brahma satyam jaganmithya jivo brahmaiva naparah
anena vedyam sacchastramiti vedantadindimah
(Sankara, Brahma Jñanavali Mala, vs.20)
O Vedanta, termo que significa “conclusão dos Vedas” ou, como também podemos dizer, “a consideração final sobre o Conhecimento Transcendental” revelado pelos rishis da antiga Índia, nos indica, precisa e claramente, a verdade que subjaz à realidade.
Quando Adi Sankara, o mestre do Advaita Vedanta, isto é, da “visão não dualista da realidade”, afirmou “brahma satyam jaganmithya jivo brahmaiva naparah”, ele resumiu todo o ensinamento fundamental do Vedanta.
O Advaita Vedanta não é uma teoria ou uma filosofia; seus ensinamentos fundamentam-se em dois pilares bem sólidos: jñana (estudo das Escrituras e reflexão sobre a “verdade imutável” da realidade) e yoga (experiência direta da “verdade imutável” da realidade).
Jñana e Yoga constituem-se, portanto, no “Caminho da Sabedoria” que conduzirá o adepto à meta final do Autoconhecimento, isto é, moksha (liberação definitiva dos condicionamentos da Matéria).
Advaita Vedanta é “uma visão da realidade imutável” que subjaz ao mundo fenomênico. Somente por meio do estudo, da reflexão e da contemplação sobre a “verdade revelada” pelos antigos rishis é que se alcançará a “visão” do Real, do Absoluto, do Infinito e do Eterno Brahman.
Afirma-se no Advaita que o Conhecimento Transcendental revela-nos a “verdade da realidade” como “existência não-dualista”, ou seja, que a constituição do todo e de suas partes (o Universo e a diversidade de mundos e seres que neles habitam), provém de uma Unidade imutável, infinita e eterna.
Isso significa que não há sequer uma única vida individual que se encontre separada do todo, pois a substância primordial que constitui e permeia o Universo, a diversidade de mundos e seres que neles habitam, é única e a mesma que se encontra em tudo e todos. Esta “substância primordial” que subjaz a tudo e todos é Brahman.
Quando Sankara afirmou “jaganmithya” – “o Universo não é real” – ele se referia ao mundo fenomênico como algo “falso”, no sentido de que a percepção sensorial que temos dos objetos, das coisas e seres, resultam em uma interpretação equivocada da realidade. Este equívoco deve-se a uma privação do conhecimento e do autoconhecimento.
Um exemplo muito utilizado nos Upanishads é a metáfora da corda e a cobra. Uma pessoa, ao ver uma corda enrolada num canto mal iluminado, pode acreditar, com toda convicção, que se trata de uma cobra pronta para dar-lhe o bote fatal.
Esta pessoa, enganada pela “ilusão do real”, pode gritar, correr, tremer de medo, se desesperar, entrar em pânico. Todavia, quando o canto se torna bem iluminado, a “cobra enrolada pronta para o bote”, revela a verdade de sua realidade, ou seja, uma simples e inofensiva corda.
Mas a “ilusão do real” pode persistir, mesmo quando a pessoa sabe que os objetos, as coisas, os seres e as circunstâncias não são reais. É o caso das crenças, das mentiras que se repetem e “daquilo que quero crer como verdade e nada mais me interessa”. Assim, do poder da ilusão, do falso, de mithya, é difícil de se desvencilhar.
Mithya – aquilo que não é real nem irreal – é o efeito de Maya ou o “poder ilusório que acompanha toda manifestação”. Mas mesmo Maya não pode ser dita como real – considerando-se Brahman como a “única realidade” – tampouco irreal, já que ela se constitui em uma base da criação do mundo manifestado.
Assim, toda manifestação ou criação é, ao mesmo tempo, real e irreal; é real, pois que existe - no sentido de tangível, palpável, concreto - e é perceptível e acessível aos sentidos; mas é irreal, pois o que podemos perceber e acessar com os nossos sentidos é apenas aparência, aquilo que oculta a “única realidade”.
Deste modo compreendido, o Universo manifestado não revela “aquilo que é”, pois o alcance dos sentidos estão delimitados pela aparência; é a aparência dos objetos, das coisas, dos seres, das circunstâncias que nos atrai ou repele, nos agrada ou desagrada, que nos suscita desejo ou repulsa.
Tudo o que se mostra aos sentidos – a aparência do mundo – é acompanhado dessa dualidade, afeição (raga) e aversão (dvesha). O mundo fenomênico é constituído por essa dualidade raga-dvesha, e é o que nos mantém atrelados ao samsara, o eterno retorno.
A natureza material (gunas), entrelaçada às tendências cármicas de comportamento (vasanas) e às impressões deixadas na consciência (samskaras), formam a base de raga-dvesha, que atua na mente e nos sentidos, nos enganam e nos iludem, nos fazendo crer que a vida é uma busca constante pelo prazer dos sentidos. Quando essa busca se torna frenética e obsessiva ou, quando prejudicamos outros seres para satisfazer nossos desejos, experimentamos o sofrimento que, sem cerimônias, se instala em nossa vida.
É somente pelo Conhecimento Transcendental do Advaita que “a consciência infinita e imutável” (brahman) será revelada como “única realidade” (satyam) e o “mundo manifestado” (jagan) será desvendado como “real e irreal” (mithya). É pela realização desta Sabedoria Suprema que alcançaremos viveka (o discernimento da realidade e ilusão) e, assim, se dissipará a dualidade raga-dvesha e, como consequência, o fim do sofrimento.
Jñana é o Conhecimento Transcendental que nos liberta de avidya (ignorância) e nos conduz ao conhecimento da “única realidade” (brahmavidya). Diz-se na Mundaka Upanishad, “o conhecimento de brahman é todo conhecimento” (brahmavidya sarva vidya pratishta).
No Bhagavad Gita, encontramos duas definições de yoga que nos levam à reflexão sobre o que é yoga e sua importância nesse processo de “conhecimento da verdade”. Diz-se no Bhagavad Gita:
samatvam yoga uchyate
“Yoga é equanimidade”
yogah karmasu kaushalam
“Yoga é perfeição na ação”
O que significa, na primeira definição, não se entusiasmar com circunstâncias que nos favorecem e tampouco se entristecer com circunstâncias que nos desfavorecem. Em tudo na vida, temos que exercitar a equanimidade (samatvam), isto é, agir sem julgar, com tranquilidade e moderação, ser imparcial em qualquer circunstância, sabendo que sempre há dois lados de uma mesma questão, e nem sempre o que parece certo é certo e o que se mostra errado é errado. No mais, no mundo manifestado, tudo é transitório e impermanente; o que hoje aqui está, amanhã não estará mais.
Na segunda definição, que podemos dizer uma extensão da primeira, agir com perfeição (kaushalam) significa que devemos nos abster de ações, palavras ou pensamentos que possam provocar ofensas, danos ou prejuízos aos outros seres, pois, conforme as leis universais que regem a existência (Dharma e Karma) tudo o que fazemos, falamos ou pensamos retorna para nós, seja em benefícios ou malefício. Ahimsa (não-violência) é o princípio fundamental a ser praticado convictamente.
Aqueles que assim seguem, convicta e sinceramente, o “Caminho da Sabedoria” apregoado por Sankara no Advaita Vedanta, alcançarão a percepção correta de que “a corda não era uma cobra, ou que a cobra era apenas uma corda”. Ao realizarem o conhecimento brahma satyam, lhes será revelado o autoconhecimento jivo brahmaiva naparah, ou seja, que a consciência individual nada mais é do que uma extensão da Consciência Suprema e, por conseguinte, infinita, imutável, bem-aventurada.
Conhecer “a única realidade” é libertar-se das ilusões e das aparências que nos agrilhoam ao samsara. Quando esta verdade for revelada pelo jñana e yoga, estudo e meditação, então saberemos que a vida é Plenitude.
Hari Om Tat Sat.
Brahman (a Consciência Imutável e Infinita) é satyam (a única realidade), o universo é mithya (não pode ser categorizado como real ou irreal). Jiva (a alma individual) não é diferente de brahman. Assim deve ser entendido corretamente a Escritura. Isso é proclamado no Vedanta
(Sankara, Brahma Jñanavali Mala, vs.20)
Olá Professor Marcelo,
Essa parte do texto que copio abaixo, acho que se relaciona diretamente com a fala daquele médico que mencionou o caso de um colega que insiste nos métodos não eficazes que apenas iludem as pessoas...não é?" Mas a “ilusão do real” pode persistir, mesmo quando a pessoa sabe que os objetos, as coisas, os seres e as circunstâncias não são reais. É o caso das crenças, das mentiras que se repetem e “daquilo que quero crer como verdade e nada mais me interessa”. Assim, do poder da ilusão, do falso, de mithya, é difícil de se desvencilhar."
Om Shanti