Sua tarefa não é buscar a felicidade, mas apenas encontrar todas as barreiras que você construiu, dentro de si mesmo, contra ela (Rumi, poeta sufi, séc. XIII)
A felicidade é o que todos nós buscamos na vida, estejamos conscientes disso ou não. Por isso, evitamos coisas desagradáveis e sempre estamos em busca daquilo que nos agrada. Entretanto, buscar o que nos agrada e repelir o que nos desagrada, é seguir o princípio do prazer sensorial, que não é sinonimo de felicidade.
O prazer sensorial não é o parâmetro mais confiável na busca pela felicidade. Isso porque nossos sentidos corporais foram influenciados por nossa educação, cultura e sociedade, que nos disseram o que é agradável e o que é desagradável. Esta influência externa, ao condicionar a nossa percepção, fecha as portas da sensibilidade para muitas experiências que poderiam ser agraciadas, mas que são repelidas pela nossa incompreensão.
Geralmente buscamos a felicidade onde ela não se encontra; outras vezes, idealizamos a felicidade e a colocamos em um local tão distante que, por maiores que sejam nossos esforços, jamais a alcançamos. Isso lembra aquela canção, que diz “felicidade brilha no ar, como uma estrela, que não está lá”. Como alcançar algo que brilha no ar, mas não está lá?
Assim, equivocadamente, buscamos a felicidade nas coisas do mundo; depositamos nos objetos a felicidade e, quando os possuímos, neles não encontramos a felicidade. Também acreditamos, erroneamente, que a felicidade é estar em tal lugar, levar a vida de um determinado modo, viver em tal circunstância. Com o tempo, entretanto, descobrimos que não há combinação mágica para que a felicidade aconteça.
Muitos, ao perceberem que o mundo exterior não lhes conduz à felicidade, antes, apenas lhes trouxe frustrações, se aventuram dentro de si mesmos. Eles, então, abandonam o caminho trilhado pela vasta maioria da humanidade, evitam as buscas mundanas e se retiram, acreditando que, finalmente, sua busca interior os levará em direção à felicidade. Porém, sem a devida orientação, se perdem em seu próprio labirinto interior.
A ideia de felicidade, seja em relação à busca exterior ou interior, difere conforme as preferências de cada pessoa e, também, pelo seu nível de desenvolvimento espiritual. Mas é certo que a maioria da humanidade se satisfaz com a gratificação dos sentidos corporais, confundindo prazer com felicidade. Por não conhecerem aquilo que buscam, se satisfazem com sensações que julgam por agradáveis, por uma percepção mental condicionada.
Mas, porque o ser humanos tem tanta dificuldade em encontrar essa tal felicidade? Que busca é essa, seja fora ou dentro, que parece não levar a nada, e nunca tem fim? Por que somos impelidos à felicidade, e sequer damos atenção a saber do que se trata, afinal, a felicidade? Seria a felicidade apenas uma ideia ou, de fato, algo real?
O ser humano, pela ignorância de sua verdadeira natureza, desenvolveu forte apego ao corpo, ao qual considera como sendo a si mesmo. O corpo, portanto, tornou-se a identidade do ser humano; é com o corpo que ele se identifica, com suas sensações e percepções. Nesse contexto, é fácil entender como o prazer sensorial é confundido com a felicidade.
A questão do porquê não encontramos a felicidade, por mais que a buscamos (há quem tenha dito que perseguir a felicidade é um direito do cidadão livre), é que a felicidade não é algo a ser alcançado, portanto, qualquer busca será inútil. Tratar a felicidade como algo a ser buscado, seja dentro ou fora de nós, é o efeito de maya, isto é, do véu dourado que encobre nossa correta percepção da realidade.
Dissemos que o ser humano, por ignorância, se apega ao corpo como sendo a si mesmo. A ilusão de que “o corpo sou eu”, nos enreda em meio aos apelos dos sentidos corporais e de suas gratificações, confundindo as percepções mentais equivocadas também como sendo “eu mesmo”. Nos apegamos ao corpo-mente como sendo a nossa verdadeira natureza.
Mas o ser humano não é apenas um ser psicofísico. Ele é mais do que isso. Quando as trevas da ignorância se dissipam e a consciência se ilumina, o ser humano, então, percebe claramente a sua real natureza: Atman, ou seja, o Ser, a Presença, o Espírito. Atman é a verdadeira natureza do ser humano, que somente pode ser conhecido pelo despertar da consciência.
Quando a consciência desperta, a mente se ilumina; então, todas as percepções equivocadas podem ser reconhecidas, pois o véu de maya foi retirado. Quando alcançamos o entendimento correto de que nossa natureza constitucional não é o corpo-mente, o desejo pelas gratificações sensoriais vai se dissipando, e um senso de plenitude vai nos preenchendo.
O desejo pela satisfação dos prazeres sensoriais nada mais é do que o fruto de nossa carência primordial, isto é, aquela sensação de vazio interior que, por mais coisas que conquistamos no mundo exterior, jamais nos preenche. Porque o desejo é como um fogo que nunca se apaga, insaciável, e nunca diz “basta!”.
Essa carência representa a ignorância de nossa verdadeira natureza. É essa sensação de carência, de limitação e inadequação que nos impele à busca por algo além da matéria, além do corpo-mente. Substituir um desejo por outro, uma coisa por outra, uma pessoa por outra, um trabalho por outro, não passam de tentativas frustradas de aquietar o chama feroz do desejo.
Aqui temos uma valiosa informação que, se prestássemos atenção, o segredo da superação do desejo seria revelado. O princípio da busca da felicidade é exatamente esse: uma vez que encontramos algo melhor, superamos o desejo pela coisa anterior. Ou seja, se encontrarmos a fonte suprema da felicidade, todos os demais desejos serão dissipados.
Aos antigos sábios hindus (rishis), foi lhes revelado a verdadeira realidade da natureza do ser humano. Ao despirem-se do véu dourado da ilusão (maya), venceram a ignorância (avidya) e alcançaram o discernimento (viveka) e, assim, nos legaram seus valiosos ensinamentos sobre a felicidade. Eles se fartaram da própria fonte suprema da felicidade.
Esses ensinamentos estão inscritos nos Upanishads. Os Upanishads são textos de caráter esotérico, escritos há mais de 5 mil anos, e que revelam preciosos ensinamentos a todos que se aprofundam na prática do yoga. O tema principal dos Upanishads é a revelação da natureza de Brahman.
Brahman é o princípio divino que a tudo subjaz; é o Absoluto, o Espírito Infinito que é a origem e raiz de toda a consciência que evolui no Universo. Brahman é a causa e o efeito de tudo o que existe; imanente, porém, ao mesmo tempo, a tudo transcendente; é imutável, constante e eterno.
Os Upanishads afirmam que a natureza de Brahman é Sat, Cit e Ananda, isto é, Existência, Conhecimento e Felicidade. A revelação de Brahman se faz pela realização de Atman. Esse Atman é aquilo que somos em realidade, ou seja, o “Eu” verdadeiro, o Ser real, despojado do ego, da personalidade, do corpo e da mente.
Nos Upanishads, quando Atman é realizado, ou seja, quando despertamos a consciência para esse “Eu” verdadeiro, percebemos claramente a nossa real natureza, que é idêntica a Brahman. Se nossa verdadeira natureza é idêntica a Brahman, isto significa que somos Satcitānanda: consciência pura, existência plena e felicidade genuína.
Esta felicidade genuína é Brahmananda, a bem-aventurança que se atinge na união com Brahman; isto é yoga. Esta felicidade não pode ser medida ou comparada com qualquer prazer ou contentamento; ela sequer pode ser imaginada, pois a mente não a alcança. Brahmananda é a plenitude da consciência do Ser, e apenas no despertar da consciência é que se revela “aquilo que somos”.
Quando a alma se apega ao corpo-mente, quando ela se identifica com a matéria, ela se enreda nas ilusões das dualidades: prazer e dor; alegria e tristeza; certo ou errado, etc. Porém, quando a alma identifica-se com o Ser, ela reconhece a sua natureza divina e, como um espelho, ela reflete as qualidades do Ser: paz, amor e felicidade.
Já somos o que tanto buscamos, essa é a verdade das Upanishads do yoga. “Não existe diferença entre aquilo que vejo, e aquilo que está além da visão, pois ambos são idênticos” (Hari Om Tat Sat). Por isso nossas tentativas de buscar algo que já somos, são todas em vão. Não precisamos “correr atrás” ou perseguir a felicidade; basta apenas realiza-la em nós mesmos, permitir que a nossa essência divina se revele em nossa porção humana.
Mas realizar a felicidade não quer dizer que, a partir de então, tudo em nossa vida será apenas “flores e alegrias” ou "mil maravilhas". As questões do mundo continuarão a existir, nos interpelando; porém, o modo de lidar com elas não passará mais pelo peso das angústias e sofrimentos. Pois aprenderemos a viver a vida em sua plenitude.
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Seria mais fácil enrolar o céu inteiro num pedaço de tecido do que conquistar a verdadeira felicidade sem autoconhecimento (Svetashvatara Upanishad)
Aquilo que é infinito é apenas bem-aventurança; não há felicidade no limitado; apenas no infinito está a bem-aventurança, portanto, deve-se indagar apenas sobre o infinito (Chandogya Upanishad)
A vida no mundo e a vida no espírito não são incompatíveis. O trabalho, ou a ação, não é contrário ao conhecimento de Deus, porém, na verdade, ser realizado sem apego, é um instrumento para ele. Por outro lado, a renúncia significa renúncia do ego, do egoísmo – não da vida. A finalidade, tanto do trabalho como da renúncia, é conhecer o Eu interiormente e Brahman exteriormente, e perceber sua identidade. O Eu é Brahman, e Brahman é tudo (Ishavasya Upanishad)
O ser humano, na sua ignorância, se identifica com os invólucros materiais que envolvem o seu verdadeiro Eu. Ao transcendê-los, ele se torna uma coisa só com Brahman, que é pura bem-aventurança (Taittiriya Upanishad)
O Ser é a essência de toda a felicidade (Taittiriya Upanishad)
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A mudança não é uma consequência direta nem mesmo indireta do yoga ou de qualquer outra prática. Não podemos depender disso. O que podemos contar é com a possibilidade de obter de nossa prática do yoga uma mente mais serena – de alguma maneira as tensões emocionais desaparecem. No entanto, algo muito especial e pessoal precisa nos acontecer no momento certo, e deve nos tocar muito profundamente, para que, de repetente, queiramos parar, refletir e mudar o curso das nossas ações (T.K.V. Desikachar)
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