nos conduzirá ao conhecimento real e verdadeiro de quem somos, libertando-nos de todas as mazelas e aprisionamentos gerados pelo ego e suas tendências enganosas.

 

Você deve, pelo estudo diligente das escrituras (shástras) ou com a ajuda dos sábios (sadhus), ser incessantemente engajado na busca desta gentil investigação: Quem sou eu? O que é esse Universo? O conhecimento da verdade surge de tal investigação; de tal conhecimento segue-se a serenidade e o fim da ilusão do sofrimento. Através de tal investigação, a inteligência torna-se aguçada e é capaz de realizar o Supremo; portanto, a investigação por si só é o melhor remédio para a doença duradoura conhecida como samsara (Yoga Vasishta, II:14)

 


Contentamento (Santosha).


O que nos sobrevém, em nosso cotidiano e ao longo da vida, deve ser recebido com sabedoria. Esta sabedoria nos ensina que tudo na vida é efêmero: dor, sofrimento, pobreza, riqueza, prazer, alegria.


Longe de sermos indiferentes aos acontecimentos, insensíveis e frios em relação ao sofrimento alheio, comportando-nos com desdém, descaso e falta de consideração para com tudo e todos, e até em relação a nós mesmos, os embates da vida devem ser encarados com desprendimento.


Isto significa que não devemos nos atar aos acontecimentos da vida, nos envolvermos psicologicamente com as coisas, sem explosões de júbilo quando a vida nos sorri e favorece, e sem tristeza e depressão quando essa mesma vida mostra-nos sua face cruel e implacável.


O princípio do contentamento nos ensina que devemos manter uma atitude de satisfação genuína com o que nos sobrevém; é receber as coisas da vida com generosidade, simplicidade e humildade, e saber agir com neutralidade e imparcialidade diante daquilo que nos favorece ou nos prejudica.  

 

O que é contentamento? Renunciar a todo desejo por aquilo que não é obtido sem ser procurado e ficar satisfeito com o que vem sem ser procurado, sem ficar exultante ou mesmo deprimido por eles - isso é contentamento. Enquanto alguém não estiver satisfeito consigo mesmo, estará sujeito à tristeza. Com o aumento do contentamento, a pureza do coração floresce. O indivíduo satisfeito que não possui nada é dono do mundo (Yoga Vasishta, II:15)

 


Boas companhias (Satsanga).


Diz um antigo provérbio: “Diz-me com quem andas, que te direi quem tu és”. Estar na companhia de pessoas dedicadas à busca da sabedoria e estar próximo aos mestres autorrealizados para ouvir seus ensinamentos, é o quarto nobre preceito a ser praticado pelo “investigador da verdade”.


Estar em “boa companhia” não significa estar junto de pessoas que, necessariamente, nos agradam; aqueles que buscam o conhecimento da Realidade Última – a autorrealização espiritual – nem sempre irão nos agradar com suas palavras ou atitudes. Não que tais pessoas sejam malvadas, tóxicas ou prejudiciais; é nosso ego, na maioria das vezes, que se ofende e se inflama diante da verdade da realidade e, sem refletir, partimos para o revide.


Saber ouvir é dar atenção ao que o outro nos diz, é ter consideração pelo próximo e, assim, estar aberto ao diálogo edificante. Estar na companhia de pessoas que se reúnem para estudar e debater sobre yoga e espiritualidade, é a oportunidade de aprendermos e praticarmos uma comunicação saudável. Ou seja, é saber ouvir sem sentir-se ofendido e saber falar sem agredir.


O mestre autorrealizado jamais mantém o discípulo cativo em ordenanças, rituais ou obrigações mundanas. Ele não insulta, mesmo que suas palavras, às vezes, podem ser ásperas. Na companhia do mestre autorrealizado e de pessoas que se reúnem na busca genuína da sabedoria, a atmosfera sempre será mais leve, suave, vigorosa e terá o frescor das manhãs.

 

Satsanga (companhia das pessoas sábias, santas e iluminadas) é mais um portão para a libertação. Satsanga aumenta a inteligência, destrói a ignorância e sofrimento psicológico. Qualquer que seja o custo, por mais difícil que seja, quaisquer que sejam os obstáculos que possam surgir no seu caminho, satsanga nunca deve ser negligenciado. Pois somente satsanga é a luz no caminho da vida. Satsanga é de fato superior a todas as outras formas de práticas religiosas como caridade, austeridade, peregrinação e realização de ritos religiosos (Yoga Vasishta, II:16)

 


Eis os quatro preceitos nobres ensinados pelo sábio Vasishta ao príncipe Rama. Observá-los e praticá-los é o esforço pessoal que se requer para progredir na vereda espiritual. É esse esforço pessoal, aqui e agora, que nos livra do confinamento do destino, ou seja, do karma passado, que nos aprisiona no samsara.


O Yoga Vasishta nos aponta os preceitos para a autorrealização espiritual, nos incentivando a confiar em nossa dedicação e perseverança ao estudo e prática. Os conselhos do sábio mestre nos colocam na senda do autoconhecimento (Atma-vidya), cujo fim é a revelação de nossa liberdade e imortalidade.

 

Hari Om Tat Sat.

 

 

O esforço próprio é de duas categorias: o dos nascimentos passados ​​e o deste nascimento. Este último neutraliza eficazmente o primeiro. O destino não é outro senão o esforço próprio realizado em vidas passadas. Há conflito constante entre estes dois esforços nesta encarnação; e aquilo que é mais poderoso triunfa. O esforço próprio que não está de acordo com as escrituras é motivado pelo egoísmo. Quando há obstrução na fruição do esforço próprio, deve-se examiná-lo para ver se as ações estão corretas; se houver equívocos, devem ser imediatamente corrigidos. Por isso, não há poder maior do que a ação correta no presente (Yoga Vasishta, II: 4,5)

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