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Foto do escritorMarcelo Augusti

SADHANA E O NÍVEL ESPIRITUAL

Atualizado: 18 de nov. de 2022


Semeie um ato, e você colhe um hábito. Semeie um hábito, e você colhe um caráter. Semeie um caráter, e você colhe um destino

(Charles Reade)


Sadhana é o termo utilizado no yoga para referir-se a uma prática pessoal diária, inserida no contexto de uma disciplina espiritual. Sadhana pode abarcar muitas práticas: os exercícios psicofísicos (ásanas), as técnicas respiratórias (pranaymas), entoar mantras, estudar os textos sagrados e meditar, são exemplos de práticas pessoais que fazem parte da disciplina espiritual. Sadhana é tudo o que pode ser praticado com atenção e concentração, visando a elevação da consciência em direção a união com o Ser Supremo.


Sadhana, portanto, são as práticas que cada indivíduo adota, rotineiramente, para alcançar um objetivo espiritual, que no yoga, é a dissipação da ignorância. Esta ignorância tem a ver com o desconhecimento de quem, de fato, somos. Seja qual for o instrumento utilizado na prática, sadhana deve ser realizado com plena consciência, pois somente assim o praticante poderá livrar-se do erro primordial, essa ignorância existencial que obscurece a percepção correta de quem somos.


Sadhana, logo, é o ritual diário que nos orienta para o alcance de um propósito elevado: moksa, que é a liberação dos conteúdos mentais que prejudicam a compreensão da existência em sua totalidade. A prática pessoal, executada com constância é o que nos leva à realização do processo de moksa. Quando a meta é alcançada, quando o alvo é atingido no centro pela prática pessoal, a ignorância se dissipa e, com ela, a causa do sofrimento se esvanece.


Sadhana é o meio para remover todos os apegos e desejos que nos prendem ao egoísmo. Na prática pessoal do yoga, corpo e mente devem estar alinhados na busca de um objetivo espiritual. Em todo sadhana, portanto, sejam quais forem os meios utilizados, tudo deve ser realizado com seriedade, atenção e concentração, para a meta ser atingida plenamente. Nenhuma prática deve ser realizada meramente como formalidade ou obrigação. Rotinas automatizadas não se constituem em sadhanas.


Há de se compreender que sadhana, no contexto da disciplina espiritual, já se constitui na própria prática dessa disciplina, ou seja, sadhana é o cultivo da disciplina espiritual, cujo propósito, como já dito, é remover a ignorância existencial e pôr fim ao egoísmo que nos impede de compreender que nossa essência constitutiva é amor, paz e felicidade – e que buscar isso fora de nós mesmos, é o erro fatal que nos aprisiona nos intermináveis ciclos de nascimentos e mortes.


Também há de se compreender que nenhuma prática em si é capaz de remover a ignorância e o egoísmo. É necessário conhecer ampla e profundamente, não apenas aquilo que se está fazendo, porém, e principalmente, aquilo que está envolvido nas ações realizadas. Portanto, sadhana exige autoconhecimento: o estudo de nossa natureza constitutiva, a reflexão sobre quem somos e a contemplação do Ser Supremo, são partes integrantes e indissociáveis de qualquer sadhana.


Sadhana, é a base do yoga, é o que conduz a liberdade. Não há yoga sem sadhana. E essa liberdade diz respeito à liberação das marcas e tendências que carregamos ao longo dos infindáveis ciclos de nascimentos e mortes. Libertos dos grilhões do karma, por fim, encontraremos a liberdade definitiva, que está para além do destino cíclico temporal: é a liberdade da alma. Sadhana é, pois, a disciplina fundamental para purificarmos as marcas acumuladas de tantas vidas, e que nos prendem à existência material, atando-nos ao ciclo terreno, aprisionando-nos entre tristezas e alegrias, prazeres e sofrimentos.


Nem toda sadhana é para qualquer pessoa. Sadhana está diretamente associado à maturidade espiritual de cada pessoa. Nem todas as pessoas se encontram em uma mesma perspectiva em relação à jornada espiritual. A maturidade espiritual revela o quanto cada um expressa, em si mesmo, os mais elevados princípios da Vida Divina. A autorrealização espiritual, isto é, a total integração da alma individual com o Ser Supremo, somente é alcançada por aqueles que se encontram em um nível de maturidade espiritual elevado.


As almas individuais, ao emergirem no mundo fenomênico, iniciam a sua jornada de autoconhecimento. Essa jornada, muitos denominam como a “jornada do herói”, enquanto outros, falam de “processo de individuação”. A jornada do autoconhecimento ou do “retorno ao lar”, diz respeito a tudo aquilo que já vivemos, a tudo o que ainda iremos viver, a tudo o que estamos vivendo no momento, quem somos, o que já fomos e o que nos tornaremos. Trata-se de um longo caminho a ser percorrido, a verdadeira “peregrinação da alma”.


Assim, nem todas as almas se encontram preparadas para práticas espirituais mais elevadas. Em um estudo da Spiritual Research Foundation, a maturidade espiritual da humanidade, nos dias atuais, se encontra entre 20-29% do nível espiritual em cerca de 63% da população mundial. O nível de 20-29% da capacidade espiritual, onde se encontram mais de 4,5 bilhões de pessoas, significa que essas almas estão vulneráveis a todo tipo de negatividade, mentiras, enganos, corrupção, falsidades e hipocrisias que geram violências em todas as formas de manifestação.


No nível espiritual de 20-29%, as pessoas pouco tem interesse na espiritualidade; são almas que ainda devem trilhar um longo percurso rumo à liberação final. Essas pessoas operam no domínio da emoção, e são os estímulos do ambiente que comandam suas reações. Se seus desejos não forem prontamente atendidos, se revoltam e reagem com agressividade e estupidez. O egoísmo é a característica dessas almas, que se encontram na infância da espiritualidade.


Esse mesmo estudo indica que 33% da população mundial, ou 2,4 bilhões de pessoas, encontram-se em um nível espiritual entre 30-39% da capacidade de desenvolvimento da espiritualidade. Nesse nível, as pessoas professam uma religião, acreditam em seus dogmas e participam dos rituais; também podem se interessar pela leitura de livros recomendados, bem como participar de peregrinações aos lugares considerados sagrados. Em algumas já desponta uma curiosidade mais ampla sobre a dimensão espiritual da existência, quando iniciam uma busca pelo entendimento. Elas se situam no domínio dos sentimentos e ainda sentem forte atrativo pelos prazeres do corpo e satisfação do ego. Ainda que sejam capazes de controlar os repentes da emoção, contudo, ainda adolescentes na jornada espiritual, essas almas sofrem quando suas expectativas não se realizam.


Os mais determinados a seguir a vereda da espiritualidade, optando por um caminho singular, são as almas que se encontram no nível espiritual entre 40-49%. Isso corresponde, conforme o estudo analisado, a cerca de 300 milhões de pessoas, ou 4% da população mundial. Essas almas, vivendo a idade adulta de sua peregrinação terrena, rompem com as religiões institucionalizadas, pois compreendem que seguir dogmas e rituais de alguma religião em particular, acaba por se tornar um obstáculo ao seu pleno desenvolvimento espiritual. Elas se situam no domínio da reflexão. Embora ainda estejam vulneráveis às armadilhas da satisfação do ego, essas almas procuram agir em prol do bem comum e em defesa dos seres vivos em geral.


Na faixa de 50-69%, o número de pessoas de elevado nível espiritual, considerando a população mundial, reduz-se drasticamente, para poucos milhares. Assim, conforme se avança no autoconhecimento, conforme a alma desperta e amadurece na senda da espiritualidade, revela-se cada vez mais a presença da Luz Divina na vida terrena dessas almas. Elas se situam no domínio da autoconsciência, pois já percebem com mais nitidez que o ego e a personalidade não correspondem àquilo que elas se constituem em sua essência. Essas almas vislumbram o Ser Interior e com ele se estabelece uma comunhão que lhes revela a Realidade.


Um nível espiritual acima de 70% equivale a um número de pessoas, relativamente à população mundial, praticamente insignificante. Essas almas raras, por já terem vivido muitas vidas, muito também já aprenderam e evoluíram. Elas se guiam pela sabedoria e a compaixão, transbordam amor, paz e felicidade. Elas se situam no domínio do espírito, ou seja, da comunhão com o Ser Interior e da comunicação direta com o Ser Supremo, de onde recebem as mais elevadas instruções para finalizar a sua peregrinação.


Conforme avançam no autoconhecimento, essas almas expressam cada vez mais os elevados princípios da Vida Divina em sua jornada terrena, pois lhes foi concedido do Alto a plena compreensão de que o Ser Supremo habita em cada ser vivente, que Ele está em tudo e todos, e que as diferenças entre as miríades de manifestações do Ser Supremo são ilusórias, pois são apenas distinções de nome e forma - namarupa. A essência é a mesma em todos, e é na diversidade que se encontra a Unidade.


É a elevada força espiritual dessas poucas centenas de almas iluminadas, cuja energia vibra na frequência eterna do amor, da paz e da felicidade, que ainda sustém a mínima harmonia e a serenidade entre a humanidade, e entre a humanidade e os demais seres vivos do planeta. Pois, se a sustentação da vida terrena dependesse de mais da metade da população humana, de baixo nível na escala espiritual, de certo, o planeta já estaria destruído e todos os seres vivos já estariam extintos.


Temos que salientar que o nível espiritual nada tem a ver com a condição socioeconômica, com etnia, cultura ou nível de intelectualidade. Em todos os níveis espirituais, do mais baixo ao mais elevado, encontram-se pessoas de todos os tipos, de diversas condições sociais, de culturas distintas e nível de inteligência. Portanto, de um lado, encontraremos pessoas simples, de vida rústica, pobres socialmente, mas, altamente espiritualizadas; e, no outro extremo, encontraremos pessoas bem-sucedidas na profissão, inteligentes, realizadas socialmente, porém, de baixo nível espiritual. E os opostos também são verdadeiros.


Considerando, portanto, o nível espiritual, como dissemos, nem toda sadhana é para todas as pessoas. Aqueles que se encontram em baixo nível na escala espiritual (20-29% da capacidade de expressar a espiritualidade em sua plenitude), não conseguem se ajustar a nenhuma disciplina. A vida espiritual para essas pessoas é quase uma total obscuridade. Operando no nível emocional, desdenham de qualquer referência à espiritualidade. São pessoas que, quando não conseguem o que querem, tentam de tudo até por meios ilícitos e fraudulentos, e reagem como cães raivosos, atacando e culpando a todos e a tudo pelas experiências que consideram malsucedidas. Sadhana para essas almas infantis é a observância das leis sociais, que são um freio aos seus impulsos emocionais desordenados e egoístas. Aprender a acatar as leis sociais e as regras da boa convivência coletiva, é o primeiro passo, para essas almas, em direção à Vida Divina.


Entre aqueles que se encontram na faixa correspondente a 30-39% ou razoável nível espiritual, as práticas espirituais como o yoga, por exemplo, são percebidas tanto como uma oportunidade para melhorar a saúde do corpo e da mente, quanto para obterem alguma informação mais consistente sobre as questões pertinentes à espiritualidade. Operando no nível dos sentimentos, essas pessoas sentem um impulso em direção à espiritualidade, porém, ainda se encontram enredadas em muitos aspectos do ego e da personalidade. Caso não estejam atentas, entretanto, o yoga que praticam pode transformar-se numa atividade sem significado espiritual, apenas um momento para livrar-se das tensões emocionais do dia-a-dia ou uma oportunidade para pertencer a algum grupo de pessoas que fazem “coisas legais” ou “politicamente corretas”.


Essas são pessoas que alternam períodos de tranquilidade emocional, com momentos de agitação dos pensamentos. A melhor sadhana para essas pessoas é a prática de asanas e pranaymas, para estimular a atenção, a concentração e o relaxamento, visando a restabelecer a harmonia e a serenidade interior, para que elas alcancem uma percepção mais clara da realidade. O estudo dos yamas e nyamas e, mais do que isso, o esforço para seguir esses preceitos no dia-a-dia, também é fundamental para a sadhana dessas almas adolescentes.


As almas adultas, aquelas que se encontram no nível espiritual de 40-49%, se beneficiam de práticas mais interiorizadas. Considerando o yoga como sua prática, além de asanas, pranaymas e a observação de yamas e nyamas, a disciplina espiritual dessas almas inclui o estudo mais amplo das escrituras sagradas e a meditação. Por exemplo, dedicar-se ao estudo do Bhagavad Gita é o início de uma importante via de acesso ao yoga, ou seja, o Caminho do Conhecimento ou Jñana yoga. No caso da meditação, esta deve ser voltada para a aquisição da atenção plena e da serenidade, atuando no domínio do corpo-mente, isto é, das sensações, das emoções, dos pensamentos e dos sentimentos.


No nível de 50-69%, o estudo aprofundado das escrituras sagradas (das Upanixades, por exemplo), e a meditação, tornam-se a principal sadhana. A manutenção da saúde do corpo continua a cargo de asanas e pranaymas. Avançado no desenvolvimento da atenção plena e da serenidade, com a mente purificada de seus conteúdos condicionantes, a meditação se volta agora para a percepção do Ser Interior. A meditação com o mantra So Hum leva a uma profunda contemplação da verdadeira identidade da alma, ou seja, o Ser Interior, que se constituiu na base existencial de todas as identidades transitórias da alma em suas jornadas terrenas. So Hum ou “Aquilo que Sou”, liberta a alma do ego e da personalidade passageira, reconstituindo a verdade sobre a sua essência.


Acima do nível espiritual de 70%, a sadhana mais relevante é a meditação. Nesse elevado nível na escala espiritual, os ensinamentos não se originam mais das leituras sagradas. A alma, identificada com o Ser Interior, tem acesso às mais elevadas instruções recebidas diretamente pela comunicação com o Ser Supremo. A meditação se expande para além do “Aquilo que Sou”, para abarcar todo o Universo manifestado e a Realidade Absoluta que a tudo manifesta e nela se oculta. Hari Om Tat Sat ou “Aquilo é Real”, significa que toda criação, todo o Universo, é a própria manifestação da Presença Divina. O Invisível se encontra no visível; o Absoluto está em todas as partes. Ou seja, aquilo que vejo com meus olhos é idêntico àquilo que meus olhos não veem; o manifesto e o Imanifesto, ambos são a mesma coisa.


Em suma, toda sadhana é uma prática que nos leva a refletir sobre aquilo que somos, nosso lugar no Universo e nossa responsabilidade para com todos os seres vivos. Trata-se de um processo de autoconhecimento que nos revela quem, de fato, somos; sadhana, seja qual for o estágio evolutivo em que se encontra a alma, é o momento de aprender, refletir e contemplar sobre a nossa natureza constitutiva, que é prakriti (a matéria e a substância) e purusha (o princípio vital e o espírito).


Qualquer que seja a disciplina espiritual, esta exigirá do praticante – isto é, da alma que busca o autoconhecimento – estudo e prática. Estudar e praticar, conforme descrito em uma passagem do Vishnu Purana (um antigo texto religioso), em uma metáfora, são os dois olhos que devemos manter sempre abertos para termos a visão clara da Realidade.


Sadhana é uma atividade excepcionalmente preciosa, que não deve ser vulgarizada e posta ao alcance dos olhos do público. O peixe é vendido em lojas abertas ou ar livre, em plena rua. Os diamantes, porém, são vendidos em lojas fechadas, que só admitem genuínos compradores, e são guardados em reforçadas criptas subterrâneas. O sadhana é mais valioso que todos os diamantes. A disciplina espiritual perderá muito, se praticada a céu aberto.

(Sathya Sai Baba)










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