O antídoto contra a ignorância é o conhecimento (vidya), que é definido, coerentemente, como o conhecimento das Quatro Nobres Verdades. O primeiro vislumbre das Quatro Nobres Verdades é quando se “entra na corrente” (sotapanna), um estado conhecido como “despertar para o Dharma” (dhammabhisámaya). Despertar para o Dharma de modo algum é uma tarefa fácil, porém, sem fazê-lo, é impossível pôr fim ao sofrimento. Por isso, o Buda exortava insistentemente os seus discípulos a “fazer um esforço extraordinário” para se alcançar o despertar para essas verdades.
(Bhikkhu Bodhi, monge budista)
A prática do yoga pode ser realizada por diversas vias. Em outros textos, já falamos sobre isso. Apenas como recordação, temos o Karma yoga, o Bhakti yoga, o Jñana yoga e o Raja yoga como as principais vias de acesso ao caminho da espiritualidade àqueles que estudam e praticam o yoga. Uma dessas vias, o Jñana yoga, diz respeito ao acesso ao caminho da espiritualidade pela via do conhecimento.
O Buda alcançou a sabedoria da vida por meio do conhecimento supremo, que despertou sua consciência e iluminou a sua jornada terrena. Após muitos anos de dedicação e esforço, a Realidade que permeia todos os seres que se manifestam na existência terrena foi revelada ao Buda. Sob a sombra de Banyan, a árvore sagrada da Índia, ele alcançou a iluminação espiritual e nos legou a sua sabedoria.
A verdade revelada ao Buda, pelo insight que despertou sua consciência, apontou para a condição precária ao qual se encontra qualquer ser vivo que se manifesta no mundo terreno: a vida é sofrimento (dukkha). Sofrer é a sina de todo ser vivente, e parece não haver escapatória a essa cruel sentença.
Mas não foi apenas essa verdade que se revelou ao Buda. Pois, apenas para dizer que a vida é sofrimento, basta observarmos o nosso entorno: quantos males causamos a nós mesmos e a aos outros. Provocamos mortes, misérias, injustiças e destruição por onde passamos. Toda a barbárie que incitamos é originada pela ilusão de que podemos ludibriar a primeira verdade revelada ao Buda que, por sinal, desconhecemos.
Essa ilusão provém de nossa ignorância sobre a verdade primordial de que “a vida é sofrimento”. E por desconhecermos a realidade dessa cruel sentença que carregamos sobre os ombros, acreditamos que basta perseguir a felicidade para, enfim, um dia, alcançá-la. Entretanto, pelo véu da ignorância que encobre a visão correta da vida, buscamos a felicidade – a antítese do sofrimento – por vias tortuosas, por caminhos incertos que, ao invés de nos afastarem do sofrimento, nos levam ainda mais para o torvelinho da insatisfação e do desespero, e para o turbilhão da angústia e da agonia. E assim, mais maldades e destruição causamos ao mundo. Isto é o samsara, o ciclo infindável do sofrimento.
Portanto, a segunda verdade revelada ao Buda é, exatamente, a origem do sofrimento (samudaya). O sofrimento se origina pelo fato de desconhecermos a primeira verdade. Como ignoramos o fato de que a vida é sofrimento, “lutamos bravamente”, contra tudo e todos, para conquistarmos nosso “lugar ao sol”. É pela ignorância (avidya) que se instala em nós o apego e a aversão pelas coisas do mundo. Por acreditarmos, equivocadamente, que a nossa natureza é o corpo/mente, desejamos satisfazer voluptuosamente os sentidos corporais e as percepções mentais com tudo o que consideramos prazeroso, e afastamos, veementemente, tudo o que julgamos doloroso.
Porém, ao Buda lhe foi revelado que o sofrimento pode ser combatido. Sim, o sofrimento pode cessar. O fim do sofrimento (nirodha) é a terceira verdade revelada ao Buda. Embora o sofrimento parece não ter fim, já que nascemos, envelhecemos, adoecemos e morremos – e desperdiçamos a nossa vida em ilusões e fantasias – o Buda nos ensinou que o sofrimento pode ser cessado. A cessação do sofrimento pode ser realizada com a prática do yoga. Estudar, refletir, contemplar e meditar – eis a via do conhecimento que nos conduz à libertação do sofrimento.
O estado de consciência de quem realizou a cessação do sofrimento é denominado de nirvana. Paz interior e sensação contínua de plenitude, assim podemos descrever a consciência estabelecida em nirvana. O conhecimento (jñana) é o antídoto contra a ignorância e, ao realizarmos o conhecimento por meio das práticas do yoga, então, despertaremos a consciência para uma vida de harmonia, sabedoria e compaixão.
O Buda nos legou, para tanto, um método contemplativo denominado Satipatthana, cujo propósito é estabelecer a atenção plena (sati). Nesse método, aprendemos a nos manter concentrados no objeto de contemplação. Manter a concentração ininterrupta é shamata, ou seja, quando conseguimos permanecer focados em um objeto por um tempo prolongado. É somente desenvolvendo shamata, essa tranquila concentração, que poderemos observar com clareza a origem do nosso sofrimento. É no estado de shamata (mente tranquila) que emerge vipassana, a verdadeira sabedoria.
A prática de Satipatthana se direciona à contemplação do corpo e suas sensações que surgem e desaparecem, e da mente e seus conteúdos, que surgem e desaparecem. É no corpo e na mente que mantemos o foco. Assim, é na atenta observação dos fenômenos que surgem e desaparecem no corpo/mente, sem apego ou aversão, que desenvolvemos a capacidade de permanecermos em completo equilíbrio e tranquilidade, mesmo em meio às correntes conflitantes das experiências.
É na prática de Satipatthana que emerge a plena consciência, o que significa estar totalmente imerso no momento presente. A plena consciência, que surge da atenção plena, nos leva a “ver as coisas como elas são” (vipassana). Essa qualidade extraordinária de ser capaz de ver claramente a realidade é um estado de consciência livre de qualquer obstrução do corpo/mente, que nos permite a experiência direta daquilo que nos afeta e nos distrai, gerando uma profunda compreensão de como se origina o nosso próprio sofrimento e de como podemos nos libertar dele. Buddhagosa, filósofo budista do século V, em sua obra Visuddhimagga (O Caminho da Perfeição) considerou vipassana como a “sabedoria excelente” e o único meio que pode levar o iogue a acabar com o sofrimento.
Vimos, então, que há uma via de acesso para o fim do sofrimento. Praticar yoga nos conduz ao caminho da libertação do sofrimento. Ao Buda também lhe foi revelado os detalhes desse caminho espiritual, ou seja, quais são as nossas responsabilidades e competências para que possamos ter o domínio de nossas ações, palavras e pensamentos. Ou seja, para se alcançar o Nirvana, temos que seguir o Dharma, que podemos traduzir como “o caminho para a verdade”.
O caminho definitivo para a cessação do sofrimento (magga), portanto, é a quarta nobre verdade, e isto significa seguir o Dharma. O Dharma budista é um conjunto de oito práticas, denominadas de Nobre Caminho Óctuplo, também conhecido como Caminho do Meio (madhyamā-pratipad). Seguir o Dharma, portanto, é realizar o cumprimento dessas oito práticas: (1) entendimento correto, (2) pensamento correto, (3) linguagem correta, (4) ação correta, (5) modo de vida correto, (6) esforço correto, (7) atenção plena correta, (8) concentração correta.
Completa-se, assim, as Quatro Nobre Verdades (catvāri āryasatyāni) que foram reveladas a Sidarta Gautama Shakyamuni quando este, sob a sombra de Banyan, alcançou a correta compreensão da existência, tornando-se, então, o Iluminado (Buda). Foi pela prática constante no yoga, pelo esforço e dedicação, que Buda, o Thatágata, alcançou o Conhecimento, a Verdade e a Realidade, realizando, assim, o objetivo maior da existência terrena.
Estude e pratique yoga. Mas estude e pratique agora!
As Quatro Nobres Verdades são reais, infalíveis, e não o contrário. Por isso elas são chamadas de nobres verdades. E porque são benéfica e pertencem aos fundamentos da vida divina, conduzem à dissipação do sofrimento, nos levam à paz, ao conhecimento direto, à Iluminação, ao Nirvana; por isso as declarei (Buda)
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