Taiji nasce de Wuji; é a origem de Yin e Yang. Quando se movimenta, divide. Quando em repouso, une. Ainda que as transformações tenham uma miríade de variedades, todas têm a mesma natureza. Pela experiência da quietude e do movimento, pode-se compreender a força interna (jing); compreendendo a força interna, pode-se alcançar uma clareza de percepção quase divina (Sun Lutang)
A autorrealização espiritual pode ser alcançada por vários caminhos. O yoga nos apresenta alguns desses caminhos: Caminho da Ação, Caminho do Conhecimento, Caminho da Meditação e Caminho da Devoção, são suas as vertentes clássicas.
Outras filosofias metafísicas apresentam outras possibilidades. O Budismo, por exemplo, nos ensina o Caminho da Habilidade, que nada mais é do que fazer do trabalho ou da profissão um meio favorável para o desenvolvimento da espiritualidade e alcance do Divino.
Já no Taoismo, filosofia chinesa que apregoa que a espiritualidade encontra-se no fluir natural da existência, onde o ser humano deve viver em plena harmonia com a natureza, revela-nos o Caminho da Energia. Esta “via ascendente” ao Divino nos ensina que envelhecer não está associado, necessariamente, à decrepitude e adoecimento do corpo, porém, como possibilidade de realização de uma vida longa, ativa e saudável.
Para entendermos o Caminho da Energia, temos que compreender as noções básicas com as quais o Taoismo percebe e concebe a realidade que nos constitui como “ser existente”. Então, vamos a uma breve exposição destas premissas, sem adentrarmos na amplitude e profundidade de seus conceitos.
Antes da manifestação do Universo e das “dez mil coisas”, o que havia era o Wuji, ou seja, o Grande Vazio. Wuji é o Não-Existente ou, dito de outro modo, é “a existência em potencial”. O Grande Vazio contém o tudo e o nada; ele é pleno de todas as possibilidades, mas nada contém. No Wuji não existe tempo, somente espaço, onde não há nada, mas tudo nele está. Por isso se diz “existência em potencial”.
É desse Grande Vazio que emerge o Taiji, ou seja, o Grande Início. Este “início primal” é o Existente, é o mundo manifestado em todas as suas variadas e múltiplas possibilidades do “vir-a-ser”. O Taiji é considerado “a viga mestra”, base da existência fenomênica, a fonte que jorra todas as coisas do Universo.
O Taiji surgiu quando, de Wuji, houve uma vibração sutil, um vento, um sopro. Esse vento é o Chi ou Qi, “a vibração primal”, a energia vital que torna possível a existência fenomênica, e que a tudo abarca e penetra. É o “sopro da vida”.
O Chi gerou dois “filhos”: o Yang e o Yin. Esses dois “filhos”, quando separados, são energias puras, opostas, mas que se complementam perfeitamente quando se unem. Yang e Yin, quando se misturam, se combinam em variadas e múltiplas formas, e dão origem ao Universo e a miríade de coisas e seres que nele existem.
Do Taiji se diz “a suprema polaridade”. Yang é o masculino, o dia, o calor, o fogo, a madeira, o Céu, a atividade, a penetração, a luz, o acima, a esquerda, a frente, o Sol, a montanha, o que expande; Yin é o feminino, a noite, o frio, a água, o metal, a Terra, a passividade, a absorção, o escuro, o pesado, o abaixo, a direita, o atrás, a Lua, o vale, o que retrai.
Yang e yin estão sempre em constante movimento; nunca se encontram em repouso absoluto. A força de um sempre prevalece sobre a força do outro, até o momento em que as forças se igualam e se inicia a inversão. Na natureza, yang e yin se alternam, e quando um se expande, o outro se recolhe. Alternância, expansão e recolhimento se dão em ciclos infinitos. Esse é o princípio cósmico da criação, da transformação, da transitoriedade e da impermanência.
Yang e yin são a expressão do Chi, da energia sutil que tudo faz acontecer. Não podemos ver o Chi, mas podemos ver o que ele faz; assim como não podemos ver o vento, mas podemos sentir sua presença, o mesmo se dá com o Chi. O Chi está em tudo, pois ele é o que vivifica e vitaliza todas as coisas.
Nos ensinamentos do Taoismo, o ser humano se constitui de três corpos: o físico, o mental e o energético. Para que o físico e o mental estejam saudáveis e revigorados, temos que cuidar da energia que circula pelo corpo e lhe circunda. Assim, não apenas o cuidado com o corpo tem a ver com a saúde, mas, também, o cuidado com o ambiente em que se vive. Pois o Chi, a energia vital, está em toda parte, dentro e fora de nós.
O Caminho da Energia, portanto, é o caminho do Chi. Conhecer o Chi é descobrir o “caminho de volta para casa”, isto é, o Tao. Tao é a ordem natural que subjaz ao Universo, não é algo a ser conhecido pela apreensão de um conceito, não é uma abstração, porém, é uma sabedoria que se adquire ao longo da vida, por meio da experiência da vida real, da atenta observação da natureza e a manifestação de seus ciclos (macrocosmo), e do impacto desse movimento cíclico natureza em nosso corpo (microcosmo).
O Tao não é uma coisa; ele é todas as coisas, ao mesmo tempo em que não é nenhuma delas. Quer dizer, não se distingue o Tao pelas coisas que são consideradas como suas manifestações, pelas descrições que se fazem delas; o Tao é a realidade da vida, aquilo que não se nomeia, mas aquilo que se percebe intuitivamente, que se sente sutilmente, ao mesmo tempo em que é concreto, palpável.
O Tao pode ser compreendido como o fluxo espontâneo do Universo, a ordem natural que sustenta tudo em perfeito equilíbrio e harmonia, assim como o Chi é a essência da vida, a energia vital da existência. Se o Chi é o princípio da dualidade – yang e yin –, o princípio que tudo individualiza e multiplica, o Tao é o princípio da unidade primordial, o todo absoluto; ele é o Wu (vazio) do Wuji, e o Yang e o Yin (equilíbrio dinâmico entre os opostos) do Taiji. O Tao é “o supremo fim a ser alcançado”.
O Tao gera o Um;
O Um gera o Dois;
O Dois gera o Três;
O Três gera as dez-mil-coisas.
As dez-mil-coisas tem atrás de si escuridão;
A sua frente elas abraçam a luz;
E o Vazio lhes dá a harmonia.
(Lao Zi, Tao Te Ching, O Caminho da Virtude, Cap. 42)
O Caminho da Energia é conhecer e cultivar o Chi; ou seja, é o mesmo que seguir o Tao, o que corresponde a um modo de vida em perfeita harmonia com a natureza e o fluxo espontâneo da ordem universal. Esta existência individual em harmonia com o todo significa que devemos agir com espontaneidade, jamais agir forçando as coisas a serem conforme nosso desejo, provocando desequilíbrios em nossos corpos (físico, mental e energético) ou em nosso entorno.
Esta conduta serena diante da vida, sem uso de artifícios ou ações desnecessárias que possam interferir no curso natural dos acontecimentos, constitui-se na essência do Tao. Wu-wei é que expressa a essência do Tao: é o princípio da “ação sem intenção”, ou seja, fazer o que tem que ser feito, de acordo com as circunstâncias e no momento adequado, e conforme a habilidade e capacidade natural permitem. Pois a intenção (o pensamento) gera a ação (o movimento); e a depender da intenção, o movimento gerado pode levar ao desequilíbrio no fluxo natural da vida, e provocar consequências desastradas. O significado maior do Wu-wei é que, no propósito da ação, a consciência deve estar sempre presente no aqui e agora.
Equilíbrio é saúde; desequilíbrio é doença. Assim, saúde e longevidade, bem como a iluminação espiritual, na concepção taoísta, dependem do controle e domínio do Chi, isto é, do fluxo energético interno, bem como da conciliação harmônica desse fluxo interno com o fluxo externo – energias da Terra e Céu – que nos perpassa. Na concepção taoísta, o ser humano é o único animal que está conectado ao Todo, pois a sua constituição física lhe permite a postura ereta, o que significa que ele se encontra alinhado com o Céu (o topo da cabeça) e a Terra (a planta dos pés), com seus fluxos energéticos lhe atravessando.
Os dois centros de energia principais do ser humano são o Lin Tai, que é o centro Yang, o Sol interno, localizado no cerebelo. É denominado como a “Morada da Consciência”; é o espírito do Pai Céu, que nos nutre com sua energia. Lin Tai é o que traz para dentro de nós os “Troncos Celestes”, que nos possibilitam, quando conectados a eles, a elevar-nos à mais alta espiritualidade. O outro centro é Yin Chiao, localizado no útero (mulher) e próstata (homem) e que, pelos “Ramos Terrestres”, nos nutre com a energia da Mãe Terra. O Yin Chiao se relaciona com o nosso aspecto físico, enquanto o Lin Tai com o espiritual.
A energia que provém de Lin Tai e de Yin Chiao se encontram em um ponto localizado, aproximadamente, três centímetros abaixo do umbigo e três centímetros para o interior, denominado de Tan Tien ou Campo do Elixir. É nesse local específico que ocorre a "alquimia taoísta", isto é, onde se juntam os Três Tesouros para, a partir de sua fusão, promover a saúde longeva ou, obra maior, a imortalidade. O Campo do Elixir é também denominado de Campo de Cinábrio. O cinábrio é um mineral (sulfeto de mercúrio) que, na medicina chinesa tradicional, é utilizado por suas propriedades terapêuticas para tranquilizar-nos das angústias e ansiedades.
Para os taoísta, as origens e raízes da vida, e que se relacionam diretamente com a saúde, a longevidade e a espiritualidade, se encontram nos Três Tesouros (San Bao): Jing (Essência), Chi (Energia Vital) e Shen (Consciência). Como foi dito, a fusão dos Três Tesouro no Tan Tien é que possibilita a saúde, a longevidade e imortalidade. Podemos dizer que essa "alquimia taoísta" (a fusão dos Três Tesouros no Campo de Cinábrio), tem como base para a saúde e a longevidade, nada além da serenidade e da quietude (a "pedra filosofal" da imortalidade).
Jing, a Essência, é a “fonte de vida” que recebemos de nossos país, nossa energia ancestral, herdada da união entre pai (Yang) e mãe (Yin). Essa “fonte de vida” que herdamos de nossos ancestrais é o “combustível original” (Yuan Jing), o fator básico que determina o nosso tempo de existência no corpo. A quantidade e qualidade de Jing é diferente em cada pessoa, e não pode ser aumentada ao longo da vida, embora possamos melhorar a sua qualidade e aprender a consumi-la em menor quantidade. Mais do que “combustível original”, entretanto, o Jing, como Essência, é a natureza verdadeira de tudo o que existe no mundo fenomênico. Jing é a semente original da qual tudo nasce, cresce e se desenvolve.
O Chi que circula no corpo, percorrendo os meridianos ou canais de energia, é o responsável por todas as atividades do corpo físico e da mente. A dispersão do Chi provoca a deterioração do corpo e da mente, causa doenças e, por fim, leva à morte. Uma parcela do Chi no corpo é da matriz original (Yuan Chi); outra, provém do Jing; e uma terceira, dos alimentos e do ar respiramos. O desperdício do Chi leva ao consumo maior do Jing, isto é, as ações inadequadas desgastam a essência, abreviando a vida. Não apenas pelo corpo físico, mas pela mente, ou seja, pelos pensamentos e emoções, o Chi é desperdiçado.
Shen é Espírito ou Consciência. Yuan Shen é a consciência original, e que deriva do Jing e do Chi. Quando o Chi é forte, Shen é forte; quando o Chi é fraco ou se esvai, Shen é fraco e se esvai. Shen é o Espírito que nos guia no mundo, a Consciência que dirige a nossa mente. Em uma mente estável e equilibrada, há uma consciência idêntica. Um corpo saudável e a mente pacífica expressam um Espírito puro e tranquilo.
Usamos a mente para nutrir de energia a Consciência. Somente quando a Consciência é forte e pura, podemos elevá-la para outras dimensões da existência. O alcance da sabedoria plena se faz pela elevação da Consciência, ou seja, quando retiramos nossa atenção das “dez mil coisas” (Taiji) e nos recolhemos de volta ao estado de "silêncio e quietude" (Wuji). Os chineses denominam esse estágio evolutivo da espiritualidade como Unificação do Céu e do Homem (Tian Ren He Yi), estágio anterior à completa imersão no Tao.
Melhorar a qualidade do Jing e do Chi tem a ver com as escolhas que fazemos em relação aos alimentos que ingerimos, ao ar que respiramos e ao estilo de vida que adotamos. Preservar o Jing e a cultivar o Chi, tem a ver com a prática do Taiji Quan. O Taiji Quan ou Tai Chi Chuan é uma prática corporal chinesa que prioriza o “movimento interno” (Nei Jia), ou seja, enfatiza a Essência, a Energia e a Consciência, em detrimento do "movimento externo"(Wai Jia).
Os vários estilos de Taiji Quan, se fundamentam em três princípios:
1. Vencer o movimento através da quietude (Yi Jing Zhi Dong)
2. Vencer a dureza através da suavidade (Yi Rou Ke Gang)
3. Vencer o rápido através do lento (Yi Man Sheng Kuai)
O Taiji Quan ou “estado supremo acima das polaridades”, é uma meditação em movimento, que tem como base o Tao Yin (“sentar na quietude”), e que traz em si a relação direta com Wu Xing, que são os cinco movimentos primários gerados por Yang e Yin (Terra, Água, Fogo, Madeira e Metal), e também com o Ba Gua, que são as oito combinações possível da energia Yang e Yin (os cinco movimentos primários mais a Montanha, o Trovão e o Lago), que formam a base dos ensinamentos do I Ching, o Livro das Mutações.
Outras práticas corporais chinesas, não menos importantes, são o Qi Gong ou Chi-Kun (Ba Duan Jin, “oito peças do brocado”), o Zhang Zhuan (meditação em pé, “imóvel como uma árvore”), o Yi Jin Jing (“renovação dos músculos e tendões”) e o Xin Zhai Fa (meditação da “purificação da mente”, unir a consciência ao “sopro” para se alcançar o Wuji). Todas essas práticas são consideradas como "treinamento interno" (Nei Jia) básico para todas as outras práticas, inclusive para as artes marciais chinesas.
No yoga, embora não temos um “caminho da energia”, temos algo que se assemelha. Trata-se do pranayama, que são as técnicas de controle da respiração, e que devem ser praticadas após o completo domínio das posturas corporais (asanas). Pranayama é o quarto passo do Ashtanga de Patanjali. Mas é no Hatha Yoga Pradípiká, Cap. 2, que se encontram as orientações básicas para a prática de pranayama. É pelo controle de pranayama que podemos acessar e dominar kundalini, a energia cósmica adormecida que, ao despertar-se, nos eleva à mais alta espiritualidade.
Mas falaremos disso em um próximo post.
Hari Om Tat Sat.
O Homem nasce entre o Céu e a Terra e possui a natureza de ambos, isto é, Yang e Yin. Seu Chi original é unido e indiferenciado. Seus movimentos, carregados de desejos e intenções equivocados, todavia, tornam o seu Chi impuro, bem como o uso vil de sua força. Quando Yang e Yin alcançam seus pontos máximos de expansão e retração, e o indivíduo não aprendeu a “cultivar-se internamente”, enquanto apenas se desgasta externamente, o resultado será o desequilíbrio das forças, afetando os aspectos externos e internos. Quando a expansão alcança o seu limite, inevitavelmente, surge o esgotamento. Nesse ponto, a pessoa está condenada. Aprender a relaxar e contrair, este é o segredo do Taiji Quan que, quando praticado diariamente, unifica a Essência, a Energia e a Consciência, e todas as deficiências serão removidas (Sun Lutang, Estudos do Taiji Quan, 1921)
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