Yoga é autodomínio impassível.
(Yoga-Sutra-Bhâshya Vivarana)
Yoga, a depender dos textos e contextos, é uma palavra que pode ser utilizada para muitas coisas. Trata-se de um termo maleável que, por assim dizer, escapa às definições e conceituações que tentam aprisioná-lo em perspectivas particulares.
Vejamos alguns dos sentidos e significados da palavra e yoga, conforme as tradições, práticas e literaturas védico-hinduísta-bramânicas consideradas sagradas, e que contribuíram para torná-la algo de amplo e profundo entendimento.
De acordo com os antigos sábios da Índia, os rishis, que desenvolveram uma visão de mundo abrangente e integrativa, tudo o que existe no universo é uma coletânea espetacular de nome (nama) e forma (rûpa). Assim, aquilo que entendemos como “realidade” é um contínuo ato de nossa criação, onde damos nomes à multiplicidade de formas existentes.
Dar nome às coisas do mundo é um modo prático de identifica-las e, assim, interagirmos com elas. Todavia, ao “coisificarmos” o mundo por meio de palavras, também erguemos uma barreira psicológica que acaba por nos impedir de enxergamos essas mesmas coisas para além das designações que damos a elas.
Todo preconceito, toda injustiça e violência contra o mundo, surge dessa ignorância em que nos agarramos às palavras, para explicar e justificar nossos atos. As palavras, assim, transformam-se em poderosos obstáculos que nos confundem na compreensão correta entre “aquilo que é” e “aquilo que se denomina como tal”, pois nem sempre os conceitos e definições se identificam à realidade ao qual se supõem significar.
Aqui temos a questão dos sentidos e significados da palavra yoga. Yoga é um fenômeno multifacetado, e essa característica é que dificulta a sua definição, e disso decorre muitos conceitos que lhe confere amplos sentidos e profundos significados. Entretanto, há algo em comum em todos os ramos e escolas de yoga, que é o fato de que esta palavra diz respeito a um estado de consciência peculiar que, de acordo com a compreensão mais antiga, podemos assim resumir: yoga é êxtase.
Tecnicamente falando, yoga é um conjunto abrangente de valores, atitudes, preceitos, meios e métodos de preparação espiritual que se desenvolveram na Índia, ao longo de 5 mil anos. Podemos dizer que o yoga se constitui na base existencial de toda a cultura da Índia, e que perpassa os modos de vida próprios da sociedade indiana. Trata-se dos muitos caminhos da autotranscendência ou, dito de outro modo, da elevação da consciência comum para uma supraconsciência que, quando realizada, liberta-nos do “feitiço do tempo” e da personalidade egóica, revelando-nos, por fim, a realidade última das coisas, para além de namarûpa.
Yoga, em termos gerais, é a busca do Si Mesmo, isto é, a essência divina que habita o centro de toda criação, sendo-lhe ao mesmo tempo imanente e transcendente, manifesto e imanifesto. Quando se diz que “yoga é êxtase”, é sobre uma qualidade extraordinária da consciência (citta), isto é, a sua perfeita estabilidade (samadhi), ao qual se referem todas as tradições filosóficas. Samadhi significa, portanto, estar junto a essa infinita tranquilidade e harmonia, assim, com ela manter-se unido (yoga).
Entretanto, é difícil entendermos isso, pois o que percebemos é que nossa consciência está sempre a vagar, ora atenta, ora perdida, conforme mudam-se os ventos do desejo. Portanto, somente é possível a compreensão desse aparente paradoxo quando correlacionamos a ideia do Si Mesmo como aquele que permanece para sempre na mesma condição de perfeita tranquilidade e harmonia (em êxtase), independentemente do que se passa em nossa consciência.
Em sentido mais restrito, yoga está associado ao sistema prático-filosófico proposto por Patanjali em sua obra Yoga Sutras, considerada a literatura clássica do yoga. Nos textos upanixádicos, yoga pode se referir à realização do Si Mesmo, designar o estado de êxtase temporário ou mesmo os adeptos da tradição.
Enquanto no Rig Veda a palavra yoga tem sua etimologia atrelada à raiz yuj, que significa “juntar, conjugar, unir”, e que pode indicar muitos sentidos, como “meio para um fim”, “ocupação”, “conjunção de dois astros”, “somatória” e outras, no século IX d.C., Vâscapatti Mishra, em sua obra Tattva-Vaishârandí, alega que a raiz semântica é yuja, cujo significado é “concentração”, e não yuj (“conjunção”).
Já no Mahâbhârata, yoga aparece como “atividade” (pravritti). É no Bhagavad Gita que encontramos yoga como “perícia na ação” (yoga karmasu kaushalam), ou seja, cabe ao yogin ou yogini fazerem, com empenho e dedicação, a obra que lhes cabe, desincumbindo-se das obrigações assim que finalizarem e, ainda mais, sem esperar qualquer tipo de recompensa.
No próprio Bhagavad Gita o yoga aparece como “equanimidade” (samattva), que diz respeito ao equilíbrio e harmonia, denotando a atitude genuína de encarar a vida de modo isento, sem se deixar levar pelo turbilhão dos acontecimentos, que ora nos arrastam para a alegria, ora nos arremetem às tristezas.
Portanto, quando encontrar essa palavra – yoga – saiba que ela pode apresentar muitos sentidos e significados, e cabe a você identificá-los corretamente.
Hari Om Tat Sat.
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