top of page

YOGA, INTUIÇÃO E CONHECIMENTO


A razão é um esforço para conhecer o desconhecido e a intuição é a ocorrência do incognoscível. Penetrar o incognoscível é possível, mas explicá-lo não é. A percepção é possível, a explicação não é.(Osho)



Conhecimento é tudo aquilo que pode ser verificado. Tudo o que está disponível à verificação, e que possibilite descrever, calcular, prever ou controlar o objeto de conhecimento. Objeto de conhecimento pode se referir a um fato, uma entidade, uma coisa, uma realidade ou propriedade.


A princípio, todo conhecimento é obtido pelos órgãos dos sentidos. Porém, outras técnicas e tecnologias foram inventadas ou desenvolvidas para aprimorar os procedimentos de verificação, estipulando parâmetros mais objetivos que assegurem a validade do conhecimento.


Permanecendo apenas com os dotes naturais do ser humano para obtenção do conhecimento, temos três escalas: o instinto, a inteligência e a intuição. Dizemos “escala”, pois há uma relação entre essas dimensões do conhecimento, que permitem a verificação cada vez mais ampla e profunda do objeto a ser conhecido.


O instinto é a base da sobrevivência e da preservação. Afirmava Sigmund Freud, no início do século XX, que o instinto é um esforço, inerente ao ser vivo, para continuar existindo, quer individualmente, quer como espécie. É uma “força interior” que impulsiona os seres vivos a agirem de modo involuntário e espontâneo.


A inteligência é a capacidade de entender e compreender, de formular ideias e juízos, de interpretar a realidade, de fazer escolhas criteriosas. Ela é a escala intermediária do conhecimento. É o que leva à ação voluntária, pela via da ponderação. A inteligência é o que possibilita o avanço evolutivo do ser humano, seja no domínio sobre a natureza, seja no campo da ética e da moral.


E temos a intuição, a escala mais elevada do conhecimento. A intuição é a percepção direta do objeto, sem mediação do conhecimento discursivo e das suas relações, isto é, sem o auxílio da inteligência. É a capacidade que permite a percepção do todo em toda a sua harmonia; é o que nos permite a “visão” da essência do objeto. Intuitio significa “imagem refletida no espelho”, um ato puro da consciência.


Intuição é aquilo que os psicólogos denominam de insight; os religiosos dão-lhe o nome de revelação; e os artistas chamam-lhe epifania. Independente de denominações, a intuição é aquele momento fortuito de iluminação, onde tudo se mostra tal como é, trazendo uma compreensão profunda sobre algo, aquele momento onde tudo faz sentido e a vida ganha um novo significado.


Quando falamos em intuição, temos que falar do filósofo Henri Bergson (1859-1941). Algumas de suas principais obras, como Ensaios sobre os dados imediatos da consciência (1889), Matéria e Memória (1896) e A Evolução Criativa (1907), o situou, na história da filosofia, como um espiritualista evolucionista.


De grande influência em sua época, o bergsonismo, como ficou denominada a sua filosofia, afirmava a liberdade humana frente às ciências e correntes filosóficas que tentavam reduzir o ser humano a um conceito de “máquina biológica”, previsível e manipulável.


Para Bergson, a realidade somente poderia ser conhecida e compreendida por meio da intuição. Ele afirmava que a consciência não podia ser medida e quantificada, pois a consciência é o “tempo vivido”, que corresponde à qualidade da existência do próprio indivíduo.


Reduzir o ser humano a uma máquina, por exemplo, era submetê-lo às leis da mecânica, do determinismo científico, a uma lógica que o fragmentava e decompunha em divisões que poderiam ser analisadas e interpretadas independentemente, tal qual o mecanismo de um relógio.


Mas a consciência não estava sujeita à lógica científica-mecanicista. Para Bergson, a consciência era o passado vivo no presente e aberto ao futuro; por não ser quantitativa, a consciência é completamente indivisível, e somente ela é capaz de compreender a realidade de modo imediato. Intuir a realidade é aquilo que se apresenta num segundo, nos ilumina e esclarece; porém, no segundo seguinte, esvanece, e não conseguimos expressar.


A intuição, pois, é o que apreendemos em um “lampejo no espírito” (a própria consciência é o espírito intuitivo), aquilo que sabemos, mas “não sabemos como falar”.  Como afirmava Bergson, a intuição é "a simpatia pela qual nos transportamos para o interior de um objeto para coincidir com o que ele tem de único e, consequentemente, de inexprimível" (O Pensamento e o Movente [1934], 2006 p. 187).


O yoga nos ensina a cultivar a intuição. Ou melhor, a cultivar o que possibilita a intuição. E o primeiro ponto a ser considerado é o desapego em relação às exigências da vida, pois a necessidade de agir acaba por limitar a percepção clara da realidade.


Isto significa que, quando estamos imersos nas ações do mundo, limitamos a nossa capacidade de percepção, pois nossa atenção está voltada para as aparências do mundo. É quando nos afastamos da mundanidade, ou seja, quando permanecemos distraídos das coisas do mundo, que ampliamos o nosso campo perceptivo.


A atitude de simplesmente perceber por perceber, sem nenhuma expectativa do que será percebido, é o segundo ponto a ser considerado. À medida que nos desapegamos da necessidade de agir, os sentidos se apuram e a consciência vai se abrindo cada vez mais à realidade, até o momento fugaz da captura da essência ou da totalidade.


A visão direta da realidade, portanto, não se encontra na concentração sobre o objeto de conhecimento, porém, na distração, ou para ser mais exato, na observação desinteressada do mundo. É como se diz, quanto mais se busca, mais longe parece estar; quando se deixa de buscar, mais próximo fica.


O yoga nos concede o privilégio de observar o mundo sem julgamentos. Ao deslocar a atenção das exigências do mundo para aquilo que o mundo considera desinteressante, a consciência - antes focada - mas agora livre, então se expande, e isso nos mantém mais aptos a perceber o que, até então, embora estivesse sempre lá, permanecia oculto, imperceptível.


Dissemos que há uma relação entre instinto, inteligência e intuição. Pois bem. Quando a inteligência desenvolve a sua maior faculdade, que é o discernimento, os instintos se apaziguam; e não agimos mais por impulso, seja por medo ou ansiedade.


Quando os instintos estão sob o amparo da inteligência, as portas da intuição se abrem. Podemos dizer que o instinto é do corpo; a inteligência é da mente; e a intuição é da alma. Mas a inteligência não é para reprimir o instinto, porém, para compreender e demarcar os limites dos impulsos de sobrevivência e preservação em nossa vida; e, ao mesmo tempo, ela é o agente facilitador para o desabrochar da intuição.


O yoga nos proporciona o cultivo da “mente tranquila”, o que nada mais é do que o desenvolvimento da vida interior, terceiro ponto a ser considerado. É a mente tranquila que nos possibilita o discernimento e, por conseguinte, a percepção direta do objeto de conhecimento, que nada mais significa que a compreensão imediata da realidade.


Mas o que é esta realidade a ser conhecida? É a realidade do Ser. Como inscrito no Ashtavakra Samhita, texto clássico do Advaita Vedanta, que declara: “Eu sou imaculado, tranquilo, consciência pura e além da natureza. Todo esse tempo fui enganado pela ilusão.” A realidade do Ser somente pode ser conhecida quando o véu da ilusão é removido da consciência. E isso apenas acontece de modo direto, sem intermediários.


Mas o conhecimento do Ser, embora verificável somente pela intuição, não é possível de análise e descrição pela inteligência. Trata-se de um conhecimento único, peculiar e original, que cada indivíduo, por si mesmo, terá que conhecer por si só.


Nenhum livro sagrado, líder ou autoridade - seja religiosa, filosófica, científica ou política - portanto, detém o conhecimento do Ser, pois o Ser somente pode ser apreendido diretamente pela experiência intuitiva, individual e intransferível.


A intuição, portanto, é a orientação direta do espírito sobre quem somos, a nossa essência espiritual, e que surge naturalmente naqueles instantes em que a mente permanece serena e em harmonia com o todo. A base da intuição, logo, é a mente serena.


O yoga no ensina que, para desenvolvermos a mente serena, podemos praticar Savasana, que é uma postura de relaxamento profundo, e que permite-nos a plena contemplação do Ser, que é o meio propício para a "revelação" da "visão da realidade". Savasana ou “postura do cadáver”, libera as tensões do corpo, pacifica a mente e possibilita a abertura da consciência para que a "luz da intuição" surja naturalmente.


Hari Om Tat Sat.

 

Não há diferença entre conhecimento e yoga, ambos são uma e a mesma coisa, pois a iluminação da intuição (uma forma imanente de conhecimento ou percepção transcendente) vem da experiência direta do yoga (Yogabíjam de Goraksanatha)

Comments


©2022 por Sotapanna Yoga. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page