Sem lucidez não podemos ver as coisas como são. Há uma extraordinária beleza em ver as coisas como são, e não segundo as nossas opiniões, os nossos juízos e lembranças. Esta lucidez é essencial se queremos compreender o que é meditação (Jiddu Krishnamurti)
Yoga é a ciência da alma. É pelo estudo e prática do yoga que se alcança o discernimento (viveka) sobre a realidade. O discernimento é o resultado do autoconhecimento. O autoconhecimento é a investigação da natureza do ser, ou seja, é o conhecimento do “eu”. Yoga, portanto, é a ciência do autoconhecimento.
A prática do autoconhecimento está na atenta observação dos próprios pensamentos, sentimentos, emoções e sensações. Raros são aqueles que se propõem a conhecer as razões de seus pensamentos, palavras e ações. O comportamento geral das pessoas, sem que elas percebam, é dirigido por “forças inconscientes”, desejos e motivos ocultos.
Para o autoconhecimento, a purificação da mente é fundamental. Purificar a mente significar remover os conteúdos (as imagens) que nela se acumulam ao longo da vida, e que se configuram como tipos de pensamentos, palavras e ações tendenciosas. São essas tendências (“forças inconscientes”) que criam o mundo particular de cada pessoa.
A purificação da mente se faz pela meditação. Meditar é não fazer nada, não ir a lugar algum; é manter o corpo em quietude, e a mente em silêncio. Duas coisas difíceis de se conseguir, e que requerem firme convicção e constância. É pelo esforço perseverante que se aquieta o corpo e silencia-se a mente.
É no estado de quietude e silêncio que brotará o discernimento e, como consequência, emergirá o autoconhecimento. Autoconhecer-se significa conhecer o “eu”; então, “aquilo que não é” se dissolve, para “aquilo que é” resplandecer.
O maior obstáculo para o autoconhecimento é tudo aquilo ao qual nos identificamos e que, em conjunto, formam o senso de “eu”. Nome, idade, etnia, raça, religião, profissão, posição social, etc. tudo isso são coisas que, quando bem atadas, constituem a noção de “eu”, distinguindo-nos dos demais “eus”, e formando a nossa individualidade.
Mas, quando esse “eu” se apega às suas distinções, surge o “meu”, ou seja, a posse das identificações. Quanto mais intenso se torna o senso de “meu”, mais se expande o sentimento de exclusividade e, por conseguinte, a separação dos outros “eus”, tornando-nos individualistas.
Egoísmo é a doença do “eu”, do individualismo. É quando o “eu” se exacerba em suas fantasias de grandeza e ilusões de poder. Egoísmo é sofrimento: milhões de pessoas individualistas – que erguem uma barreira de preconceitos entre elas e os outros – vivem em um estado de “miséria interior”, ainda que não percebam.
O egoísmo é o desejo de ser outra coisa além de si mesmo; é a busca insana e frenética por “aquilo que não é”. O egoísmo é o que faz uma pessoa sentir-se especial – “eu sou isto, eu sou aquilo, eu sou melhor”. O ego não quer a integridade, pois se dissolveria no todo; ele somente mantém-se na divisão, na separação, no conflito, nas expectativas (“eu quero tornar-me isso, eu devo tornar-me aquilo”) e nas lembranças (“eu fui isso, eu fiz aquilo”).
Esse “eu”em nada tem a ver com a natureza do ser; é a esse “eu” que se observa atentamente, não apenas na prática da meditação, mas no dia-a-dia, e que se perceberá claramente como “aquilo que não é”. Na meditação, observamos atentamente os pensamentos (as tendências do “eu”) e, no dia-a-dia, estejamos alertas às palavras e ações. Se o que falamos e fazemos nos conduz ao sofrimento, isso é proveniente do “eu”.
Na meditação, “aquilo que é” será revelado pelo discernimento “daquilo que não é”. O autoconhecimento se realiza quando a percepção do “eu” como “algo real”, diminui até desaparecer por completo. Quando esse “eu” – feixe de memórias e tendências – desaparece, o que fica é apenas consciência “daquilo que é”.
Diz o Yoga Vasishta:
Quando não é entendido corretamente, o “eu” parece ser uma noção impura na consciência infinita; mas, quando ele é compreendido corretamente, o seu significado é visto como consciência infinita. Quando a realidade do “eu” é percebida claramente, ele não aparece mais como senso de ego. Na verdade, não existe uma entidade distinta como “eu” (Yoga Vasishta, IV. 33).
O discernimento do “eu” como entidade separada é compreendido, assim, como algo falso. Logo, todas as outras noções (céu, inferno, salvação, libertação, etc.) e tudo o mais que se relaciona ao “eu” (suas identificações), deixam de existir (“aquilo que não é”), e a ignorância é dissipada imediatamente.
O anseio por riqueza, poder, liberdade e prazer somente existe enquanto o “eu” permanece como entidade separada e o egoísmo conduz os pensamentos, palavras e ações, e o que há é apenas sofrimento. Mas quando a verdade do “eu” é revelada a uma mente purificada pela meditação, eis que brota o infinito contentamento “daquilo que é”.
O “eu-ismo” é a atenção que devemos dar à compreensão do “eu”. O “eu”, livre de atributos (suas identificações mundanas), é o Ser: eterno, infinito, inabalável, perfeito e, portanto, não necessita de nada; ele “é”. Quando a atenção se volta ao Ser, a atenção está em todo o Universo, pois somente há uma consciência que a tudo permeia; há harmonia em tudo.
O “eu”, quando não compreendido, forma uma casca em torno da consciência; quem quiser “nascer novamente”, precisa destruir a casca, assim como a ave destrói o próprio ovo para ganhar vida. A casca do “eu” são as suas identificações mundanas, seus preconceitos, suas tendências e tudo aquilo que condiciona a mente.
A mente condicionada movimenta-se sempre a favor do ego; por isso, observar atentamente os conteúdos da mente é fundamental para compreender o “eu”, pois o “eu” está além da mente. As preocupações da mente são as preocupações do “eu-egóico”.
Jiddu Krishnamurti afirma:
O que temos de fazer, parece-me, é tomar consciência das condições da nossa existência diária, dos nossos desgostos, das nossas aflições, da nossa confusão e conflito, e tentar compreende-los muito profundamente, de modo a estabelecermos uma base correta para começar. Não há outra saída. Temos de encarar-nos tal como somos, em vez de tentar ajustar-nos a qualquer padrão ou a qualquer ideal. Temos de encarar realmente aquilo que somos, e a partir daí dar origem a uma transformação radical (O despertar da sensibilidade, p. 20).
Diz o tolo: “eu sou o corpo”; então, se enreda e sofre cada vez mais, perdido no oceano de prazer e dor. O sábio diz: “eu sou a mente”; e liberta-se, à medida que a visão da realidade vai se clareando pela meditação. O iluminado não tem nada a dizer; ele apenas “é” pura consciência.
Hari Om Tat Sat.
Se você permanecer na ideia de que não é o corpo e nem a mente, e nem mesmo a sua testemunha, mas que você está absolutamente além, sua percepção crescerá em clareza, seus desejos em pureza, e seus atos em caridade; essa destilação interna o levará a um outro nível de consciência e compreensão da existência (Nisargadatta Maharaj)
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