Porque na realidade, ninguém está livre da ação, nenhum instante sequer, pois todo indivíduo se vê impelido à ação, ainda que a despeito de si mesmo, mas pelas qualidades que brotam da natureza material (Bhagavad Gita, Cap. 3, v.5)
Os caminhos que tomamos na vida, são definidos pelas nossas ações. Nossas ações constroem o nosso caráter e este, por fim, define o nosso destino. Assim, são as nossas ações que determinam o rumo da nossa vida.
Quando falamos em karma, estamos falando em ação. Karma é ação. E ação tem a ver com causa e efeito. Podemos dizer, então, que karma está diretamente relacionado com causa e efeito, condições e consequências.
Toda ação é gerada a partir de uma circunstância específica. É em dada conjuntura que a ação tende para isto ou aquilo. A ação é determinada, portanto, por condições pré-existentes.
Isso significa que uma ação não surge do nada. Ela é, paradoxalmente, efeito e causa. Pois a causa de uma ação está no efeito de outra ação. Pois são as condições dadas que originam as disposições, os desejos e os impulso para a ação.
Há algo intrínseco que nos impele a ação. Quem tenta reprimir a ação, esforçando-se para manter os sentidos inativos, porém, com os pensamentos bem vivos nas coisas do mundo, é porque não compreendeu o yoga.
A vida, logo, nos instiga a agir. E mais do que isso, a realizar certas ações em detrimento de outras. Ou seja, temos certas tendências para a ação. Quando nos envolvemos com essas ações tendenciosas, os efeitos são mais intensos e profundos.
Ação pode ser realizada em ato, palavra ou pensamento. Por isso, no yoga se diz “cuidado com aquilo que pensa, pois se tornará realidade”. Assim, bons pensamentos sempre devem ser cultivados a respeito de tudo e de todos os seres. Pois maus pensamentos geram efeitos nocivos, e nunca se sabe os limites e proporções que podem ser alcançados pelos mesmos.
Temos, então, que aquele que executa a ação não está dissociado da ação praticada. O agente e a ação estão entrelaçados. O sentido disso é que o agente é transformado, para o bem ou mal, pela ação que realiza. Envolvido pela ação, o agente sofre, em si mesmo, os efeitos da própria ação realizada.
Isso significa dizer que, quanto mais liberdade se tem para agir, maior é a responsabilidade. Há de se analisar muito bem as condições, as disposições e as intenções que impulsionam a ação. Pois o preço será pago, e não há dúvida disso. Cada qual receberá o seu quinhão, na medida de sua participação.
Entretanto, nenhuma ação, em si mesmo é, necessariamente, originada por uma causa específica e, tampouco, produz um efeito particular correlacionado. Porém, qualquer ação realizada é de responsabilidade daquele que age. Em suma, todo indivíduo é herdeiro de seus atos, palavras e pensamentos.
Quando assim compreendemos o karma, percebemos que karma não significa destino. Ou seja, não se trata de algo que não pode ser alterado. Os rumos que uma pessoa toma na vida podem ser modificados pelas suas ações. Por isso, karma é mais que destino: é a possibilidade palpável para a construção do caráter.
Caráter é o modo de ser habitual de uma pessoa. Diz respeito ao conjunto de sinais que distingue uma pessoa da outra e individualiza o comportamento ético e moral. É pelo caráter que uma pessoa se mostra como de boa ou má índole. O caráter nos conduz a um destino.
O caráter é construído ao longo da vida. Ele se dá como um processo de formação e, como tal, pode ser modificado ao longo do percurso da existência do indivíduo. Pois na formação do caráter se considera tudo o que é pertinente ao desenvolvimento humano, ou seja, todas as experiências vividas pelo indivíduo durante a sua vida.
Logo, o caráter é uma configuração própria a cada indivíduo, que envolve as representações, as ideias, os valores, as relações e as circunstâncias socioculturais específicas de tempo/espaço onde as experiências acontecem.
O caráter, portanto, está intimamente associado às ações do indivíduo. Seus atos, palavras e pensamentos expressam o seu caráter. O caráter pode ser verificado nas tomadas de atitudes de uma pessoa, quando esta é exigida a manifestar-se ou posicionar-se em uma circunstância ao qual ela está envolvida.
A compreensão do karma é valiosa para a formação do caráter. Ao observarmos atentamente nossos atos, palavras e pensamentos, iremos adquirir a habilidade de discernir entre o que em nós se expressa como algo genuíno ou se manifesta como produto de um condicionamento tendencioso.
As tendências são acúmulos de ações – são a nossa herança bendita ou maldita. As inclinações individuais, portanto, levam o indivíduo para um processo de construção de um bom caráter ou de um mau caráter.
O bom caráter se expressa pelas virtudes da bondade, da simplicidade e da humildade em qualquer situação ao qual o indivíduo se encontra. Denomina-se a isso de “firmeza de caráter”. O bom caráter é a qualidade das pessoas que, em tranquila serenidade e harmonia, vivem de bem com a vida, não importa o que lhes sobrevenha.
O mau caráter, por sua vez, é a manifestação das deficiências do processo de formação do ser humano, dos vícios adquiridos ao longo da vida e das fraquezas éticas e morais que se refletem em comportamentos desonestos, indignos, mesquinhos, perversos, maliciosos, desumanos e, sobretudo, egoístas.
O egoísta afirma o “viver para si”, sem nenhuma consideração por qualquer outro ser vivo, pela natureza e pelo Universo. Christopher Lasch, em A cultura do narcisismo, obra publicada no final dos anos 1970, dizia que o ser humano estava perdendo o sentido de continuação do tempo histórico.
Esse enfraquecimento do senso de pertencimento a uma sucessão de gerações, originadas no passado e que se prolongarão no futuro, provoca uma erosão em qualquer preocupação com a posteridade.
O caráter de uma pessoa, a depender do cargo e função que ocupa em uma sociedade, pode ser decisivo para o futuro da humanidade. Podemos comparar as ações de um governante bom caráter (que se guia pela virtude), com as de um governante mau caráter (que se desvia da virtude), observando-se os resultados de suas realizações.
Pelo yoga, podemos modificar o nosso caráter. Cumprindo honradamente os nossos compromissos sociais e familiares, executando com ética os deveres prescritos pela nossa profissão e preservando a dignidade em todas as nossas ações, estamos realizando o yoga.
Reservando o precioso tempo para a meditação, observando atentamente os nossos pensamentos, emoções e sentimentos, seremos capazes de desvendar as nossas tendências e condicionamentos mais íntimos, conscientizando-nos do “porquê fazemos o que fazemos do jeito que fazemos”. Assim, pelo conhecimento do karma, o tipo de caráter se revelará e, então, poderemos alterar o nosso destino.
Karma e caráter, tudo isso é yoga. Afinal, o que somos é resultado de nossas ações. Estude, pratique e se liberte.
Hari Om Tat Sat.
Há neste mundo dois caminhos, ó tu de coração puro: o dos sámkhyas, que praticam a devoção por meio do conhecimento espiritual, e o dos yogis, que professam a devoção por meio da ação (Bhagavad Gita, Cap. III, v.3)
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