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Foto do escritorMarcelo Augusti

YOGA E DHARMA







O ser humano possui grandes potenciais latentes dentro de si. Seu corpo e mente são como terras não cultivadas e sem semeadura. Um agricultor sábio ara seu campo (ksetra), dando-lhe água e adubo, plantando as melhores sementes, cuidando da colheita com atenção e, em última instância, obtém boa safra. Para o praticante (sadhaka), seu próprio corpo e mente são o campo que ele ara com energia e ações corretas. Ele semeia-o com as melhores sementes do conhecimento, irrigando-o com devoção, cuidando com implacável disciplina para obter a colheita da harmonia e da paz. Ele então torna-se o sábio dono de seu campo (ksetrajña) e seu corpo torna-se um lugar sagrado, uma morada de infinita bem-aventurança (B.K.S. Iyengar)



O que é o dharma? Dharma é um termo do hinduísmo e que indica muitas coisas, dentre as principais: dever prescrito e lei universal. Dever prescrito significa agir de acordo com aquilo que foi estabelecido como norma de conduta social ética e justa. Exemplo: qual o dever de um policial? Fazer “justiça” ou proteger as pessoas? Fazer justiça cabe aos magistrados, não às forças policiais. Diz o Bhagavad Gita: melhor cumprir o dever prescrito, ainda que imperfeitamente, do que cumprir o dever alheio, ainda que perfeitamente. Logo, o fim não justifica os meios.


Lei universal é o procedimento correto com todos os seres vivos; é estar em serenidade e harmonia com o fluxo natural da vida, aceitando de boa vontade o que a vida nos traz, compreendendo que nada, em si e por si, é bom ou ruim, mas tudo é uma questão de disposição de como recebemos, com alegria, tristeza ou indiferença.

Indiferença, na linguagem espiritual, é ser imparcial; significa confiar e ter a certeza de que tudo o que nos sobrevém, é disposto por um poder superior, cujo propósito é elevar a nossa consciência por meio de um aprendizado necessário, para exercitarmos o amor e a paz e, assim, nos libertarmos das dualidades do apego e aversão.


Seguir o dharma é o caminho para a verdade, a realidade e a libertação. O modo mais prático de compreender o dharma é refletir sobre o provérbio “faça aos outros o que gostaria que fizessem a você”. Ao invés de buscar “os seus direitos”, procure antes saber quais são “os seus deveres”. Não espere que os outros façam algo por você, mas pergunte o que você pode fazer pelos outros. Ao invés de esperar por recompensas (“o que vou ganhar com isso?”), coloque-se sempre à disposição para servir de boa vontade. Isto é o dharma.


Na leitura do Bhagavad Gita, encontramos importantes ensinamentos sobre o dharma. Logo na primeira estrofe, o simbolismo que ali se faz presente nos revela o conhecimento sobre o dharma em toda a sua amplitude e profundidade. Os termos que ali aparecem, e que são a base da interpretação dessas metáforas da “Canção do Senhor”, são dharma-ksetra kuru-ksetra.


Esses termos se referem à vida como um “campo de batalha”. Como escreveu o poeta Gonçalves Dias, “a vida é luta renhida, viver é lutar”. É nesse “campo de batalha” da vida, que cada um de nós trava, diariamente, intensos embates contra os medos, as inseguranças e as aflições que nos assolam, diante das tantas contradições da existência humana. Mas, podemos ir um pouco mais além nessa compreensão.


Conta-se, no Mahabarata, o épico do hinduísmo e no qual o Gita é um capítulo, que Kuru, um proeminente rei hindu, fez de seu território um lugar maior da expressão da espiritualidade. Ele arou o seu campo (ksetra), e nele lançou as sementes das virtudes. Quando Indra, a divindade maior celeste, que nos concede a prosperidade e a felicidade na Terra, disse a Kuru que lhe pedisse alguma dádiva, o rei lhe solicitou que o seu campo permanecesse eternamente um local de peregrinação, e que qualquer pessoa que ali viesse a morrer, independentemente de seus atos, fosse conduzida diretamente ao Céu.


A princípio, Indra apenas sorriu, desconsiderando o pedido do rei. Mas Kuru, trabalhou ainda mais, arando com ardor e expiando seus erros, mantendo-se sempre justo com todos. Indra, então, reconsiderou a sua decisão; porém, um acordo foi feito entre eles: que todos que ali morressem, iriam para o Céu, desde que, cada morte, fosse acompanhada de uma vida de sacrifício e justiça. Assim, o campo de Kuru (Kuruksetra), tornou-se tanto um campo de batalha, quanto o território da sabedoria e compaixão.


Em metáfora, Kuruksetra representa o corpo onde a alma se encarna. Todas as tramas da existência humana se desenrolam e desdobram no corpo, este campo de batalha e território de sabedoria e compaixão. O corpo, assim, é kuru-ksetra (“campo de sacrifício”), mas é também dharma-ksetra (“campo da justiça”). Ou seja, o corpo é o local sagrado onde aprenderemos, pelo estudo e prática do yoga, a agir com imparcialidade (dharma) no “campo de batalha” da vida, para nos libertarmos das contradições da existência humana.


O corpo é o ponto convergente de toda dualidade: do bem e do mal, do pecado e da virtude, da luz e da escuridão, do certo e do errado; por isso, o corpo é, ao mesmo tempo, o espaço que se configura como “campo de sacrifício” e “campo da justiça”, pois nele se encontram todas as nossas possibilidades de ação, de se mover no tabuleiro do jogo da vida.


Entre as infinitas possibilidades de ação, nesses movimentos em que o corpo transita entre os pares de opostos, ora experimentando prazer ora experimentando sofrimento, são os desejos, os apegos e aversões que determinam as direções a seguir. Renunciar aos apegos, aversões e desejos é o sacrifício a ser realizado nesse campo; aceitar o fluxo natural da vida como expressão de uma vontade suprema é a justiça a ser realizada nesse campo.


É pela renúncia e aceitação que a serenidade e a harmonia poderão emergir de nosso “mundo interior”, fazendo-se sentir e perceber em nosso “mundo exterior”. Se a vida se apresenta a nós como “campo de batalha”, onde o corpo é o protagonista de uma saga entre a mente (a força das dualidades) e a consciência (o poder da integração), dharma e yoga são os meios que nos conduzem à libertação dessa luta incessante.


Yoga e dharma são aspectos da mesma realidade perfeita e imutável, ou seja, daquilo que é Real enquanto verdade absoluta. Se a vida é um aprendizado, um “campo de semeadura”, onde cada passo que damos pode se transformar em uma semente lançada no solo, e onde colheremos exatamente o que plantamos, nada a mais e nada a menos, então, o aprendizado tem que ser completo, tanto no “mundo interior” (por meio do yoga), quanto no “mundo exterior” (pelo dharma). Ou seja, se as coisas não acontecerem nos “dois mundos”, não acontecerão em lugar algum.


É por meio do sacrifício e da justiça, portanto, que a vida, em toda a sua plenitude, se revelará a nós não como “campo de batalha”, porém, como um “campo de bem-aventurança". Sacrifício no sentido de direcionar a atenção àquilo que, de fato, nos liberta, ou seja, a autorrealização espiritual; e justiça, como ação e prática isentas de julgamentos e preferências pessoais.


Podemos dizer que o dharma é o “ponto de equilíbrio”, para que o yoga nos mostre o “caminho do meio”, e este seja percorrido com equanimidade, simplicidade, generosidade e humildade. É por meio do yoga que poderemos controlar o corpo, dominar a mente e despertar a consciência; é por meio do dharma que aprenderemos a lidar, com sabedoria e compaixão, com todas as circunstâncias da vida. Então, vida e corpo, em harmonia, não mais se confrontarão, mas se constituirão no tempo e espaço sagrados para a plena realização da paz, do amor e da felicidade.


Hari Om Tat Sat.


Este conhecimento é o rei das ciências e o mais profundo de todos os segredos. Purifica aqueles que o ouvem. É diretamente realizável, de acordo com o dharma, fácil de praticar e de efeito duradouro. Pessoas que não têm fé neste dharma são incapazes de Me alcançar, ó conquistador de inimigos. Eles voltam repetidamente a este mundo no ciclo de nascimento e morte (Bhagavad Gita 9:2,3)




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