[...] independente da idade, enfermidade ou inflexibilidade, se houver respiração e mente, então pode existir yoga
(KAMINOFF & MATTHEWS, 2013)
É com a frase acima que os autores Leslie Kaminoff e Amy Mattews encerram o tópico Tudo aquilo que precisamos já está presente, do livro Anatomia do Yoga. O propósito do livro em questão é apresentar os detalhes mais valiosos sobre anatomia para pessoas envolvidas com a prática de Yoga. A abordagem dos autores é muito interessante, pois o livro que objetiva detalhar o trabalho físico que ocorre durante uma determinada prática - Yoga - já anuncia, em suas primeiras páginas a boa notícia de que a performance extraordinária não a define.
O livro assume uma postura oposta ao entendimento de que a busca pelo verdadeiro eu ocorra pelo caminho místico, em algum plano não material. Isso não quer dizer que os autores desvinculem o Yoga da espiritualidade. Ao contrário, eles defendem essa ideia, associando a espiritualidade com a respiração e pontuam a importância de se conhecer o próprio corpo em tal processo. Eles assim explicam:
[...] para que possamos ir fundo dentro de nós mesmos, precisamos conhecer nossos corpos físicos. Com isso, compreenderemos não apenas nossa anatomia, mas também experimentaremos diretamente a realidade que dá origem aos conceitos centrais da yoga. Essa é a verdadeira experiência de incorporação da espiritualidade. Nós fazemos uma distinção clara entre místico (a crença da percepção de uma realidade sobrenatural experimentada por meios extrassensoriais) e espiritual (do latim spiritus, que significa respiração, o princípio inspirador, sensitivo ou vital do indivíduo) (p. xiv).
Os autores justificam a relação mútua entre Yoga e Anatomia associando a fundamentação dos princípios básicos do Yoga com uma apreciação sutil e profunda da construção do sistema humano, no qual o sujeito do Yoga é o eu, e o eu seria um dos atributos do corpo físico.
A prática do Yoga, se coloca como uma herança recebida em forma dos ensinamentos antigos. A observação sistemática da vida em todas as suas formas de expressão produz transmissão de conhecimento. Nas práticas yogins, as atitudes são orientadas sempre para o discernimento entre aquilo que pode ser alterado pelo indivíduo e aquilo que não pode. Em outras palavras, o indivíduo se mantém alerta entre Svãdhyãya e Íshwara pranidhana.
O Svãdhyãya é configurado pela busca pelo autoconhecimento e análise sincera sobre nós mesmos, o que somos e qual o nosso propósito e, portanto, é aquilo que podemos trabalhar seriamente para mudar (Tapas). Íshwara Pranidhana é a autoentrega, a confiança e o respeito à grandiosidade da vida e do universo e a certeza de que muitas coisas não estão submetidas apenas a nós, e portanto, não as poderemos mudar. Em algumas situações, poderemos mudar coisas difíceis, mas o caminho será longo, e a energia a ser empreendida na causa, será muita. Nessa conjuntura, está nosso esforço com a melhoria de nossos corpos físicos, emocionais, cognitivos, espirituais.
Retomando a análise de Kaminoff & Matthews, é necessário saber o que há dentro do ser para poder entender essa relação de possibilidades delineada pelas resistências e pelas mudanças e empreender os esforços. O estudo da anatomia, sobretudo se estiverem incluídos os sistemas de respiração, como afirmam os autores, contribui na busca e na compreensão das coisas que estão sob o domínio do indivíduo, e na percepção do que nosso poderá ser modificadas ou não.
A respiração em si é vista pelos autores como uma grande mestre, capaz de profundos ensinamentos. Trata-se de algo de natureza dupla, que pode ser voluntário ou autônomo e demonstra como algo pode ser controlado, alterado ou apenas seguir de forma fluida, da mesma maneiras que é possível ver e trabalhar as questões pessoais ou universais durante as jornadas de desenvolvimento.
Nesse contexto que hospeda Yoga e Anatomia, a força vital se expressa por meio do movimento do corpo, e também da respiração e da mente. O corpo é entendido como o laboratório das experimentações, comum a todos os praticantes de Yoga, que vale ser explorado e investigado e nele, especialmente a respiração e coluna vertebral, se relacionam com todas as suas outras estruturas, e portanto, são elementos de suma importância para serem estudados, analisados e preservados em suas melhores formas.
Como já apregoaram os iogues da antiguidade, os seres humanos seriam dotados de três corpos: o físico, o astral e o causal e a anatomia do Yoga, conforme Kaminoff & Matthews, se apresentaria como o estudo das sutis correntes de energia que fluem entre as camadas ou invólucros de cada um desses três corpos. Os autores visam, assim, não trabalhar para reafirmar ou refutar as teorias dualistas corpo e mente, mas partem de um princípio de que as pessoas possuem um corpo com um sistema físico e cognitivo, que se mantém em movimentos de inspiração e expiração, dentro de um campo gravitacional e que poderão ser muito beneficiadas se puderem fazê-los com menos esforço e de maneira mais eficiente. Esse pensamento começa a dar forma à definição de prática de yoga proposta pelos autores: a integração de mente, respiração e corpo.
Entre os princípios que regem a prática do Yoga, lembram os autores, está a tarefa de remover obstáculos que impedem o funcionamento natural de nossos sistemas. O ensinamento do Yoga, portanto, contribui para a compreensão da essencialidade para aquilo que nos faz feliz e saudáveis, ou seja, é tudo já está presente em nossos sistemas, cabe a nós conhecer o que somos e identificar os obstáculos, para podermos agir em função de suas remoções, assim como o fazendeiro que corta uma barragem para permitir que a água flua para o campo onde ela é necessária (p.xv).
Abre-se, desta maneira, um vasto campo para investigação e formação do saber que alia a prática milenar, com o conhecimento científico, no qual o laboratório onde se realizarão as experimentações será o corpo, em consonância com cada ritmo e cada conformação, sem que se busque nenhuma espetacularização.
Pratique Yoga, desperte e avance!
Om Shanti.
Referências
KAMINOFF, L.; MATTHEWS, A. Anatomia do Yoga. Guia ilustrado de posturas, movimentos e técnicas de respiração. 2 ed. Barueri, SP: Manole, 2013.
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