Nenhuma criatura em qualquer outra forma corporal, além daquela humana, pode buscar os mais elevados objetivos da vida. Portanto, dotado com a preciosa riqueza do corpo humano, deve-se favorecer em ações virtuosas (Kularnava Tantra 1:18)
A primeira coisa a saber sobre o Tantra, é que o Tantra não é terapia sexual, nada tem a ver com técnicas sexuais, exploração da sensualidade ou orgias. Feita essa importante consideração inicial, vamos apresentar um pouco dos valiosos ensinamentos da sabedoria do Tantra.
Tantra é um termo que designa muitas coisas. Dentre elas, “teoria, sistema, método, tratado e doutrina”, são algumas delas. Literalmente, tantra significa “entrelaçar os fios”; porém, seu sentido não-literal é de “tecer o conhecimento”, de modo a “fazer corretamente qualquer coisa”.
Em suma, Tantra é a parte principal ou essencial de uma visão de mundo que implica no desenvolvimento da espiritualidade latente, considerando que as experiências pelas quais vivenciamos em nossa natureza material, podem ser utilizadas como ponto de partida para a reflexão, o autoconhecimento e a consequente libertação dos nossos condicionamentos psíquicos, sociais e culturais.
Na visão tântrica, a matéria é uma manifestação da Consciência Universal, sendo o corpo (a nossa natureza material, portanto), extensão dessa mesma consciência. A Consciência Universal é aquilo que está presente em toda criação, é aquilo que une tudo e todos os seres, e o que nos leva ao entendimento de que, em essência, “somos todos um”.
Temos que considerar que a visão tântrica não está dissociada dos textos sagrados que fundamentam a tradição do yoga; porém, embora não dissociada (e há quem a considere até mais antiga), a visão tântrica é uma “atualização” – se assim podemos dizer – dos mesmos ensinamentos dos Vedas, considerando-se como base os textos do Atharvaveda, datados, aproximadamente, entre os séculos XII a X a.C.
A prática do Tantra se caracteriza pelo uso de rituais. Esses rituais dão uma “nova roupagem” aos rituais védicos que, então, adquirem significados distintos e caracterizam-se como rituais tântricos. Estão presentes nos rituais tântrico os mantras, os yantras e mandalas, que servem como instrumentos para acessar os chakras (os centros de nossa força vital), de modo a purificar o corpo, despertar a consciência superior e liberar kundalini, o poder divino oculto, que leva o praticante à iluminação espiritual.
Para o Tantra, portanto, o corpo humano - e somente na forma humana isso é possível aos seres - é a via de acesso principal para o despertar da consciência e a iluminação divina. É a vida vivida em um corpo humano que torna possível o despertar da consciência superior, que se dá pelo controle do prana (a energia vital que a tudo anima), por meio da regulação do equilíbrio do funcionamento dos chakras, e pela liberação do poder de kundalini que, então, nos eleva à Iluminação.
Kundalini, esse poder divino adormecido em nós, é representado por uma serpente (o símbolo da sabedoria transcendental) enrolada na base da coluna vertebral (o chakra raiz, que representa a consciência terrena, a finitude); quando devidamente liberada pelas práticas rituais do Tantra, kundalini desperta e se estende vigorosamente até o topo da cabeça (o chakra superior, que representa a consciência divina, a infinitude). Da Terra ao Céu, do Humano ao Divino - eis a representação da jornada do indivíduo em sua aventura rumo à imortalidade e eternidade.
O corpo, entretanto, não é apenas a via de acesso à iluminação espiritual. Para o Tantra, o corpo é o próprio “templo sagrado do Divino”. Daí a importância de se manter o corpo na melhor condição física e mental possível. Um corpo saudável e uma mente sadia são fundamentais para que o adepto do Tantra alcance plenamente os objetivos prometidos nos rituais tântricos. Toda forma de doença deve ser evitada, purificando o corpo por meio de uma rigorosa disciplina corporal, o Hatha Yoga.
Logo, a prática de asanas e pranaymas é de suma importância para o Tantra, pois é por meio das posturas e das técnicas respiratórias do yoga que o praticante adquire um corpo e mente saudáveis, preserva e controla a sua energia vital (prana) e mantém-se apto ao despertar do poder divino. Ao cuidar do corpo/mente, portanto, o praticante está cuidando do "templo sagrado" e reverenciando o Divino que nele e em tudo o mais habita.
Tantra é o conhecimento supremo de que tudo o que existe é interdependente e está interligado. Somos indivíduos que dependem uns dos outros e de todos os demais seres e de toda a natureza para viver em equilíbrio, em paz, em harmonia e felicidade. Para o Tantra, portanto, o que se faz aqui, por menor que seja, se reverbera ali, e altera todo o contexto, para o bem ou para o mal.
Assim, a “teia da vida”, para se manter íntegra, deve ser tecida com sabedoria, pois é nessa teia que se desenrolam todas as tramas da existência. Logo, qualquer desequilíbrio provocado no ambiente natural, será sentido por todos os seres, sem exceção, em qualquer lugar que estejam, independente de terem participado ou não, estando eles conscientes do fato ou não.
A maior transformação que ocorre com o adepto do Tantra, portanto, é na mudança de perspectiva, no modo de ver a vida. A essência do Tantra se expressa em uma frase do Vishvasáratantra, que diz “o que está aqui está lá, o que não está aqui não está em lugar nenhum”. Isso implicar dizer que, na dimensão material, a menor partícula subatômica contém em si todo o Universo; e, na dimensão espiritual, se a Consciência Universal não está presente no menor dos seres, então ela não está em lugar algum.
É esta correta compreensão que leva o adepto do Tantra a entender que toda forma de existência (desde as microscópicas, passando por animais, plantas, minerais e tudo o que existe no mundo fenomênico), como já foi dito, é uma extensão da Consciência Universal e uma expressão do Divino. Ou seja, tudo é sagrado, pois tudo o que existe é obra divina.
Assim, se diz namastê, quando duas pessoas se encontram. Namastê é um gesto de saudação e reverência que representa a convicção de que "todos somos um". É a Consciência Divina (Shiva) que se manifesta em tudo e todos, quando se une à Potência Criadora (Shakti) de onde tudo se origina e se manifesta. Namastê é enxergar a verdadeira natureza e essência de cada ser: "o Divino que em mim habita, reverencia o Divino que habita em você".
E como toda a existência é Consciência Divina, a vida é valiosa demais para nos enredarmos em disputas egoístas, e nos perdermos no labirinto das tramas da existência e, assim, desperdiçarmos a nossa aventura terrena em amarguras, angústias e aflições. O Tantra nos ensina a enxergar a beleza da vida e, mais do que isso, a nos comprometer com a paz, o amor e a felicidade de todos os seres, em todos os lugares.
Tantra, como dissemos no início, nada tem a ver com sexo; é uma visão de mundo e sua prática. Porém, para o Tantra, a união sexual entre homem e mulher (no ritual denominado maithuna), é considerado um acontecimento prodigioso, pois envolve dois conjuntos de bilhões de células, cada qual com sua consciência individual, aptas a desfrutar da paz, do amor e da felicidade. No mais, essa união é a representação da dualidade macho-fêmea que, quando em harmonia, se torna uma perfeita unidade ("somos um").
Lembre-se que a Consciência Divina habita a mais ínfima partícula que existe; ou seja, quando dissemos que o Divino habita em nós, isso quer dizer que Ele está presente em cada uma de nossas células (e cada célula representa o próprio Universo). No Tantra, o ato sexual é um acontecimento pleno de "corpo e alma", de absoluta integração, e nada tem a ver com satisfação de egos ou instintos animalescos.
Isto significa que, no ritual tântrico do sexo, quanto mais a união se prolonga, de modo suave, e quanto mais ela se aprofunda, lentamente, mais ela se intensifica, até que todos os "indivíduos conscientes" (as células dos dois corpos), participem do êxtase final. Assim, na concepção tântrica, quando homem e mulher se unem no ato sagrado do sexo, revela-se a expressão maior do Amor Universal. É a união de Shiva - Shakti, ou yoga.
Para finalizar, o Tantra nos mostra que cada um de nós traz em si a resposta para as questões que atormentam a sua própria existência; ou seja, o potencial para viver a vida em um nível mais elevado (isto é, o nível espiritual), já se encontra em nós. Use os recursos que você traz em si para desfrutar a vida com aquilo que ela te oferece de momento a momento, sem pressa, sem desespero, sem sofrimento.
Viva e deixa viver. Seja tântrico. Mas seja agora!
Considere a Shakti como luz brilhante, a luz cada vez mais sutil, levada para cima, de centro em centro, pela energia da respiração. Quando ela cai no centro superior, esse é o despertar de Shiva.
(Vijnanabhairava Tantra, 1:28-5)
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