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Foto do escritorMarcelo Augusti

PRANA, SANKALPA, MEDITAÇÃO E O PROCESSO DO "VIR-A-SER"

Nas profundezas do seu subconsciente, à espera de se expandir e de se expressar, há uma sabedoria infinita, há um poder infinito, há um estoque ilimitado de tudo o que é necessário para uma vida perfeita. Comece agora a descobrir essas potencialidades das profundezas da sua mente e elas tomarão forma no mundo exterior. (Joseph Murphy, O Poder do Subconsciente, 1963)



Prana é a força vital que sustenta o Universo, a energia que flui em todas as formas de vida. Esta energia é a força criativa que dispomos para manifestar nossos desejos; quanto mais prana disponível, maior nossa capacidade para criar nosso mundo.


O domínio e o controle do prana se faz pela respiração consciente. Embora esta energia vital esteja em tudo o que existe, é no ar que respiramos que encontramos sua fonte mais abundante e disponível a todos os seres viventes.


O ar que respiramos é um manancial constante e ilimitado de prana. Aprender a respiração consciente significa aumentar o fluxo de prana em nosso corpo e disponibilizar mais dessa energia para revitalizar a saúde física e mental, e elevar o nível de consciência a outros patamares.


O yoga nos apresenta técnicas adequadas para o domínio e controle do prana. Praticando as técnicas de pranayama, quarta etapa do processo de iluminação espiritual descrita no Yoga Sutras, podemos desbloquear a nossa criatividade, aguçar a nossa imaginação e despertar a nossa intuição para conhecermos aquilo que está além das aparências.


Na tradição do yoga, pranamaya kosha ("corpo de energia vital"), é um dos invólucros que envolvem o Atman, o “ser que somos em essência”. Este Atman está envolto, basicamente, pelos corpos físico, energético (prana) e mental.

 

 


O prana é o que faz a conexão entre a matéria e o espírito. Dominar e controlar seu fluxo e aporte, pelas técnicas de pranayama, permite-nos o controle da mente. Controlar a mente significa ser capaz de manejar os pensamentos e direcionar nossa intenção conforme nossos desejos. É nesta condição de controle da mente que alcançamos a quietude e o silêncio necessários para adentrar o espaço sagrado da espiritualidade.


Além de nos conduzir aos estados mais elevados da consciência e mesmo à iluminação espiritual, as técnicas de pranayama concede-nos o poder para manifestar a realidade que desejamos. Nossa capacidade de criação, portanto, aumenta conforme aprendemos a dispor desta energia vital, que é a nossa força criativa e poder para manifestar desejos e pensamentos.


Ao aprendermos a desbloquear o prana e aumentar o seu fluxo em nosso corpo, elevamos a nossa vibração energética a níveis positivos, que ressoam frequências superiores, atraindo situações e coisas afinadas com esta vibração positiva para a nossa vida espiritual e material.


Logo, quanto mais alto é o nível de nossa vibração energética, mais próximos estamos de ressoar as frequências superiores, o que significa dizer que atraímos paz, amor e felicidade genuínos. E tudo o que disso decorre é o que se manifestará em nossa vida.


Na tradição do yoga, a frase “cuidado com o que desejas” é algo muito sério. Conforme nos ensina o Swami Sivananda, “pensamentos são coisas vivas”. Uma vez que um pensamento aponta na mente e nele nos fixamos, suas vibrações se propagam em todas as direções, em uma velocidade inimaginável. Afirma Sivananda:"O pensamento cria o mundo. Ele faz as coisas existirem. Os pensamentos dão ímpeto aos desejos e excitam as paixões" (Swami Sivananda, O Poder do Pensamento pelo Yoga)


Em muitas passagens do Mahabarata, quando alguém deseja a presença do outro, basta um pensamento, e pronto: o outro, imediatamente, se manifesta à sua frente. Quanto mais forte for a intenção, mais rápido o pensamento se manifesta. Um pensamento focalizado, determina a sua direção; e conforme a proporção de sua intenção, alcança-se o efeito desejado.


Não importa se o pensamento é bom ou mau; ele se propaga do mesmo modo, seja em uma espiral ascendente, elevando à consciência superior, ou em uma espiral descendente, rebaixando à consciência inferior. A mente, como um espelho, pelo cultivo de bons pensamentos se volta para as virtudes do mundo espiritual; ou, pelo cultivo de maus pensamentos, se volta para as agruras do mundo material.


Mas o que vem a ser um bom ou mau pensamento? Bons pensamentos são aqueles que visam a paz, o bem e a felicidade de todos os seres; podemos dizer que são pensamentos altruístas. Pelo contrário, os maus pensamentos surgem do egoísmo, que instiga aquele sentimento de que “eu sou o umbigo do mundo”.


“Quando a felicidade egoísta é o único objetivo da vida, a vida fica sem objetivo”

(Matthieu Ricard, A Arte da Meditação)


Dos bons pensamentos emanam as altas vibrações que ressoam as frequências elevadas do Universo; ao contrário dos maus pensamentos, de baixa vibração, e que repercutem as baixas frequências do Universo. Lembrando que os pensamentos são “coisas vivas”, carregados de energia vital; como ondas, eles se propagam pelo espaço, geram movimentos na dinâmica do mundo e, depois, se dissipam; porém, sempre deixam seu rastro por onde passam (ver a história das ideias e das ideologias).


Cada indivíduo tem seu modo de pensar, e que tem a ver com suas tendências inatas, sua educação, e as influências que recebe de sua cultura e sociedade (as vibrações dos pensamentos coletivos). Assim como temos pensamentos que vão e vêm, e que não sabemos de onde vêm e para onde vão, também geramos “pensamentos intencionais”, que são aqueles que se originam de nossos desejos de realização. São esses pensamentos intencionais, reflexos dos nossos desejos, que estão aptos a se concretizarem.

 

“É a mente que vivencia o mundo e o manifesta na forma de bem-estar ou sofrimento”

(Matthieu Ricard, A Arte da Meditação)

 

Conforme o nível espiritual alcançado pela consciência de cada pessoa, assim são seus pensamentos e desejos, e que reverberam as frequências universais altas ou baixas, de acordo com a energia de suas vibrações. A consciência, logo, reflete as emoções que são despertadas em conformidade com as vibrações individuais e as frequências energéticas universais.

 

Escala dos níveis da consciência e sua relação com as emoções.

(David R. Hawkins, Poder vc. Força: os determinantes ocultos do comportamento humano, 1994)

 


Do que foi dito até o momento, conclui-se que a mente tem o poder de criar pensamentos, cujas vibrações se propagam velozmente em todas as direções. Quanto mais intenso for o pensamento, isto é, quanto mais desejamos aquilo que pensamos ou quanto mais pensamos no que desejamos, maior a sua força de propagação e poder de manifestação.


Bons pensamentos possuem altas vibrações energéticas que ressoam frequências superiores de paz, amor, bondade, compaixão e felicidade; maus pensamentos, pelo contrário, são de baixa vibração, e ressoam apenas frequências inferiores de medo, frustração, inveja, raiva e ódio.


Cada um de nós, portanto, é responsável pela criação de sua própria realidade. A cada instante, a cada pensamento cultivado, estamos construindo o nosso futuro. Diz a Chandogya Upanishad: Como é a vontade de alguém, assim ele se torna.


"Nossos traços de caráter se perpetuarão enquanto não fizermos nada para melhorá-los e enquanto deixarmos nossas tendências e nossos automatismos se conservarem, ou ganharem força, pensamento após pensamento, dia após dia, ano após ano" (Matthieu Ricard, A Arte da Meditação)  


Quem sou, onde estou e onde quero chegar, portanto, são perguntas que temos que fazer a nós mesmos para encontrarmos um propósito para a nossa vida; este propósito é o que nos dará uma direção a seguir e o que nos dará a base para nos tornarmos "uma pessoa melhor a cada dia". Por consequência, é onde estará também a nossa energia, a nossa mente, os nossos pensamentos e nossas manifestações. A frase cristã “onde está o seu tesouro, aí se encontra o seu coração”, sintetiza essa perspectiva.


Quando encontramos um propósito, damos um sentido à nossa vida. O propósito impacta a nossa vontade e desejo, influencia os nossos pensamentos, e a mente passa a elaborar meios criativos para concretizar “aquilo que acreditamos e queremos”. E como já dito, quanto mais prana disponível, maior nossa capacidade criativa para resolver os problemas que surgirem em nossa jornada, e maior será a força e o poder para transformar a nossa realidade.


Um propósito de vida, entretanto, não se resume a fazer algo para o proveito próprio. O egoísmo, como já visto, traz consequências desagradáveis e gera calamidades individuais e coletivas. Portanto, qualquer que seja o nosso propósito, ele tem que considerar a paz, o amor e a felicidade de todos os seres que encontrarmos ao longo de nossa vida. Afinal, espiritualidade é uma experiência do “ir além de si” para encontrar-se “no outro”.


Na tradição do yoga, um propósito de vida é um sankalpa ("firme resolução"), ou seja, uma decisão convicta de tornar-se, a cada dia, uma pessoa melhor do que aquela que fomos no dia anterior. Para isso, não é necessário entregar-se a “mil coisas”: basta dedicar-se a apenas uma, e fazer, a cada dia, o seu melhor, com esmero e satisfação.


"Faça o voto de transformar a si mesmo não apenas para o seu próprio bem, mas também, e principalmente, para um dia ser capaz de dissipar o sofrimento dos outros e ajudá-los a encontrar a felicidade autêntica. Deixe essa determinação crescer e enraizar-se no mais fundo de você"

(Matthieu Ricard, A Arte da Meditação).


No yoga, quando nos colocamos a meditar, é o “espaço do encontro” que buscamos. É neste espaço que podemos “vir-a-ser” aquilo que tanto desejamos, isto é, uma pessoa felizes e realizada. Somente o “encontro” com nossa essência (um encontro que podemos dizer do “ego” com o “Eu”), é que nos possibilita elevar a consciência a níveis superiores de compreensão, gerar bons pensamentos, aumentar nossa vibração e ressoar a paz, o amor e a felicidade genuínos para si mesmo e para todos os seres.


Meditar, nesta perspectiva, é um processo cognitivo e intuitivo de conversão da imaginação em realidade. Trata-se de transformar a consciência, ou melhor dizer, de proporcionar meios adequados para aumentar nossa energia vital e disponibilizá-la para revigorar nossa "saúde criativa", de modo a facilitar o encontro dessa “consciência individual” com a “vida universal”, em sua mais perfeita plenitude.

 

“A principal razão de ser da meditação é transformar a si mesmo para melhor transformar o mundo ou tornar-se um ser humano melhor para melhor servir aos outros. Meditar é dar à vida seu sentido mais elevado” (Matthieu Ricard, A Arte da Meditação)

 

E como isso acontece? No yoga, o princípio que orienta a “transformação da realidade” é denominado yatha-krathu, que significa “o resultado de uma ação está de acordo com a intenção do executante”. O destino de uma pessoa nada mais é do que o resultado das reverberações de suas resoluções e seus propósitos de vida.


Afirma a Chandogya Upanishad:

 

yathā kratur asmin loke puruṣo bhavati, tathetaḥ pretya bhavati

Assim como o que uma pessoa se torna neste mundo é determinado por sua firme resolução, também o que uma pessoa se torna após a sua morte está de acordo com a mesma determinação.

(Ch.Up. 3.14.1).

 

O princípio tat-kratu nyāya deixa claro que a determinação firme de alguém é um fator relevante que direciona o resultado final de suas práticas. Sou aquilo que penso, sou aquilo que desejo, pois são meus pensamentos e desejos que condicionam minhas palavras e meus atos, determinando meu destino não apenas no aqui e agora, mas igualmente no futuro próximo e também nas próximas vidas.


Pensamentos e desejos são esculpidos por conceitos e hábitos. Portanto, é fundamental o estudo e a reflexão dos ensinamentos inscritos no Bhagavad Gita, nos Upanishads, no Vedanta, nos Sutras de Patanjali e outros. Mas não apenas o estudo e a reflexão, porém, o cultivo de hábitos altruístas e a prática constante da meditação, constituem-se nas bases daqueles que se dedicam ao yoga.


A determinação para mudarmos nossa realidade é importante, porém, não é o único fator. Conforme o tat-kratu nyāya, há uma diferença entre "desejar" e "merecer". Por isso, estudo, reflexão, meditação e o cultivo de hábitos altruístas são fundamentais para transformarmos a realidade na direção da paz, do amor e da felicidade. Afinal, para merecer "o bom, o belo, o justo e o verdadeiro", temos que aprender e compreender o que é "o bom, o belo, o justo e o verdadeiro".


Yatha-krathu nos ensina que se faz necessário qualificar-se para obter um resultado duradouro naquilo que se espera alcançar. Isso pode ser bem entendido conforme inscrito no Mahabarata: “Eu concedo àqueles que Me adoram um resultado precisamente de acordo com a natureza essencial de sua devoção” (B. Gita 4.11).


No yoga, o processo do “vir-a-ser”, ou seja, essa transformação do “ego ao Eu”, essa aventura existencial do sofrimento à felicidade, passa a se consolidar com a prática de pranayamas. Nos Sutras, Patanjali ensina que pranayamas (o controle do prana, da força vital transformadora), antecede e é necessário à preparação para dhyana (meditação), o "espaço sagrado do encontro".


Prana, como já visto, é a energia que concede vida, a tudo permeia e faz vibrar o universo; é o veículo das transformações da realidade. Prana é movimento interno e externo, é o que faz a vida acontecer.


A principal fonte de prana é o ar que respiramos; logo, o ar que expiro é o mesmo que você inspira e vice-versa. Percebe-se, assim, que “eu estou em você e você está em mim”; somos todos essa mesma energia que a tudo transforma.


A prática de pranayama renova o fluxo energético, aumenta a disposição física e mental, revitaliza a saúde geral, melhora a capacidade de atenção e aguça a percepção. Os benefícios do pranayama são fundamentais para a qualidade dos pensamentos e a realização do propósito de vida daqueles que alcançaram pelo menos um breve lampejo de sua essência. Para esses, o propósito de vida é ser genuinamente feliz e viver e um mundo de paz, amor, prosperidade e abundância para todos, sem exceção.


Pranayamas também aumentam a concentração (dharana), concedem-nos a habilidade de observar a mente, torná-la estável e equilibrada e, assim, refinar a atenção plena que, na meditação, nos permite discernir o encadeamento de nossos pensamentos e, por consequência, como eles afetam nossas ações e a nossa vida.

 

“É no estado de introspecção que podemos refinar a percepção de nossa mente para discernir o aspecto mais fundamental da consciência: um estado perfeitamente lúcido e desperto que está sempre presente, mesmo na ausência de construções mentais”

(Matthieu Ricard, A Arte da Meditação)

 

Um pranayama muito utilizado no yoga é Ujjāyī. Em sânscrito, ujjāyī significa “vitorioso”. Trata-se de uma técnica muito simples: sentado confortavelmente, costas eretas, palmas das mãos voltadas para cima sobre os joelhos, em cinmudrā (postura que indica conhecimento), olhos fechados, inicie a respiração. As instruções básicas são:

 

1.      Inspire lentamente pelas narinas, sentindo o ar passar suavemente pela garganta;

2.      Expire, inicialmente, pela boca, como se estivesse sussurrando;

3.      No meio da expiração, feche os lábios e mantenha o som contínuo do sussurro;

4.      Observe que o som parte da garganta, e não das narinas;

5.      Faça vários ciclos de inspiração e expiração, em um ritmo que se sinta confortável, até fazer toda a expiração com a boca fechada, e o som fluindo pela garganta, uniforme e naturalmente.

 

Este pranayama também é conhecido como “respiração oceânica”, exatamente pelo som do suave que sai da garganta, remetendo ao vai-e-vem das ondas de um mar sereno. Não force a produção do som, ocasionando fricções desnecessárias nas vias respiratórias. Permita apenas que ele saia suave e naturalmente.


Yoga é transformação. Pratique!


Hari Om Tat Sat.


O que for a profundeza do teu ser,assim será teu desejo.

O que for o teu desejo,assim será tua vontade.

O que for a tua vontade,assim serão teus atos.

O que forem teus atos,assim será teu destino.

(Brihadaranyaka Upanishad, IV:4-5)

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