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Foto do escritorMarcelo Augusti

YOGA: SAIR DA MENTE PARA ENTRAR NA VIDA

O refúgio interno é o reconhecimento de sua natureza verdadeira, que é o espaço aberto e claro do ser. Esta é a natureza de sua identidade verdadeira: aberta e clara. Ela pode ser percebida diretamente, mas não pela mente “solucionadora de problemas”, a mente em movimento; somente a consciência pura pode compreendê-la. A consciência da abertura é a fonte de toda cura, bem como a fonte da criatividade, alegria, amor, compaixão e todas as outras qualidades positivas

(Tenzin Wangyal Rinpoche)


Yoga, mais do que qualquer outra coisa, é uma prática. Uma prática que, para se alcançar alguma realização, por mínima que seja, necessita de engajamento. Yoga, longe de ser um conceito abstrato, é “cultivar a vida”, cujo processo se expande e aprofunda com a prática ao longo do tempo.


A prática do yoga, enquanto um compromisso consigo mesmo, torna-se eficaz no que se propõe a realizar. Persistência e disciplina são fundamentais para que o yoga exerça uma influência poderosa e benéfica sobre a saúde e o bem-estar.


Yoga também é leveza e despreocupação com desempenho e resultado. Embora exija determinação e constância, o yoga não impõe perfeição ou comparações performistas. A prática de yoga deve ser leve em todos os aspectos, ainda que exigente.


Ao se dedicar à prática do yoga, passamos a compreender a vida a partir de outra perspectiva. Um novo olhar é lançado sobre a dor e o sofrimento. E nos questionamos: será que tentar evitar o sofrimento, que é uma experiência natural e inevitável da condição humana, ou esforçar-se para controla-lo, não é o que provoca esse sofrimento?


Comprometidos com a prática do yoga, certamente saberemos distinguir os processos mentais que causam o sofrimento e devastam a qualidade da nossa vida. O yoga nos ensina a abandonar a luta insana contra o sofrimento; e aprenderemos a acolher, de boa vontade, todas as experiências que a vida nos proporciona.


Yoga, portanto, não é sobre resistir ou impor condições, mas aprender a aceitar e acolher. Compreender as emoções, os sentimentos, os pensamentos, sem se deixar levar por eles. A prática do yoga nos oferece um caminho para sair do sofrimento e auxiliar na decisão de viver a vida em sua plenitude.


O legado deixado pelos grandes mestres espirituais do passado nos aponta para uma verdade indiscutível: a inflexibilidade psicológica é a causa principal do sofrimento. Inflexibilidade psicológica é a incapacidade de mudar de opinião, mesmo após comprovar que o pensamento original não está correto. Trata-se de um esforço obstinado para controlar os pensamentos, as sensações, as emoções e as predisposições comportamentais diante de eventos desagradáveis, experiências indesejadas ou dolorosas. Por outro lado, considera-se a flexibilidade psicológica como a habilidade de estar no momento presente com total consciência e abertura para a experiência do “agora”. 


Mais do que um conjunto de técnicas posturais, o yoga consiste em promover uma abertura à experiência presente. Isto é possível apenas observando-se os próprios pensamentos, sem julgamentos, críticas ou elucubrações. Essa atenta observação dos fenômenos mentais, ou seja, dos conteúdos psicológicos, é yoga.


A prática do yoga, portanto, possibilita a aproximação direta do indivíduo com a experiência vivida no momento, sem interposições, promovendo a flexibilidade psicológica. Trata-se de uma mudança de atitude no modo de se relacionar com os próprios conteúdos psicológicos.


Como dito, a inflexibilidade psicológica é a causa do sofrimento; são os pensamentos, os sentimentos, as sensações e memórias que geram emoções que julgamos como ruins ou negativas, diante das experiências da vida. E quando tentamos controlar os conteúdos psicológicos, evita-los ou alterá-los à força, maior será o sofrimento.


O apego ao mundo da matéria e à “vida no corpo” são fatores que provocam as situações que geram e mais contribuem para o sofrimento: estresse, ansiedade, angústia e depressão. Quando detemos nossa atenção nos “problemas e dores da vida”, nos identificando com eles e buscando fora de nós as soluções, aumentamos a nossa frustração.


O sofrimento, logo, é um “desconforto psíquico”, que varia em grau, nível, intensidade e amplitude, a depender do modo em que cada indivíduo se relaciona consigo mesmo. São os hábitos e costumes que adquirimos ao longo da vida que determinam as tendências no modo como reagimos e respondemos às circunstâncias da vida.


Enquanto não compreendermos plenamente que o “mundo é feito de mudanças” e que tudo é transitório e impermanente, estaremos atados ao sofrimento. Pois mudanças são inevitáveis. Elas acontecem independentemente de nosso querer. Relacionamentos iniciam e acabam; pessoas vêm e vão, profissões e trabalhos deixam de fazer sentido, e as circunstâncias da vida se alternam entre a calmaria e a tempestade.


As mudanças da vida, quando não aceitas e compreendidas, nos deixam confusos e aflitos. Então, o que fazemos é rejeitar a mudança, negar os fatos, se afastar da situação; porém, “onde quer que você vá, é você que estará lá”. A negação apenas adia ou agrava a questão; e aceitar não significa acomodar-se. Estes dois comportamentos apenas reforçam a identidade com uma “pessoa que sofre”.


Mas ao tomar consciência de nossos pensamentos, sensações e sentimentos, somos capazes de perceber quais são nocivos ao nosso bem-estar. É esta consciência do “mundo interior” que nos possibilita evitar que os conteúdos psicológicos maléficos ganhem força e desencadeiem aquele fluxo desagradável de emoções negativas – que é o que nos provoca estresse, irritação e frustração.


Quando falamos em “aceitar a vida como ela é”, não significa dizer que o yoga nos impõe uma “atitude de Poliana” diante da vida. A prática do yoga nos possibilita o discernimento, isto é, nos faz ver o mundo com clareza e, assim, nos habilita a tomar decisões com sabedoria.


Praticar yoga é despertar a consciência para sua amplitude e profundidade. É esta consciência desperta, ampla e penetrante, que permite-nos avaliar o melhor caminho a seguir, e agir de acordo com a verdade, a simplicidade, a humildade e a generosidade.


Quando a consciência “ilumina a mente”, os conteúdos psicológicos são revelados; então, somos capazes de compreender os surtos de infelicidade e as explosões de raiva que assolam o bem-estar, além do estresse e desânimo que nos assalta periodicamente.


O yoga nos permite identificar tudo aquilo que condiciona a mente e, por consequência, discernir todas as nossas tendências, comportamentos padronizados e reações repetitivas. O yoga deixa em evidência o quanto e como estamos aprisionados à mente, enquanto não vivemos a vida “lá fora”, que segue o seu fluxo natural.


Quando nos afastamos da amplitude e profundidade da consciência, entramos em um ciclo interminável de recriminação e autojulgamentos, que nos conduz a uma espiral descendente, que nos arrasta para a lama movediça das emoções conflituosas e destrói a nossa autoestima.


Em tal situação, sem a “luz da consciência”, a mente vaga desordenadamente, percorrendo as lembranças que refletem a experiência vivida no momento, buscando detectar alguma semelhança no passado para encontrar um meio de escapar do incômodo, vencer o medo e sair do perigo.


Esse “vaguear desordenado” da mente em busca de soluções, é algo que acontece sem que nos damos conta. Esse processo mental é uma habilidade básica de sobrevivência; é quase impossível deter o movimento da mente quando ela acredita estar vivendo situações que lhe extinguirão a existência.


É certo que em um passado remoto, os desafios da mente para sobreviver eram “bem reais”: fome, sede e proteção. Os desafios de hoje, todavia, são outros: sucesso, fama, dinheiro, consumo. Quando não atingimos o “bem-viver”, conforme o padrão exigido pelo meio social, a mente se agita, se perturba e sai à caça das soluções em seu próprio mundo de fantasias.


A sensação de fracasso ou inadequação quando não realizamos aquilo que o meio social espera de nós, desencadeia uma cascata de lembranças infelizes, emoções negativas e autojulgamentos impiedosos. Quando surgem pensamentos do tipo “o que há de errado com a minha vida?”, é porque não estamos percebendo e entendendo o movimento da mente. E quando um pensamento desse tipo ganha força, desencadeia outros, e outros... É muito difícil frear o ímpeto e o poder dos pensamentos.


O comportamento infantil de que “o mundo está contra mim”, limita a percepção de que os obstáculos que surgem para o alcance da felicidade são reflexos do modo particular como encaramos a vida. São as nossas projeções e sobreposições que prejudicam a “visão correta” da realidade. Quando nos afligimos com o próprio mundo – esta “realidade que criamos na mente” – é porque algo está muito errado com a consciência de nossa atuação na vida.


Yoga não é para controlar a mente, tampouco para esvaziá-la. Se temos como meta controlar a mente e esvaziá-la de seus conteúdos, já começamos errado. Haverá um violento combate com um adversário muitíssimo ardiloso e determinado em seus propósitos. Perderemos a batalha, e nos afundaremos em tristezas e lamentações.


Yoga é observar com atenção a mente, deixa-la movimentar-se livremente para que ela, por si, revele seus condicionamentos e padrões. Quando passamos a ver a “mente em ação”, percebemos com clareza que, assim como surgem, os conteúdos mentais se dissipam, sem que nenhum esforço seja necessário.


Ao observar atentamente as sensações no momento em que surgem, podemos perceber claramente que o desconforto que sentimos é decorrente dos pensamentos que temos sobre tais sensações. Manter esta atitude de simples e atenta observação – e nada mais é necessário fazer – reduz naturalmente a força dos pensamentos e nos tranquiliza. Assim, apenas permita que os conteúdos mentais desfilem no palco da mente, não identificando-se com eles, mas somente testemunhando sua manifestação.


A prática diária do yoga nos possibilita a lembrança dessa experiência de não-identificação com a mente. Essa lembrança é consciência. Estar consciente do “momento presente” é lembrar-se continuamente de que a única coisa que a mente condicionada deseja é estar focada em si mesmo, em solucionar os problemas que ela mesma cria e fortalecer seus próprios padrões de atividade. Por isso é necessário a lembrança contínua do que se aprendeu na prática.


Yoga é praticar a “atenção no agora”. O “agora” é dádiva preciosa que a vida nos oferece. Esse “presente” é o futuro que construímos ontem, na semana passada, no mês passado, no ano passado... Esse “agora”, “presente divino”, é o que temos, o único momento que dispomos para viver a vida em plenitude. Despertar para essa realidade é conscientizar-se “da vida que já tenho”, sem expectativas com “a vida que gostaria de ter” e sem apegos ou frustrações com “a vida que já vivi”.


Quando nosso conteúdo psicológico, responsável pela criação dos hábitos que orientam nosso comportamento, são expostos pela prática do yoga, então podemos ver claramente o quanto estamos ligados no “piloto automático”, que nada mais é do que a tendência em perder-se nos movimentos agitados da mente e sermos consumidos pela negatividade.


O yoga nos conduz à retomada das coisas que revigoram a saúde física e psíquica, pois deixamos de ver os conteúdos mentais como inimigos do bem-estar, compreendendo que eles são apenas fenômenos passageiros e, ainda mais importante que isso, que a mente e seus conteúdos não constituem a nossa essência existencial.


A prática principal do yoga é a meditação. Meditar pode ser entendido como o modo natural e correto de cultivar estados mentais livres dos condicionamentos. Considera-se, na tradição do yoga, que a mente representa o campo (ksetra) que podemos cultivar (bhāvana) para a plena contemplação da realidade do momento presente.


O Bhagavad Gita afirma: Não há conhecimento da essência para aquele de mente agitada; e como pode haver felicidade para aquele que não cultiva a paz? (BG. 2.66). É na prática da meditação que podemos “cultivar a paz” e, como consequência, encontrar a felicidade. Pois é a meditação que nos oferece os recursos fundamentais para “aquietar a mente” e conhecer a nossa essência.


A mente se aquieta quando permitimos que seus conteúdos se dissipem no próprio fluxo natural do ir-e-vir. Na prática meditativa, o que surgir na mente, seja lá o que for, apenas observe com atenção, porém, sem fixar-se em nada. Em pouco tempo de prática, percebemos claramente o fluxo natural do ir-e-vir dos conteúdos mentais, e que, do mesmo modo que surgem, desaparecem.


Qualquer tentativa de parar o fluxo dos pensamentos – aquele “parar de pensar” que muitos acreditam, equivocadamente, que é o objetivo da meditação – irá provocar uma maior e intensa agitação na mente.  


Meditar, portanto, consiste em observar atentamente os conteúdos mentais sem fazer julgamentos ou ser compassivo consigo mesmo. Aprendemos, com a meditação, que nada se leva para o lado pessoal, pois, assim como o fluxo natural do ir-e-vir dos conteúdos da mente é transitório e impermanente, assim também é a vida em suas mais diversas circunstâncias.


Todo sofrimento se dispersa quando nos dispomos, com sincera determinação, a compreender sua origem e cortar-lhe a raiz. O yoga, pela prática da meditação, nos conduz ao “refúgio interno”, onde encontramos o “machado firme e afiado” que corta a raiz do sofrimento.


Mas isso somente poderá acontecer se você se mantiver constante na pratica. Afinal, encontrar a paz, o amor e a felicidade em um mundo sem quietude e silêncio, não é tarefa fácil. Saia da prisão da mente e viva a vida em sua plenitude.


Hari Om Tat Sat.

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