O importante não é justificar o erro, mas impedir que ele se repita. O conhecimento nos faz responsáveis
(Ernesto Guevara)
No universo da política, há muitas vias para se modificar a ordem social vigente. Quando algo não vai bem na “coisa pública”, mudanças são necessárias para que a ordem social não se desintegre. Obviamente, nem todos irão concordar com as possíveis mudanças que poderão entrar em curso. Há aqueles que preferem manter as coisas como estão, principalmente se apenas para esses as coisas estão bem, independente de quanto estão ruins para a maioria.
Entre os que clamam e anseiam por mudanças, uns apenas pretendem retomar o equilíbrio da situação, enquanto outros, preferem rever questões específicas que devem ser alteradas. Entretanto, existem pessoas que desejam implodir a ordem social vigente, fazendo da terra arrasada, o cenário perfeito para implantar a nova ordem que lhe satisfaça.
No universo da política, da “coisa pública”, portanto, três vias se apresentam para que mudanças na ordem social vigente possam ocorrer: a restauração, a reformação e a subversão. Vejamos cada uma delas em mais detalhes.
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Restaurar significa revigorar; restabelecer; reaver; reparar; recompor; reconstituir; elevar ao antigo esplendor. A restauração de valores, crenças ou comportamentos em uma sociedade, pode ser entendida como o restabelecimento do seu antigo esplendor. Aqueles que estão engajados em promover um processo de restauração na sociedade, não tem a intenção de fazer ruir a ordem social vigente e implantar um novo regime. O que eles anseiam é reconstituir a beleza de algo que se perdeu com o tempo, e isso não significa romper com as estruturas estabelecidas e adotar uma nova ordem de coisas. Trata-se de trazer “ar fresco” para um ambiente saturado; sem modificar o ambiente em si, alguma mudança no posicionamento das coisas pode ser bem-vindo, buscando revigorar os valores, as crenças e os comportamentos.
Reformar é corrigir; emendar; substituir; dar a melhor forma. É certo que toda sociedade que se desenvolve enfrenta o problema da inadequação entre as estruturas tradicionais existentes e a dinâmica da vida, que tende a progredir e evoluir. As tradições, com o passar do tempo, consolidam-se em instituições e mecanismos que se tornam obsoletos ante as exigências das novas gerações. Muitos costumes podem permanecer, sem que sejam questionados, por estarem enraizados na mentalidade coletiva. Nas relações de poder e prestígio, os mais velhos sempre querem subjugar os mais novos, exercendo sobre os mesmos o controle social. Mas a conscientização dos problemas, a ampliação e a diversificação dos anseios individuais e coletivos clamam por mudanças que possam adequar o antigo com o novo, ou substituir o antigo pelo novo. A disputa entre conservadores (que não querem mudanças e pretendem a manutenção da ordem vigente) e reformadores (que anseiam pela mudança), ocorre no campo da política, e é daí que se originam as transformações sociais na “coisa pública”.
Os reformadores, entretanto, podem divergir em relação aos modos de alcançar seus objetivos. Assim, uns são mais pacíficos e aceitam que as regras do jogo sejam gradualmente modificadas, cuidando para que ninguém se prejudique e preparando a integração de todos na nova ordem; outros, preferem apenas uma revisão do regime, preservando os valores essenciais que sustentam a estrutura, e ajustando-os às novas demandas; e há aqueles que acreditam que, somente pela violência, as coisas, de fato, serão modificadas: estes são os subversivos, o perigo real e imediato para a ordem instituída.
Subverter significa perturbar completamente; desorganizar, criar confusão; revolucionar; destruir, arruinar; fazer soçobrar. Subversão é um termo notadamente de caráter político que indica que o portador do adjetivo correspondente é alguém capaz de ameaçar a ordem social estabelecida. Os subversivos são radicais, e negam totalmente o que existe e querem modificar completamente o sistema vigente. O indivíduo subversivo, portanto, é de alta periculosidade para a sociedade, pois se acredita que, caso o mesmo não seja barrado em seus pensamentos alucinados e / ou ações delirantes, o poder de contaminação de suas ideias pode, de fato, levar à formação de grupos organizados que, agindo de modo violento (seja física ou simbólica), e em nome de uma “causa” em comum, implantam o caos e tentam fazer ruir a ordem estabelecida.
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Extremismos e radicalismos não conduzem para finais felizes. Há muitos exemplos na história da humanidade que comprovam: Pol Pot, Idi Amin Dada, Adolf Hitler, Hissène Habré, Mengistu Haile Mariam, Augusto Pinochet, Saddam Hussein, Josef Stalin, Francisco Franco, Jorge Rafael Videla, Mao Tsé-Tung, Benito Mussolini, Muammar Gaddafi e François Duvalier, são alguns extremistas que causaram muita destruição e sofrimento às sociedades que governaram.
Subverter a ordem vigente, atropelando a tudo e todos, apenas para que o desejo egoísta de uma pessoa ou um pequeno grupo ideológico se imponha à revelia dos demais, é a derrocada da sociedade como pilastra da civilização.
A subversão, como uma praga social, contamina as instituições e os membros da sociedade, rompe bruscamente com as tradições culturais e as convenções sociais, corrompe, desorganiza e deturpa a “coisa pública”; o subversivo põe em dúvida tudo o que foi assentado em comum acordo e por meios legais, e tenta, por meios ilícitos e perniciosos, desprestigiar as instituições que sustentam a sociedade em suas estruturas mais básicas.
O subversivo, portanto, é um traidor de sua pátria, da família, da liberdade e da religião, ainda que em seus discursos, defenda tais valores; alguém que não tem conduta ética e nenhum compromisso moral com a verdade; é um renegado, a quem se pode caracterizar como mal-intencionado, facínora, inclemente e tóxico e, portanto, capaz de comportamentos nocivos à vida social. Suas ideologias apregoadas infectam o ambiente, e são reprovadas por seu poder de deturpação; ele está contaminado pela obstinação e é capaz de contaminar e obstinar a todos os que estão ao seu entorno.
Para a manutenção da ordem social, o subversivo é alguém que deve ser rapidamente identificado, vigiado e punido pela lei, caso provoque ameaças reais à ordem estabelecida. À subversão se acompanha o domínio moral do ato; o discurso que acusa de subversão extrapola, portanto, a denúncia política de suas ações, englobando a própria humanidade dos acusados, que são vistos, pela própria exposição de seus atos, como criminosos. Somente aqueles que foram contaminados pelos seus delírios ululantes o seguem, fanaticamente, acreditando em tudo o que diz e acatando as suas mais absurdas ordens.
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É certo que mudanças ocorrem, naturalmente, na vida individual e coletiva. Ninguém consegue conter as mudanças. Afinal, a existência material é transitória e impermanente. Ou seja, tudo surge, fica por um tempo, vai embora e torna a surgir, com outras roupagens, reiniciando o ciclo do devir. Como disse o Eclesiastes, “não há nada novo debaixo do Sol”.
Na filosofia do yoga, inscrito na Taittiriya Upanishad, encontra-se a descrição de um dos estágios da existência humana, denominado Vanaprastha ou Compreensão Intelectual. Vanaprastha indica a necessidade de mudanças no padrão de continuidade dos processos sociais. Somente com reflexão e consciência, será possível não interromper a continuidade, porém, renová-la pela compreensão de que um novo fluxo de circunstâncias se faz presentes e deve ser considerado e integrado ao processo.
Quando a base de sustentação de algo se torna insustentável, se faz necessário deixar o passado comum e olhar para o futuro comum. Isto quer dizer que, quando algum dever social já não corresponde à manutenção de sua continuidade, quando a ordem vigente não acompanha as demandas do processo de evolução, esta perturbação na continuidade do processo (que tem por base o dever com o passado, a tradição, os costumes, a lei) precisa ser reestabelecida, ou seja, modificadas em suas bases.
Restaurar e reformar são processos naturais e necessários para que um novo ciclo de vida emerja com mais vigor e sanidade, dando sequência ao progresso material e evolução espiritual dos seres. Mas a subversão, uma vez alcançada a sua meta, torna-se intolerante às mudanças. O subversivo não pretende ser destituído, porém, permanecer para sempre.
Hari Om Tat Sat.
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