Joseph e Clara Pilates
O perfeito equilíbrio entre corpo e mente é aquela qualidade do homem civilizado que [...] lhe fornece todos os poderes físicos e mentais que são indispensáveis para o alcance do objetivo do ser humano - saúde e felicidade (Joseph Pilates, 1934, Introdução).
O Método Pilates configura um dos sistemas de atividades corporais que mais se difundiu no Brasil nos últimos anos. Nem todas as pessoas, sejam praticantes ou não, sabem que os pressupostos ou o conceito central no qual o método se ancora ou pelo qual orbita, é claramente influenciado pelo Yoga e pelas Artes Marciais. Isso ocorre porque, em partes, o método se caracteriza amplamente pelos aparelhos e equipamentos desenvolvidos especialmente para a execução dos movimentos e, em partes, porque durante a concepção e os estudos que concretizaram o método, deu-se a adaptação das posturas aos aparelhos e assim, a criação de novos nomes para elas.
O criador do método, Joseph Hubertus Pilates, nasceu na Alemanha na década de 1880 e faleceu em 1967, nos Estados Unidos. Deixou duas importantes obras sobre seu trabalho: Sua saúde e O retorno à vida pela Contrologia. A primeira foi publicada em 1934, quando o mundo ainda sentia os reflexos das transformações sociais fomentadas pela Revolução Industrial, e dessa forma, o autor se debruçou nos apontamentos da vida desequilibrada que se levava em uma sociedade moderna. A segunda obra, publicada em 1945, em parceria com William John Miller , centrou-se no método e na explanação mais detalhadas dos exercícios propostos.
Quando o primeiro livro foi publicado, as principais cidades do Ocidente ainda se reestruturavam dos problemas sociais agravados entre o final do século XIX e início do XX. Nesse período, o tema saúde orquestrou os debates e manteve-se na ordem do dia. Na Europa, o deslocamento em massa dos camponeses para as cidades, devido às impossibilidades geradas por limitações tecnológicas, financeiras e políticas, para permanecerem no campo e continuarem produzindo em suas pequenas propriedades rurais, os levaram ao abandono de suas terras - que foram incorporadas às grandes propriedades - e à busca pela subsistência nas fábricas das cidades industrializadas.
Sem condições para abrigar tamanho contingente de mão de obra, as cidades transformaram-se em insalubres depósitos humanos - os cortiços - que culminaram em uma enorme crise na saúde pública. Textos da época expunham em detalhes as condições do proletariado e das cidades, mas, além escancararem a situação dos trabalhadores, revelavam também, em suas entrelinhas, o pânico entre intelectuais, sanitaristas, engenheiros, jornalistas, por sentirem-se, eles próprios, ameaçados:
Poucos [...] concebem o que são estes pestilentos viveiros humanos, onde dezenas de milhares de pessoas se amontoam em meio a horrores [...]. Para chegarmos até elas é preciso entrar por pátios que exalam gases venenosos e fétidos, vindos das poças de esgotos e dejetos espalhados por toda a parte e que a miúde escorrem sob os nossos pés, onde o sol jamais penetra, alguns sequer visitados por um sopor de ar fresco e que raramente conhecem as virtudes de uma gota d'água purificante. É preciso subir por escadas apodrecidas, que ameaçam a ceder a cada degrau e, alguns casos, já ruíram de todo, com buracos que põem em riscos os membros e a vida do incauto. Acha-se o caminho às palpadelas, ao longo de passagens escuras e imundas, fervilhantes de vermes. [...] Cada quarto aloja uma família, talvez duas. Um fiscal registra haver encontrado num porão, o pai, a mãe, três crianças e quatro porcos! Noutro, um missionário encontrou um homem com varíola, a mulher na convalescência de seu oitavo parto, e as crianças zanzando de um lado para outro, seminuas e cobertas de imundície. Aqui estão as pessoas morando numa cozinha no subsolo, e ali mesmo, morta, jaz uma criancinha. Em outro local estão uma pobre viúva, seus três filhos e o cadáver de uma criança morta há treze dias. Pouco antes, o marido, um cocheiro, se havia suicidado (HALL, 1988, p. 18 e 20).
Entre os anos 1880 e 1900 relatos como este que se referia especialmente a Londres, estendiam-se para cidades como Paris, Nova York e Berlim, entre outras. Ao se tornar um problema que colocava toda a sociedade em risco, a questão da saúde chacoalhou políticos, administradores e profissionais de diferentes setores e durante as primeiras décadas do século XX soluções passaram a ser formuladas para resolver os problemas sociais urbanos.
Entretanto, em seguida, chegaram os horrores produzidos pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pela Gripe Espanhola (1918-1920) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que solaparam a saúde física e mental das populações. Foi esse o contexto vivido por Joseph Pilates nos anos que antecederam a publicação de seu primeiro livro, Sua saúde. Considerado um jovem de saúde frágil, família pobre, tornou-se autodidata, e se aprofundou nos estudos de Anatomia, Física, Biologia, Fisiologia, Medicina Tradicional Chinesa e dos movimentos dos animais, estudo este peculiar aos asanas do Yoga. Teve incentivo de seu pai, Heinrich Friedrich Pilates - um operário da metalurgia, de ascendência grega e entusiasta dos esportes, especialmente do boxe - e em 1912, aos 32 anos ao estudar boxe, tornou-se instrutor de defesa pessoal e também artista de circo.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Joseph Pilates foi enviado para um campo de concentração e lá atuou como enfermeiro e teve oportunidade de observar a recuperação dos acometidos por influenza (Gripe Espanhola). Segundo ele, ainda que sem comprovação científica, os soldados sobreviventes à epidemia de influenza, teriam sido os que se submeteram à prática dos exercícios propostos por Pilates, fundamentados em Yoga. Foi também no campo de concentração que ele deu início à criação de seus equipamentos e aparelhos.
Em 1926, aos 46 anos de idade, mudou-se para Nova York, onde conheceu Clara que se tornou esposa e parceira de trabalho no estúdio onde aplicaram o método criado. No primeiro livro, diversos são os apontamentos e críticas feitos aos modos de vida ocidental moderno, especialmente europeu, que contribuíram à má saúde da população e o incentivaram ao estudo das posturas, à criação do método e dos equipamentos corretivos:
Desafio qualquer pessoa a sentar-se quieta, sem poder se movimentar, por uma hora, em uma cadeira moderna. Logo aprenderá o que isso significa para uma criança. Os músculos ficarão tão contraídos, com cãibras e dormentes, que já não terão sensibilidade. Ninguém poderia realmente descansar dessa maneira, pois não é natural. Para encontrar a posição naturalmente correta, que assegure a máxima quantidade de repouso e conforto, sugere-se que a pessoa olhe ao seu redor e observe as posições geralmente assumidas pelas crianças quando são deixadas sozinhas. Uma pessoa fica naturalmente em posições desconfortáveis? Claro que não. Então, por que não permitir que a criança fique "de cócoras" no chão, como um turco, um índio, um japonês ou um selvagem, cujas posições são, ao mesmo tempo, naturais, confortáveis e saudáveis? As crianças mais novas preferem se sentar no chão e gostam dessa posição, movendo-se como ursos sobre as quatro patas ou engatinhando, assim desenvolvem músculos maiores de suas costas, das pernas, da barriga e dos ombros (Pilates, 1934).
[...] deveríamos ter a sensatez de escolher como padrão de vida, nessa Era-Moderna, aquele que exclui o constante "empurra-empurra", a correria, a superlotação e a competição frenética que tanto caracterizam o nosso dia a dia. Esse ritmo muito rápido é totalmente refletido em nossa maneira de ficar em pé, caminhar, sentar, correr e mesmo falar. Dessa forma, nossos nervos estão sempre operando em seu limite máximo, do início da manhã até a noite, privando-nos do sono, que é tão importante e necessário (Pilates, 1934).
O método criado, foi batizado originalmente com o nome Contrologia e sua abordagem englobava muitos outros aspectos além da boa forma física e das correções posturais. Com os questionamentos acerca dos verdadeiros significados da vida e necessária inclusão do equilíbrio entre Corpo e Mente para que o indivíduo pudesse manter uma vida mais feliz e saudável, o método criado mostrava-se amparado nos conhecimentos milenares do Yoga, nos ensinamentos das civilizações gregas e mostrava-se adaptado às necessidades cotidianas da sociedade moderna, de forma a tentar comprovar cientificamente os resultados obtidos.
(os gregos) sabiam que o desenvolvimento simultâneo e igual da habilidade de uma pessoa em controlar seu corpo e sua mente de forma voluntária é uma lei suprema da natureza, e que o desenvolvimento desigual (anormal) do corpo ou da mente ou a rejeição de um ou de ambos resultaria no completo fracasso em realizar a primeira lei da civilização - (preservação da vida) - conquista e manutenção da perfeição corporal e mental. Na hipótese de esse tão desejado objetivo não ser alcançado, o corpo se tornaria, como aconteceu, um inimigo da mente e vice-versa, quando na verdade deveriam ser "amigos" (Pilates, 1934).
Uma mente sã que "habita" um corpo doente (50% do equilíbrio) é como uma casa que tem um bom teto de cobre, mas que foi construída sobre um terreno de areia. Um corpo são que "abriga" uma mente doente (50% de equilíbrio) é como uma casa com um fundo sólido de pedra, mas com um teto de papel. Uma mente sã que "habita" um corpo são (100% de equilíbrio) é como uma casa construída com teto de cobre sobre uma sólida estrutura de pedras. Finalmente, uma mente doente que "habita" um corpo doente (0% de equilíbrio) é como uma casa construída em terreno de papel sobre um terreno de areia.
A influência do Yoga perpassa por várias análises do autor acerca das condições não saudáveis dos indivíduos, decorrentes dos modos de vida adotados que caminham no sentido contrário à real natureza de cada ser e que culmina em infelicidades e doenças. A postura crítica do autor é constante em relação à insistência na manutenção de hábitos nocivos, à equivocada utilização de móveis inadequados para o repouso do corpo humano, e às diretas relações que se dão entre doenças e hábitos inadequados, dentre os quais a obesidade.
Joseph e sua esposa Clara Pilates, que manteve o estúdio ativo após o falecimento do marido, foram pioneiros e visionários em seus tempos e contribuíram imensamente para o avanço dos estudos em saúde e bem-estar e, ainda que de forma indireta, para a divulgação dos benefícios do Yoga para quem busca uma vida mais feliz e saudável!
Om Shanti
Joseph Pilates alongando, claramente em execução de Dhanurasana, a postura do arco.
Imagem: https://www.canalpilates.com.br/fotos-de-joseph-pilates
Joseph Pilates, aos 57 anos e aos 82 anos.
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Aula em grupo com Joseph Pilates
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Aula em grupo com Joseph Pilates, na qual os alunos executam a Postura do Barco, Navasana.
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Joseph e Clara Pilates
https://www.canalpilates.com.br/fotos-de-joseph-pilates
Imagem: https://www.canalpilates.com.br/fotos-de-joseph-pilates
Referências
HALL, Peter. Cidades do amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto urbano no século XX. Série Estudos. São Paulo: Pespectiva, 1988.
PILATES, Joseph H. A obra completa de Joseph Pilates. Sua saúde e O retorno à vida pela Contrologia (coautoria de William John Miller). São Paulo: Phorte, 2010.
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