vācām atītaviśrāntir yoganidrā
O “sono profundo” (yoganidrā) é um estado de paz além das palavras.
(Ciñcinīmatasārasamuccaya, 7.164)
No entendimento comum, “estar desperto” é o que se convencionou a determinar como “estado de vigília”. A palavra “vigília” provém do latim vigilia, que significa “vigiar, permanecer atento, observar com atenção”. Trata-se de um estado ordinário da consciência do indivíduo, apta para a realização das tarefas comuns do cotidiano.
Considera-se, assim, que no “estado de vigília” o indivíduo se encontra, voluntariamente, em plena percepção de suas atividades sensório-motoras, ou seja, ele está “atento a tudo o que acontece”.
O “estado de vigília” ou "estar desperto”, conforme o entendimento do senso comum, se opõe e se complementa ao “estado de sono” ou "estar dormindo”, onde há uma redução da consciência das atividades corporais.
Dormir, do ponto de vista fisiológico, é algo inevitável e absolutamente necessário, pois é o “estado de repouso” por excelência, quando o corpo busca se regenerar (energética e plasticamente), dos desgastes do cotidiano.
A princípio podemos dizer que no “estado de vigília” a consciência se encontra desperta, isto é, em sua máxima capacidade de atenção e concentração ao corpo e suas atividades; enquanto que, no “estado de sono”, essa mesma consciência restringe a atenção e a concentração ao corpo e suas atividades.
Estar desperto ou dormindo, portanto, são estados variáveis da consciência; pois não há uma “consciência na vigília” e uma “consciência no sono”: a consciência é mesma em ambas as circunstâncias.
Deixando o senso comum e adentrando no contexto da espiritualidade, considera-se a vigília o estado mais grosseiro da consciência, e aquele que possui o menor potencial para a evolução espiritual. Ou seja, no "estado de vigília" é onde estamos menos "despertos".
No sono, o estado de consciência é sutil, pois, embora as atividades corporais se reduzem (em relação ao mudo exterior), há movimentos internos que ocorrem sem que tenhamos a clara percepção. Por exemplo, se soubermos explorar a capacidade de sonhar, podemos fazer avanços consideráveis na espiritualidade.
Além dos sonhos, os estados de consciência tornam-se cada vez mais sutis. Estas dimensões mais sutis da consciência constituem-se em um vasto e profundo manancial para a evolução espiritual. Entretanto, pela falta de clareza, desperdiçamos esse potencial.
O sono profundo é um desses estados de consciência de maior potencial para o progresso espiritual. O sono profundo, conforme nos explica a Ciência, diz respeito ao terceiro estágio do NREM (sono com movimento não rápido dos olhos), que correspondente ao grau de maior profundidade do adormecimento, onde “não temos consciência” de nós mesmos e do que ocorre ao nosso redor. Neste estágio, a pressão sanguínea, a frequência cardíaca e a frequência respiratória reduzem-se drasticamente; este é considerado o sono de “alta qualidade”. Podemos dizer, "o sono dos deuses".
Em textos como o Mahabharata (1.19.13), diz-se que Vishnu, o Adhyatma (“a Consciência Infinita que a tudo permeia e penetra”), reclinado em Sheshanaga (o rei das serpentes que sustenta o mundo manifestado), sobre o oceano cósmico, permanece em repouso profundo durante a “dissolução do universo” (pralaya), enquanto a deusa do sono (Yoganidrā), permanece aos seus pés.
Yoganidrā é o sono transcendental da “consciência infinita”. É somente em yoganidrā que transcendemos as noções de “eu”, “meu”, “outro”, pois tudo é “consciência imanifesta”. Yoganidrā é o estado de consciência absolutamente livre de distrações e perfeito para a "união mística com o divino" (yoga), pois é, ao mesmo tempo, relaxamento profundo (nidrā) e absorção completa (samadhi).
O “estar desperto”, portanto, é alcançar a dimensão mais profunda e sutil da consciência, o estado puro e luminoso do ser. Enquanto tal estágio não for alcançado, permanecemos “adormecidos” para o genuíno progresso espiritual.
Mas como essas dimensões mais sutis da consciência se constituem em um vasto e profundo manancial para a evolução espiritual? O que se alcança em yoganidrā é o estado de "consciência primordial". Porém, antes de se chegar a essa dimensão, passa-se por um estágio anterior: a “consciência substrato” (alaya vijñana), que nada mais é do que um “depósito de lembranças”.
A “consciência substrato” contém todas as memórias carregadas, não pelo indivíduo em si, mas por todas as “vidas vividas” pela “consciência individualizada encarnada”. É neste “depósito de lembranças” que cada pessoa pode acessar todas as manifestações dessa “consciência encarnada”, conhecendo todo o “arcabouço histórico” de seus karmas e dharmas.
O acesso a alaya vijñana, durante o sono profundo, nos leva ao conhecimento da configuração básica de nosso fluxo mental, que é formado no momento da concepção e que condiciona, em boa parte, os nossos modos de pensar, de sentir, de ser e perceber a existência fenomênica.
Em alaya vijñana, portanto, se encontram armazenadas todas as recorrências - sejam pensamentos, emoções, comportamentos e experiências – que determinam muito daquilo que somos “nesta vida” e do que seremos “na próxima”.
Esse “universo subconsciente” de alaya vijñana interage com o “universo consciente”, onde os mesmos se influenciam e modificam-se um ao outro ao longo da vida do indivíduo. É da influência mútua destas interações que ocorre o progresso espiritual ou o seu retrocesso.
A “consciência individualizada encarnada”, portanto, surge a partir da “consciência substrato”; e conforme sua atuação no mundo fenomênico, esta “consciência encarnada” provoca alterações no fluxo mental, seja no sentido de agravar a atuação programada pelo conteúdo original, de atenuar sua influência e originar um novo “arcabouço histórico” ou mesmo extinguir completamente o seu domínio.
A “consciência substrato”, portanto, é a fonte de todas as imagens e diálogos que surgem na mente (o fluxo mental recorrente), a origem de nossas aflições e sofrimentos, e da ignorância primal sobre a “essência” que nos constitui como seres humanos e divinos.
O acesso à “consciência substrato” nos revela as coisas do “mundo interior” que terão que ser modificadas para a evolução do processo de maturação espiritual. Ela é a porta que nos adentra no “caminho da sabedoria”, que se encontra na “consciência primordial”. Esta “consciência primordial” é fonte de virtudes como a compaixão, criatividade e sabedoria, e que dela emanam espontaneamente. A plena realização da “consciência primordial” é o que se conhece como “iluminação espiritual”.
O que foi dito até o momento sobre yoganidrā é que este se constitui em uma dimensão muito sutil da consciência. Mas haveria algum modo de alcançar tal dimensão? Durante os anos 1960, o Swami Satyananda Sarasvati desenvolveu e patenteou um sistema meditativo, denominado Yoga Nidra. Em 1976, foi publicado o livro que descreve as técnicas e os procedimentos metodológicos do sistema por ele elaborado, e que nos possibilitaria o alcance da dimensão mais sutil da consciência.
Segundo Satyananda, a meditação Yoga Nidra tem como principal objetivo, proporcionar um estado de profundo relaxamento físico e mental. Esse relaxamento profundo, de acordo com o Swami, induziria ao “sono ióguico” (yoga nidra), algo como um “sonho lúcido” que, por consequência, possibilitaria o indivíduo explorar sua “consciência substrato” e adentrar, eventualmente, nas camadas mais sutis da consciência.
A principal característica da meditação Yoga Nidra é o direcionamento sistemático da consciência pelo corpo. O termo sânscrito para esse “direcionamento da consciência” é nyasa, que significa, “levar a mente a um ponto e nele colocar a atenção”.
Essa “passagem” da consciência por várias partes do corpo, conforme ensina Sarasvati, desbloqueia o prana (energia vital) estagnado, põe o fluxo novamente em circulação, alivia a tensão local e induz ao relaxamento. Assim, com o corpo e mente relaxados, e a energia vital fluindo livremente, o praticante, segundo o Swami Satyananda, estaria apto a penetrar nas camadas mais profundas de seu ser.
Na prática, o indivíduo, de olhos fechados e em savasana (“postura do cadáver”), ouve as instruções do professor e direciona a consciência pelo corpo que, de modo sistemático e organizado, inicia-se pelo lado direito, indo do polegar da mão direita até o dedo mínimo do pé direito; em seguida, o mesmo é feito pelo lado esquerdo; depois, segue para a parte posterior, dos calcanhares à nuca; e finaliza o “escaneamento consciente” pela parte frontal, da testa até os pés. Atenção à respiração, visualizações e firme resolução (uma declaração breve, positiva e convicta), são outras etapas do processo.
Não podemos esquecer que, enquanto seres divinos, estamos imersos na aventura da experiência terrena; e enquanto seres terrenos, vivemos a aventura da experiência divina. Yoganidrā é o “sono ióguico”, onde adormecemos para a realidade mundana, transitória e impermanente, mas permanecemos despertos para a realidade espiritual, eterna e infinita.
Hari Om Tat Sat.
Sou puro, iluminado e plenamente consciente em todos os momentos. Nada pode perturbar o doce repouso da mente tranquila, da mente que descansa em qualquer circunstância, e que está ancorada na comunhão ininterrupta com o Divino (Yoga Vashista)
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