O corpo, ao refletir o estado mental do indivíduo, é a evidência de como as coisas estão em seu interior. Um corpo doente e maltratado é um indício de que o indivíduo se encontra perdido em sua busca por um sentido maior em sua existência.
A investigação acerca da saúde mental é um campo relativamente novo entre os estudos sobre saúde humana. Nos últimos anos as pesquisas nessa área têm sido potencializadas e em consequência, têm alterado significativamente a compreensão da patologia e a conduta nos tratamentos dos acometidos pelas diferentes causas que afetam o chamado estado de sanidade.
Historicamente, pessoas que apresentavam desvios de comportamento ou de conduta eram afastadas do convívio coletivo como forma de preservação da ordem e da tranquilidade. Na Idade Média, indivíduos classificados como loucos, ladrões, leprosos ou prostitutas eram enquadrados numa mesma categoria, e deveriam ser mantidos afastados da sociedade. Devido a frequente atribuição das causas e consequências dos desvios comportamentais às crenças religiosas e ao sobre-humano, o assunto era encaminhado à análise e solução pela Igreja.
Entretanto, as ideias iluministas que foram fortalecidas no século XVIII, fomentaram o interesse científico e empírico sobre o tema. A ciência seria um instrumento para libertar o indivíduo das trevas e amarras advindas das crenças míticas e religiosas. Nesse contexto, começaram a despontar os primeiros manicômios para os quais eram levados exclusivamente aqueles considerados loucos. Dessa forma, o assunto passou a ser gerenciado pela medicina e a chamada loucura tornou-se a doençamental.
Na segunda metade do século XX, emergiu na Europa o movimento da Reforma Psiquiátrica, engajado na luta contra os manicômios. As práticas clássicas, a compreensão da patologia e os tratamentos baseados em métodos invasivos e restritivos (eletrochoques, psicofármacos, confinamentos, restrições de liberdade, entre outros) passaram a ser fortemente questionados e combatidos. A imagem negativa dos manicômios e dos regimes asilares foi disseminada e a campanha para o encerramento de tais instituições foi incitada.
Uma nova mentalidade, fundamentada na reinserção social do doente, passou a repercutir fortemente em alguns países, dentre os quais, o Brasil. O novo conceito questionava as noções psiquiátricas de doença versus sanidade e a alertava para a necessidade premente da interdisciplinaridade das equipes cuidadoras e da renovação das práticas nos tratamentos, ainda que os hospícios não tivessem sido eliminados definitivamente.
Em tal contexto de modificações, as nomenclaturas dos quadros mentais foram alteradas. Das utilizadas pela Psicologia até os anos 1960, derivaram as classificações atuais adotadas por algumas linhas de pensamento em Psicologia e que permitem a compreensão dos quadros de adoecimento amparada nos processos psíquicos como um todo, não apenas baseada nas descrições de sinais e sintomas. Desta forma, a doença mental dividiu-se em dois grandes grupos: o da neurose e o da psicose.
A neurose é compreendida como perturbação emocional que resulta de conflitos psíquicos internos, sem que se tenha definida a causa original. Se manifesta por meio de conversão em manifestações físicas (somatização) ou psíquicas (dissociação), de fobias ou ainda de comportamentos compulsivos, rigidez emocional, perfeccionismos e egocentrismos. Estão incluídos nesse grupo os transtornos obsessivos-compulsivos, fóbicos e dissociativos ou de conversão, anteriormente denominados histeria.
O quadro de Psicose se configura pela falha no desenvolvimento psíquico, originado nas primeiras experiências da vida e que pode conduzir às crises, desintegrações psíquicas, alterações no estado de consciência, perdas de contato com o mundo externo, desorganizações da personalidade. Nesse quadro, é possível ocorrer ruptura das relações sociais, delírios, alucinações, demências, degradação das capacidades cognitivas. Estão incluídas nesta categoria, as esquizofrenias e os quadros paranoicos.
A drogadição ou o vício bioquímico e seus efeitos também são considerados problemas de saúde mental. Compreendida pelo uso abusivo de substâncias psicoativas e pela dependência física e/ou psicológica do indivíduo em relação a elas, é responsável pela produção de efeitos maléficos sobre o Sistema Nervoso Central e a partir deles é classificada em três diferentes grupos: as drogas depressoras (ópio, morfina, benzodiazepínicos); estimulantes (cocaína, anfetamina, ecstasy) e alucinógenas (LSD, maconha, haxixe, cogumelo).
Embora lícito, o alcoolismo, considerado anteriormente um problema de segurança pública, classifica-se também como um vício bioquímico e é reconhecido como problema de saúde mental. O grupo de consumidores de tais substâncias não sugere um padrão específico. Ao contrário, é diversificado, composto por pessoas de qualquer camada populacional, independente de sexo, idade, nível de instrução e poder aquisitivo e segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 10% das populações dos centros urbanos se congrega na categoria.
Como já é amplamente divulgado, o uso de substâncias psicoativas de forma descontrolada e abusiva, em busca de alívio e prazer, provoca prejuízos nas atividades cotidianas do indivíduo, sofrimentos e perdas em seus diferentes aspectos de vida, tais como o profissional e o social. O uso abusivo da droga gera gradativamente a dependência, ancorada no desejo de repetir a sensação de prazer e consequentemente conduz o indivíduo à compulsão.
Nesse processo é comum o comportamento de negação do problema. Entretanto, enquanto há a negação, há também a progressão do uso da substância e a regressão dos vínculos sociais, profissionais e familiares. Nessa conjuntura emergem as tendências ao isolamento e aumentam significativamente os riscos de envolvimento do dependente com doenças, crimes, prostituições e suicídios.
Já a esquizofrenia é uma doença crônica e configura um dos mais graves transtornos mentais, e que para o qual não existe cura. O tratamento é baseado no controle de seus sintomas e na busca de uma melhor qualidade de vida ao portador do transtorno. As primeiras manifestações costumam aparecer por volta dos 20 anos de idade e entre as mais frequentes estão as perdas de contato com a realidade, distorções e desorganizações do pensamento, alucinações, delírios, pensamentos paranoicos, ausências de pensamentos críticos, comportamentos ritualísticos e repetitivos. Quanto antes diagnosticado e iniciado o controle, melhor será para o portador.
Porém, muitas vezes os cuidados começam tardiamente e o quadro se agrava e torna-se crônico. São frequentes relatos de indivíduos que produzem percepções negativas do mundo a sua volta e que apresentam comprometimento de atenção, memória e linguagem; produção de pensamentos vazios expostos de maneira repetitiva; apatias e ausência de demonstração de sentimentos; assim como queixas sobre vozes de comando imaginárias e manias de perseguição. A base do tratamento desse transtorno é a farmacoterapia, entretanto, mesmo com a medicação, muitos dos sintomas são persistentes e são frequentes as recaídas e as deficiências cognitivas.
No decorrer do século XXI, deu-se a introdução e o reconhecimento das Práticas Integrativas e Complementares à Saúde (PICS) como alternativas aos tratamentos dos problemas mentais, nas quais inclui-se a prática de Yoga. Isso vem trazendo novos ares aos métodos utilizados com a aceitação de técnicas holísticas e menos invasivas, inclusive em doenças graves como a esquizofrenia e problemas recorrentes como o da dependência química. Em tal contexto as investigações quanto às eficácias dos tratamentos estão em curso.
Um exemplo é o estudo clínico randomizado intitulado Yoga and schizophrenia—a comprehensive assessment of neuroplasticity - Protocol for a single blind randomized controlled study of yoga in schizophrenia. Nesse ensaio clínico, foram recrutados pacientes de um hospital urbano e um centro comunitário semiurbano com diagnósticos de esquizofrenia sob medicação estável por um período de 6 semanas.
Distribuídos aleatoriamente em dois grupos de 80 participantes cada, um deles foi tratado com yogaterapia e outro com tratamento convencional. Os participantes foram submetidos aos exames e avaliações clínicas necessárias e a hipótese do estudo fundamentava-se na melhoria da psicopatologia e no processamento de emoções fomentados e na eficácia da intervenção baseada em Yoga como coadjuvante no tratamento dos pacientes esquizofrênicos. Os resultados, apontaram que o Yoga
“ [...] demonstrou ter efeitos positivos significativos no estresse, no funcionamento cognitivo e nos distúrbios neuropsiquiátricos, como ansiedade e depressão. Yoga e pranayama também demonstraram eficácia na redução de parâmetros metabólicos, como cortisol em distúrbios relacionados ao estresse, insulina sérica e perfil lipídico em distúrbios metabólicos. Há também evidências recentes mostrando que o yoga facilita a neuroplasticidade em distúrbios como a depressão e que a pode aumentar os níveis de neurotransmissores em certas regiões do cérebro. Estudos preliminares também mostram que yoga e práticas meditativas podem aumentar a espessura cortical, e aumentar o volume de massa cinzenta em partes do cérebro importantes para a memória e a cognição. Assim, as intervenções baseadas em yoga têm o potencial de melhorar os sintomas residuais na esquizofrenia e modular de forma adaptativa as anormalidades da neuroplasticidade nesse distúrbio. [...] Desenvolvemos e validamos um módulo específico de yoga para esquizofrenia e demonstramos melhora significativa nos sintomas (particularmente sintomas negativos e déficits de reconhecimento de emoções), bem como no funcionamento da vida real (tradução Google).”
Cabe destacar que parte do estudo em questão foi reconhecido pelos especialistas do National Institute of Health and Care Excellence (NICE), Reino Unido, sob as diretrizes de 2014 para a esquizofrenia e com a recomendação do uso do yoga como tratamento complementar para o transtorno. Em pacientes estáveis com esquizofrenia, descobriu-se que os níveis séricos de ocitocina (hormônio produzido no cérebro, popularmente conhecido como hormônio do amor, devido ao seu desempenho na melhora do humor, interação social, diminuição da ansiedade e aumento da ligação entre parceiros) aumentaram após a prática de yoga.
Ainda que estes apontamentos sejam preliminares e exista a necessidade de mais e novas pesquisas para a investigação aprofundada, os efeitos do yoga sobre a esquizofrenia, os resultados são bastante favoráveis à sua eficácia. As evidências do estudo apoiam as intervenções baseadas em yoga como uma importante opção adicional ao tratamento dos pacientes e cria expectativas quanto ao impacto no estabelecimento da base científica para os efeitos do yoga em um grave transtorno mental.
Outra interessante experiência pode ser observada no trabalho desenvolvido pelo padre católico romano indiano e também instrutor de yoga, José H. Pereira. De origem luso-indiana, o padre foi fundador, em 1981, da organização não-governamental Kripa Foundation, com sede em Mumbai. Tornou-se internacionalmente conhecido pelo tratamento de dependentes químicos e portares de HIV, aplicando a técnica Iyengar de yoga e a meditação cristã na reabilitação dos pacientes.
Seu trabalho foi amparado nos conhecimentos do yoga, na ação solidária e não discriminatória e na capacitação das pessoas no sentido de mudarem seus estilos de vida a partir da introspecção e monitoração da vida como um processo contínuo de crescimento espiritual. Assim, ele constituiu em si o exemplo de que a prática do yoga pode ser integralmente compatível com as práticas religiosas cristãs, juntamente com a consagrada trajetória acadêmica – Mestre em Psicologia e Filosofia pela Universidade de Bombaim, Licenciado em Teologia, Certificado em Aconselhamento, entre outras formações complementares. José Pereira provou que os conhecimentos yogins, adquiridos em sua infância, e o trabalho humanitário desenvolvido em parceria com Madre Teresa de Calcutá, durante a década de 1970, aliados aos seus estudos acadêmicos, foram fundamentais para as suas conquistas no campo da saúde mental.
O método utilizado por ele baseou-se na integração da meditação com o trabalho corporal. Nesta junção, dar-se-ia a busca pelo divino a partir da conexão com o próprio interior e a divindade que lá habita, pois somente no Yoga pode-se dizer que a alma individual e o Ser Supremo constituem uma Unidade. O yoga, como ele explica, seria a melhor forma de oração contemplativa.
Nessa lógica, há o entendimento de que o indivíduo, alterado pela droga ou pela esquizofrenia dela advinda, perde a consciência não apenas de si mesmo, bem como da realidade, e por esta razão adota, inconscientemente, os comportamentos inadequados. A metodologia aplicada pelo padre baseia-se, portanto, na reestruturação do indivíduo, em sua reeducação mental, na cura física e na modificação comportamental e o yoga se coloca como o elo entre corpo, mente e alma.
A percepção do padre Pereira quanto à rejeição dos dependentes químicos aos assuntos que remetem à religiosidade (existência ou não de Deus), o levou a evitar aplicar os programas de reabilitação tendo a religião como base do processo, e assim, conduziu o trabalho a partir da compreensão e entendimento do próprio corpo do indivíduo, e da observância do aspecto e estado físico de cada um. Esta orientação, embora aparentemente de caráter corporal apenas, remete à espiritualidade, que é a procura de um significado para a existência individual por meio da busca um sentido de conexão com algo maior que si mesmo, uma dimensão humana que não precisa passar por uma explicação religiosa, e que está além do simples entendimento intelectual.
O corpo, portanto, ao refletir o estado mental do indivíduo, é a evidência de como as coisas estão em seu interior. Um corpo doente e maltratado é um indício de que o indivíduo se encontra perdido em sua busca por um sentido maior em sua existência. O corpo, logo, deve ser analisado, ouvido, percebido e tratado, pois ele exterioriza os abalos da mente, que nada mais são do que os sofrimentos da alma. Cuidar do corpo, é cuidar do templo sagrado onde a alma e o Ser Supremo habitam.
A partir dessas premissas, o dependente inicia sua jornada de volta à vida por meio do amor e dos cuidados que passa a cultivar sobre ele mesmo, fortalecido pela disciplina, hábitos saudáveis, quietude mental e uma percepção da existência mais ampla e profunda. Assim, vão-se reestabelecendo os laços sociais, a alegria de viver, de amar e de servir, todos indicadores de que o indivíduo está bem, pleno e saudável. Isso é yoga!
Enfim, o yoga, como mostram as experiências, se faz instrumento que auxilia no alívio e recuperação do indivíduo em sofrimento, a partir do desenvolvimento da consciência e da não negação das necessidades e cuidados com o corpo e com o espírito, reativando a vida e a energia onde parecia não mais haver.
Nos vemos no próximo post!
Om Shanti.
Referências
Shivarama Varambally, MDa,∗, Ganesan Venkatasubramanian, MD, PhDa, Ramajayam Govindaraj, MBBS, PhDa, Venkataram Shivakumar, MBBS, PhDa, Thrinath Mullapudi, MScb, Rita Christopher, MDc, Monojit Debnath, PhDb, Mariamma Philip, PhDd, Rose Dawn Bharath, DMe, BN Gangadhar, MD, DSca. Yoga and schizophrenia — a comprehensive assessment of neuroplasticity Protocol for a single blind randomized controlled study of yoga in schizophrenia.
Unyleya. Material de apoio à disciplina Saúde Mental nos ciclos de Vida. Curso de pós-graduação Práticas Integrativas e Complementares à Saúde. 2021.
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