Sarvam khalvidam Brahma
Tudo isso é Brahman
(Chandogya Upanishad)
Os Vedas são textos sagrados, considerados os mais antigos que existem entre a humanidade. Eles contem todos os ensinamentos da tradição do yoga. Seus textos tratam dos sacrifícios e rituais (Karma Kanda), da adoração à divindade (Upasana Kanda) e do conhecimento de Brahman (Jñana Kanda).
Diz-se que os Vedas não foram escritos por nenhum ser humano. Seus ensinamentos foram transmitidos aos rishis (sábios) pela respiração de Hyraniagarbha, a fonte da criação do universo, o próprio Senhor Brahma, o Criador. Brahma é considerado a encarnação do Espírito Cósmico, Brahman.
Esse Brahman é o princípio divino, não personalizado e que perpassa todo o ensinamento dos Vedas. Brahman é o Absoluto, o Infinito do qual emana toda manifestação; ele é a origem, a Consciência Universal, de toda consciência individual que evolui no universo manifestado.
Quando falamos de Yoga Vedanta, nos referimos às práticas do yoga que nos revelam essa Consciência Universal como nossa essência, a nossa natureza divina. As práticas do Yoga Vedanta, portanto, se assentam em uma filosofia investigativa (Mimamsa) sobre o significado esotérico dos textos sagrados.
A investigação sistemática do conhecimento de Brahman denomina-se Uttara Mimamsa, e os ensinamentos que conduzem à apuração da verdade da realidade última estão contidos no Vedanta. O Vedanta é a parte final dos Vedas, a sua conclusão. O Brahma Sutras, escrito por Badarayana, é a síntese do conhecimento dos Upanishads, que são os ensinamentos definitivos sobre a finalidade e a essência dos Vedas.
Yoga Vedanta, portanto, diz respeito ao estudo do Brahma Sutras e dos Upanishads como a base filosófica para as práticas que nos levam ao Conhecimento. Não se trata de especulação, porém, de experiências genuínas e transcendentais que resultam na realização direta de Brahman; é a revelação “daquilo que vive no corpo (sharira)” ou Atman.
Sutra é uma composição condensada que exprime a essência de um ensinamento em uma frase sucinta e precisa. Trata-se de um argumento fundamental, traduzido por um mínimo de palavras, facilmente de lembrar. É um modo de compor textos que apenas os grandes mestres estão habilitados a realizarem.
O Brahma Sutras contém 555 sentenças ou aforismos, escritos em sânscrito (a “língua dos deuses” – devabhasa – dada suas características de refinamento e exatidão). O caminho espiritual proposto pelos aforismos do Brahma Sutras é a via interior, ou seja, o conhecimento de nossa natureza divina, que somente será revelada quando nos libertarmos da ilusão de que “eu sou o corpo”.
A identificação equivocada da consciência com o corpo é a causa primária do sofrimento e do aprisionamento aos ciclos de nascimentos e mortes. Se nos identificamos com o corpo, então, nos identificamos com suas características (“sou branco, preto, magro, gordo, alto, baixo, homem, mulher”, etc.), com os sentidos corporais (“sou inteligente, estúpido, cego, surdo, manco”, etc.), com a mente, as sensações e os pensamentos (“estou com raiva, tenho fome, sede, estou doente, não gosto disso, gosto daquilo”, etc.) e com a posição social e profissão (“sou rico, pobre, professor, estudante, engenheiro, médico, pai, mãe, vendedor, atleta”, etc.).
O objetivo do Yoga Vedanta é remover essa identificação equivocada, essa falsa percepção de que “eu sou o corpo”, que nada mais é do que consequência da ignorância primordial (avidya), que lança o véu dourado da ilusão (maya) sobre a nossa capacidade de discernimento e habilidade de perceber a verdade.
A emancipação dessa ilusão somente acontece na realização de Brahman e no conhecimento “daquilo que vive no corpo”, ou seja, Atman. Para Adi Shankara, um dos mestres da filosofia vedântica, esse Atman, aquilo que somos, é idêntico, em essência, a Brahman, o princípio divino, a Consciência Universal.
Shankara, em sua interpretação do Brahma Sutras, afirma que a natureza de Brahman é bem-aventurança eterna e infinita. Portanto, Atman é eterna e infinita bem-aventurança. Quando esse conhecimento nos é revelado pela prática do yoga, alcançamos o estado de liberdade interna (kaivalya), isto é, nos libertamos da servidão dos desejos do corpo e dos sofrimentos da mente, e mergulhamos no oceano da tranquilidade.
A consequência disso é que todas as identificações com o corpo cessam. Continuaremos a seguir a nossa jornada terrena, porém, sem as aflições que atormentam aqueles que se apegam à identificação com as características do corpo, com os sentidos corporais, com a mente, as sensações e os pensamentos, e com a posição social e profissão. Deixamos de carregar o mundo às costas, nos afastamos dos burburinhos e turbilhões, e passamos a apreciar a vida como ela é.
Alcançaremos, assim, uma visão da realidade que torna a nossa vida mais leve, serena, em harmonia com a natureza, com as pessoas e com os demais seres vivos. A vida se torna plena, pois paz, amor e felicidade não são coisas a serem buscadas, coisas para se correr atrás, mas aquilo que já somos em nossa essência constitutiva desde todo o sempre.
A realização espiritual, todavia, não é um entendimento intelectual da não-dualidade Atman-Brahman. O Vedanta nos aponta a direção para, pela prática do yoga, refletirmos e contemplarmos os ensinamentos. A compreensão da identificação Atman-Brahman (“aquilo que está aqui é o mesmo que está lá”), ou seja, a consciência individual como expressão da Consciência Universal, somente pode ser alcançada pela experiência direta do indivíduo. É pela prática do yoga que se alcança a percepção correta, pela experiência direta, da não-dualidade Atman-Brahman.
O Vedanta nos legou quatro grandes afirmações que são objetos de reflexão e contemplação pelos praticantes do yoga. Essas afirmações, denominadas de Mahavakyas, são a essência dos doze principais Upanishads, relacionando os textos entre si de modo a formar uma unidade coesa. Compreender essas afirmações é objetivo da prática do Vedanta Yoga.
As quatro grandes afirmações (Mahavakyas) do Vedanta são:
Prajñanam Brahman
(“Brahman é Conhecimento Supremo”)
Aitareya Upanishad
Tat tvam Asi
(“Eu sou Aquilo”)
Chandogya Upanishad
Ayam Atman Brahma
(“Atman e Brahman são o mesmo”)
Mandukya Upanishad
Aham Brahma Asmi
(“Eu sou Brahman”)
Brihadaranyaka Upanishad
Os Mahavakyas são a essência do Yoga Vedanta. Yoga e Vedanta se constituem em uma única fonte de ensinamentos e práticas que nos levam ao Conhecimento. Esse Conhecimento é a compreensão suprema, por meio da experiência direta, que se faz pela profunda reflexão e pela contemplação dos Mahavakyas.
A experiência direta somente pode ser alcançada em um estado de quietude e silêncio. É quando permanecemos concentrados nos significados dessas afirmações, que a experiência direta do “Brahman é Conhecimento Supremo” transcende para “Eu sou Brahman”.
Esse estado supremo de contemplação se denomina saksatkara ou “visão do divino”. É quando o conceito e a percepção se completam, se tornam unificados. Não há mais dúvidas de que “Eu sou Atman – Eu sou Brahman”, o que significa dizer que “o princípio divino que habita em mim, que eu sou, habita em todos, e todos somos um”. Esta é a realização plena da não-dualidade.
Para que a consciência individual se eleve à Consciência Universal, e com ela se transforme em uma unidade, o aporte filosófico dos ensinamentos do Vedanta, aliado às práticas do Yoga Sutras para estabilização da mente, são meios eficazes para investigarmos a nossa verdadeira natureza e, assim, descobrimos a essência do nosso ser, que é todo paz, amor e felicidade.
Estude e pratique yoga. Mas estude e pratique agora!
Hari Om Tat Sat.
Se você quer uma prova da verdade, é porque você ignora a realidade. Tomar a dualidade como uma certeza, é acreditar que a diversidade e a variedade são coisas separadas. Pensar que a realidade é separação, e que isso é a verdade, é não compreender que variedade e diversidade são expressões sempre mutáveis da realidade. Pedir uma prova da verdade é não compreender que tudo o que existe é testemunha da realidade, mutável, mas sempre una (Sri Nisargadatta Maharaj)
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