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YOGA, RESPIRAÇÃO E A CONSCIÊNCIA PURA

Foto do escritor: Marcelo AugustiMarcelo Augusti

Porque é com a nossa mente que precisamos lidar de manhã até à noite, pois é ela que, no fim das contas, determina a qualidade de cada instante de nossa vida. Se não compreendermos a nossa própria mente, permaneceremos estranhos a nós mesmos (Matthieu Ricard)



Nos ensinamentos do yoga, um dos temas centrais e principais para estudo, é o conhecimento da mente. Nesses estudos, afirma-se a importância de “conhecer a si mesmo” e a relação disso com o conhecimento da própria mente.


A mente é um fluxo contínuo de eventos psíquicos. Tal fluxo é o que se move entre o passado e o futuro; é a lembrança e a expectativa. A “mente em movimento” é o que foi e o que poderá ser. Ela nunca é o presente. A mente em movimento é o tempo.


O tempo é aquilo que passou e o que está por vir. Alguns filósofos consideram que nada existe fora do tempo. Outros afirmam que o tempo é uma percepção da mente e, tal qual uma moldura, é o modo como categorizamos, na memória, as nossas experiências.


Aprendemos, em nossa cultura, que, para o passado, olhamos para trás, e para o futuro, nosso olhar é para a frente. Entretanto, para alguns povos andinos, o que está para trás de nós é o futuro, pois o futuro é algo que não enxergamos, é o desconhecido; e o que está à nossa frente, é o passado, pois o passado é a única coisa que já vimos ou podemos saber.


Conforme a sabedoria desses povos, o futuro, portanto, é aquilo que nos alcançará, não aquilo ao qual alcançaremos; o futuro vem até nós, não o contrário. Não podemos ir ao futuro, simplesmente pelo fato de que desconhecemos os eventos vindouros que nos alcançarão.


Já o passado é onde podemos chegar, pois o passado é o que está ao nosso alcance, é o que já foi visto, experimentado, exposto. O passado nunca vem até nós, mas nós podemos ir até ele e desvendá-lo, seja pelas nossas lembranças ou pela pesquisa meticulosa dos acontecimentos antecedentes.


Podemos dizer que o tempo, conforme a letra de uma famosa canção, é onde estamos a “viver a divina comédia humana onde nada é eterno”. Pois o tempo tudo faz e tudo desfaz. Ele é o ‘desenrolar’ da vida. Ele é nascimento e morte. Afirma Sri Krishna no Bhagavad Gita: Eu sou o tempo, o grande destruidor dos mundos (BG, 11,32).


A mente em movimento, portanto, faz o tempo acontecer; e isso nos parece muito real. Porém, a ilusão desse vagar pelo tempo, desloca-nos a atenção entre o passado e o futuro, e desvia-nos o foco do presente. Mas, a vida, em si, somente acontece no presente. Mas o que é o presente?


O presente é a dádiva divina do infinito e eterno agora. Raramente nos damos conta de que a vida é este instante sagrado. A vida, de certo, não é o que se passou, tampouco é aquilo que está por vir. O que foi e o que será é apenas vaidade e aflição.


É certo, entretanto, que na maior parte de nossa vida ou em toda ela, vagamos perdidos entre lembranças e expectativas, sejam elas agradáveis ou desagradáveis; permanecemos enclausurados em nossa mente, presos aos encadeamentos do tempo.


A percepção que temos, portanto, é que vivemos, de fato, no tempo, e jamais fora dele. E o tempo é implacável. E temos isso como uma convicção quase inquestionável. Mas, para viver a vida em sua plenitude, para ser, de fato, livre para viver, temos que sair do tempo, temos que sair da "mente em movimento".


É importante compreender que tudo o que se cristaliza em lembranças não é vida; pois a vida é um contínuo desabrochar. Tudo que se idealiza para o porvir, não é vida; pois a vida é o incidental, o imprevisível, o impremeditado, o adventício, o extemporâneo, o surpreendente, o banal e o extraordinário.


Portanto, temos diante de nós uma escolha que pode nos libertar ou nos aprisionar: se optarmos por continuar a "viver na mente", seremos escravos do tempo; se desejamos a liberdade, temos que viver o presente.


Com yoga aprendemos a viver o presente. Para isso, temos que despertar a consciência para esse instante sagrado, onde a vida acontece em sua mais ampla e profunda plenitude. Necessário, portanto, se faz estabelecer a conexão com o infinito e eterno agora. E como isso pode ser realizado?


O yoga nos ensina que a respiração é o segredo desta conexão. A respiração, como se diz, é a janela para o espírito. Mais que isso, a respiração é o presente, pois não se pode respirar no passado ou futuro. Os antigos rishis perceberam que há uma correspondência entre a respiração e a consciência. A consciência é o próprio espírito, esse infinito e eterno agora.


Vejamos essa questão. Quando a mente se agita ou se distrai, a respiração se altera ou não temos dela consciência; quando a respiração é tranquila, a mente se pacifica, e a consciência desperta. Logo, o espírito somente pode ser percebido em uma mente serena estabelecida por uma respiração tranquila.


A respiração, portanto, é o elo entre a mente/passado-futuro e a consciência/presente. Quando estamos atentos à respiração, somos a testemunha do momento presente e vivenciamos o infinito e eterno agora, o que nada mais significa dizer que estamos a viver por inteiro no que se pensa, no que se fala e no que se faz.


A conexão com o infinito e eterno agora, estabelecida pela respiração consciente, é fruto da constância no “manter a atenção” (samprajanya) ao momento presente, cuja prática se faz pela “contínua lembrança” (sati) da observação atenta a qualquer perturbação que possa alterar o fluxo natural da mente.


No yoga, algumas das técnicas de pranayama nos permitem manter a respiração em estado estável e sereno. Quando a respiração mantém-se estável e serena, a mente mantém-se igualmente estável e serena. É apenas neste estado de serenidade e harmonia entre “o pensar e o respirar”, que é possível emergir a “consciência pura” (chaytania).


E o que é essa “consciência pura”? Chaytania é a qualidade fundamental da mente. A mente, em seu estado natural, é uma observadora serena, pacífica e atenta; por ela tudo flui simples e livremente, pois ela, em si, nada tem a ganhar ou perder.


A consciência pura é o nível mais profundo de nossa experiência; ela é a “presença desperta”, que nos liberta de todas as fixações da mente. Pois a mente em movimento pode atrair-se e fixar-se em algum evento psíquico. Quando a mente retém, segura algo, ela se perturba, se modifica.


Modificada em seu estado natural, a mente agarra-se às suas próprias elucubrações. A mais elaborada delas é o ego (ahankāra), ou seja, tudo aquilo que ela retém e passa a se identificar como "isto sou eu, isto é meu".


 

O ego, esse impostor, se alimenta da ruminação do passado e da antecipação do futuro, mas não pode sobreviver na simplicidade do momento presente (Matthieu Ricard)


 

O domínio da respiração nos permite o autoexame da natureza da mente e de seus estados alterados. Quando a respiração está tranquila e a mente serena, podemos perceber, claramente, o movimento da mente, o seu ir-e-vir entre o passado e o futuro. Percebemos o ego em ação.


Essa clareza de percepção é a nossa “qualidade cognitiva fundamental”, ou seja, a nossa inteligência, o que se denomina por “mente autoluminosa” (buddhi). É nesta “luz” que podemos ver claramente, as coisas como elas são, sem ser enredados por elas.


É nesta “luz” que emerge a “consciência pura”. Ela é aquilo que na raiva vê a raiva, sem ser a raiva, e sem deixar-se levar por ela; que na tristeza vê a tristeza, sem ser a tristeza, e sem deixar-se levar por ela; que no prazer vê o prazer, sem ser o prazer, e sem deixar-se levar por ele. E assim, com todas as emoções, pensamentos e sentimentos.

 


Identificar a natureza fundamental da consciência e saber repousar nela num estado não dual e não conceitual é uma das condições essenciais para a paz interior e para libertar-se do sofrimento

(Matthieu Ricard)


 

Chaytania é a consciência mais profunda e sutil de nossas experiências. É o nível mais elevado da consciência. É quando a totalidade da experiência é percebida claramente, não se permitindo qualquer dúvida sobre se estou situado no momento presente ou “viajando pelo tempo” com ego e suas bizarrices e tolices.


Não é difícil identificar quando o ego assume o controle da situação, e a experiência se torna rasa, fragmentada e desastrosa. Alguns sintomas do egocentrismo são: a dificuldade em lidar com as frustrações; a incapacidade de gerenciar conflitos; a insistência em impor as próprias opiniões; a indiferença ao sofrimento do outro; as dificuldades e bloqueios nas relações afetivas.


O ego é o que nos distrai, o que nos desvia, o que faz a mente fixar-se; ele é o que não nos permite a experiência do infinito e eterno agora. O ego é a "grande ilusão" (Mahāmāyā), o véu que não nos permite ver a realidade me si; ele é a advertência para o despertar da consciência.


Para vivenciar o presente, a atenção é uma qualidade fundamental a ser desenvolvida. Pois, somente podemos contemplar a natureza da mente no estado de plena atenção, livre, portanto, de quaisquer distrações, desvios ou fixações.


O ego é a mente que se fecha sobre si mesma. Não há qualquer abertura ao presente quando a mente é governada pelo ego. Para viver o presente, a mente tem que estar "aberta" para o presente.


O Yoga Sutras nos ensina que “mente aberta” é aquela que não está centrada em seus próprios interesses ou fixada em suas distrações. “Mente aberta”, portanto, significa um estado mental livre do egoísmo e do egocentrismo.


Íshvara pranidhana é esse estado mental livre do ego; é o reconhecimento e a aceitação de que há algo muito mais e além do “meu próprio umbigo”. Íshvara pranidhana é ser capaz de guiar-se a si mesmo pela “luz da consciência”, entregando-se à divina sabedoria interior.

  


Íshvara pranidhana indica um estado onde os interesses e desejos da mente desapareceram. É a reta orientação, mas não no sentido de estar voltado para uma direção. Íshvara pranidhana é a condição fundamental de uma mente aberta, é um estado de abertura, sem direção definida. É necessário salientar que este estado de abertura é, na verdade, o conteúdo vivo da não-possessividade

(Rohit Mehta)

 


Quando estamos na mente, perdidos no tempo, estamos fora da realidade. Permanecer na mente é como estar em um “mundo paralelo”, onde confundimos as fantasias do ego com a realidade. Viver na mente é como viver a vida através da tela de um smartphone, que projeta um “mundo virtual” totalmente desconectado do mundo real.


O yoga nos transmite a sabedoria de que a consciência é infinita e eterna e, portanto, transcende os limites da mente, do tempo. Em nosso corpo físico, ela está vinculada à respiração. A respiração, em si, é a própria consciência, é o espírito que nos anima.


Estar consciente da própria respiração é despertar a consciência para a sua própria infinitude e eternidade. É sair da mente, é transcender o tempo.


Hari Om Tat Sat.

 

 

A estabilidade da mente e da respiração interagem. Quando as emoções e os pensamentos se aquietam, pelo domínio da respiração, vivencia-se um estado de profunda serenidade, e alcança-se, assim, a paz interior. É o domínio da respiração que liberta das aflições. O domínio da respiração é o verdadeiro conhecimento do Si Mesmo (B.K.S. Iyengar)

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