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Foto do escritorMarcelo Augusti

YOGA, POSTURA E CONDUTA

Essa é uma escada para a libertação, uma forma de escapar da morte e muito mais, já que permite que a mente se retraia da ilusão e se ligue ao Ser Supremo (Gorakshashataka, 2).


As posturas físicas pertencem ao rol das técnicas de meditação do yoga. O iogue utiliza-se de diversas posturas físicas para obter controle do corpo e domínio sobre a mente.


De modo geral, as posturas, são denominadas asanas. De origem sânscrita, asana significa “assento, sentar”. Mas nem todos os asanas são realizados de modo sentado.


Em sua origem mítica, os asanas são atribuídos a Shiva, que ensinou-os à Parvati, sua consorte. Sua principal função é manter o corpo quieto, assentado, para que da mente emerja a serenidade.


A exigência dos asanas é a manutenção de uma postura perfeitamente estável, isto é, firme e confortável, para que se possa permanecer em estado meditativo por um longo tempo.


A natureza do asanas, como integrante das práticas de yoga, é o baixo impacto. Dominar um asana significa ser capaz de manter o corpo em perfeita quietude, a ponto dele se esquecer. Os asanas, portanto, são as preliminares para o alcance do estado meditativo.


É da harmonia entre a quietude do corpo com a serenidade da mente, que a consciência retira-se do “mundo exterior” para adentrar no “mundo interior”. Então, esta “consciência ordinária” revela-se como “consciência ilimitada”.


Nos comentários do Swami Satchidananda na obra Os Sutras do Yoga de Patanjali (1978), o guru afirma que asana é a prática do yoga que livra-nos de todas as toxinas, estas que deixam o corpo rígido e a mente embotada.


As toxinas são originadas tanto da ingestão de alimentos errados, seja em horário impróprio ou em grande quantidade, quanto dos incessantes pensamentos automáticos que, por sua repetição incontrolável, geram medo, angústia, insegurança, apatia, e que provocam tensão e degradam a vida humana.


Como parte fundamental do Hatha Yoga, os asanas mantém o corpo forte e flexível, saudável e livre de qualquer tensão física e psíquica.  Afirma Satchidananda:

 

A não ser que o corpo esteja completamente saudável e livre de todas as toxinas e tensões, uma postura confortável não será obtida com facilidade. Toxinas físicas e mentais criam enrijecimento e tensão. Qualquer coisa que pode enrijecer-nos pode também quebrar-nos. Entretanto, se nos mantivermos flexíveis jamais quebraremos.

 

O que se busca com o asana é a capacidade de manter-se firme e, ao mesmo tempo, relaxado, para que, então, se possa contemplar o “mundo interior”, para que o Si Mesmo emerja no silêncio. Este silêncio, isto é, a ausência de comunicação com o “mundo exterior”, é a própria presença do Divino em cada um de nós.


Quando os asanas são destituídos de sua base espiritual e filosófica, eles se tornam apenas um conjunto de exercícios físicos que, geralmente, são praticados em clubes e academias de ginástica. Na maioria das vezes, servem apenas como exibicionismo por praticantes vaidosos e prepotentes, e por aqueles que não compreenderam a essência dos asanas. A esse respeito o Hatha Yoga Pradípiká nos instrui:


Um iogue ansioso pelo sucesso deve manter o conhecimento do Haṭha Yoga em segredo; pois se torna potente escondendo-o e impotente expondo-o (HYP, 1, 11)


O Haṭha Yoga Pradípiká é um manual clássico do século XV sobre o Hatha Yoga, escrito por Swamin Svātmārāma, que estabeleceu suas bases teóricas e sua prática. Nesta obra, o adhikarin (candidato à prática de Hatha Yoga), deve apresentar algumas qualificações para ser aceito pelo guru. São elas: estar livre de motivos e apegos pessoais; estar avançado em Yama e Niyama (ética e moral); e cultivar a inteligência por meio do estudo. 


Quando contrariados em sua natureza, os asanas acabam por ser inseridos em práticas típicas do sistema de exercícios físicos do Ocidente, onde apela-se para a força, a execução veloz, a flexibilidade exacerbada, muitas repetições e até sequências coreografadas, que lhes são acrescentados como fatores principais.


Não podemos dizer que isso não é yoga; mas também não podemos dizer que isso é yoga. Cada pessoa, por si mesmo, tem a capacidade de observar e analisar, de modo criterioso, o que é e o que não é yoga.


Yoga é autoconhecimento. O autoconhecimento se faz pela investigação de si mesmo. Conhecer a si mesmo é ampliar e aprofundar a consciência em busca da autorrealização espiritual, ou seja, tornar-se um ser humano melhor.


O conhecer a si mesmo é adentrar o “mundo interior”. O autoconhecimento, portanto, é fruto da introspecção. Ele se distingue do conhecimento do “mundo exterior”, pois não depende de evidências. O autoconhecimento se faz por uma percepção direta “daquilo que é”.


Conhecer-se a si mesmo, portanto, é um privilégio único, pois “aquilo que é” se revela direta e unicamente, somente para aquele que se entrega, com sincera devoção, a uma busca genuína.


Quando “eu conheço a mim mesmo”, tenho acesso “àquilo que é”, que é o mesmo “aquilo que é” que está em você. Porém, por mais que eu te fale, você não o conhecerá; somente poderá conhecer por si mesmo.


Se isso não fosse verdade, bastaria apenas uma única "pessoa iluminada" para nos esclarecer sobre a Verdade Suprema. Um indivíduo autorrealizado, em toda história da humanidade, seria suficiente para iluminar todos os corações e perpetuar a paz, o amor e a felicidade entre os seres humanos.


Mas um Cristo, um Buda, um Laozi, um Sankara e tantos outros Mahatmas (grandes almas iluminadas) e mestres autorrealizados que passaram pela Terra, ainda não foram suficientes para que os ensinamentos da Verdade Suprema, que lhes fora revelada, sensibilizasse a todos os seres humanos de todas as épocas. Pois a Verdade Suprema é uma conquista individual.


O yoga nos libera do engano e do autoengano. O engano é um tipo particular de relação entre dois seres vivos – uma interação no qual o comportamento de um deles cria uma discrepância entre realidade e aparência, e que deturpa as percepções e modifica as ações do outro.


O autoengano é o processo de negar, racionalizando, as evidências opostas e os argumentos lógicos que contrariam tudo aquilo que não concordo. Diz respeito a convencer-se de uma mentira para que aquilo ao qual compactuo / acredito, não se revele como falsidade.


O engano é interpessoal; o autoengano é intrapessoal. Quando engano alguém, é porque acredito que levarei alguma vantagem sobre o outro. Mas quando “engano a mim mesmo”, qual a vantagem disso?


Na obra de Eduardo Gianetti, o Autoengano (1997), o autor nos fala sobre as mentiras que contamos a nós mesmos para podermos sustentar as nossas crenças pessoais. Gianetti afirma que, sem o autoengano, a vida seria desprovida de encanto, tal a nossa tendência a enganar-se. Porém, diz o autor, entregues ao autoengano, perdemos a dimensão do sofrimento que causamos a nós mesmos e aos outros.


O autoengano, portanto, não é como nos relacionamos com o outro; trata-se de modo como nos relacionamos com nós mesmos. Porém, se o engano não pode ir muito longe (não é possível enganar a todos o tempo todo), o autoengano pode se perpetuar, pois depende unicamente da disposição pessoal para a tendência à mentira e ao pensamento egocêntrico.


Retornando à questão dos asanas e sua relação com o autoconhecimento:


A execução de um asana nos mostra tanto as dificuldades do corpo em manter-se, quanto os obstáculos da mente para permanecer concentrada. Ao mesmo tempo, entretanto, o asana é um instrumento que nos propicia a correção dos aspectos que podem ser superados, daqueles que são aceitos ou que não podem ser mudados.


Assim, entendemos que alguns asanas exigirão determinada condição física que, refletindo-se na condição mental (ou vice-versa), por mais que nos esforcemos, não alcançaremos a realização. Podem haver limites estruturais que não serão superados e que, portanto, não devem ser alvo de obcecada insistência.


Insistir em um “modelo perfeito” de asana não significa alcançar a perfeição no yoga. Pois a perfeição no yoga está na percepção correta das próprias dificuldades e limitações, e não na “superação a todo custo”.


A busca pela “perfeição na aparência” é apenas vaidade, e pode custar caro à saúde física e mental. Por outro lado, acomodar-se a uma postura que não mais exige qualquer concentração, é “fazer por fazer”.


A execução correta de um asana, seja ele qual for, portanto, é aquela que nos mantém atentos e concentrados, nos conduz à introspecção, e nos assenta na contemplação do Atman, o Um Absoluto, onipresente.  Como inscrito na Canção do Asceta (Avadhuta Gita): “Eu próprio sou o contemplador e o mais elevado contemplado”.


A prática de asana é autoconhecimento. O domínio pleno de apenas um único asana é o que nos basta para adentrar pelas portas da consciência não-dual. Esta consciência não-dual é o Atman, imortal, imutável e destituído do todo ou da parte, aquele que se conhece como o ilimitado.


É neste Atman, que permeia todo o espaço e que não pode ser percebido externamente pelos sentidos, mas apenas compreendido pelo espírito introspectivo, é que o sábio colhe a infinita e eterna bem-aventurança que reside, desde o princípio, nele mesmo.


Quando, pela prática de asana, o iogue despe sua consciência de todas as noções de dualidade, ele se funde no Espírito Supremo; em tal “estado de ser”, isto é, imerso na contemplação do Si Mesmo, ele está isento da ignorância e do egoísmo.


A prática de asanas, portanto, diz muito sobre a nossa conduta pessoal, nosso comportamento cotidiano e nossas atitudes diante da vida; o asana expõe o nosso caráter e revela-nos se estamos na busca sincera pelo autoconhecimento ou atolados no autoengano.


Um asana desmascara nossa vaidade e prepotência, evidencia a nossa fraqueza interior; ou, pelo contrário, expressa a nossa seriedade e compromisso com a verdade daquilo que o yoga é em sua mais elevada compreensão.


Yoga é postura e conduta. Estude, pratique. Mas faça agora!


Hari Om Tat Sat.

 

O iogue é uma pessoa capaz de analisar de maneira crítica e isenta a realidade em que vive. Ele não mistifica, não se ilude e nem ilude os demais e, principalmente, não perde tempo em tarefas de duvidosa eficiência. A responsabilidade do praticante sério está em assumir para si a tarefa de discernir, e ajudar os demais a discernirem, o que é Yoga do que não é Yoga. O que é autoconhecimento do que é autoenganação (Pedro Kupfer)



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