O yogi conquista o corpo pela prática de ásanas, tornando o corpo um veículo apto ao Espírito.
(B.K.S. Iyengar)
Uma das vias do yoga é denominada de hatha. Hatha é um termo sânscrito que significa “esforço intenso”, e que remete a vigor, perseverança. Decompondo-se o termo, entretanto, ha significa sol e tha é lua. Hatha, nesse sentido, representa as duas principais nadis ou canais por onde flui a energia vital que percorre o corpo sutil e, também, simboliza a dualidade ou pares de opostos aos quais o mundo fenomênico se assenta. O corpo sutil é o veículo da consciência e aquele que carrega as tendências de uma vida para outra.
Pela via do Hatha Yoga, portanto, busca-se depurar a consciência (eliminando as tendências à reencarnação) e desenvolver a plena harmonia entre as capacidades do corpo e da mente, ou seja, unir os pares de oposto. Como sabemos, yoga é união; e essa união se faz pela integração dos pares de opostos – matéria/espírito, humano/divino. Quando alcançamos a unidade naquilo que, em aparência, se mostra separado, então, realizamos o yoga e nos colocamos no caminho da liberdade rumo à imortalidade.
Um dos principais elementos do Hatha Yoga são as posturas psicofísicas ou ásanas. A definição de ásana é “postura estável e confortável”. No Hatha Yoga acredita-se que o primeiro passo a ser dado em direção a depuração da consciência é tornar o corpo físico perfeitamente saudável. Um corpo saudável é fundamental para a livre manipulação da energia vital. A imortalidade se alcança somente quando eliminam-se todas as tendências responsáveis pelo retorno ao ciclo da vida e morte e, então, assim purificada, a consciência que habita o Humano une-se à Consciência Divina.
A mente é considerada a principal fonte de perturbação da consciência, esteja esta voltada ao mundo interior ou exterior. No Hatha Yoga, considera-se que o corpo físico é um dos elementos que mais provocam distrações na mente, perturbando o equilíbrio do fluxo da energia vital e, consequentemente, impactando na consciência. As sensações do corpo físico, dor e prazer, são as principais causas da perturbação da mente. Dominar o corpo é controlar a mente. Assim, quando se coloca o corpo em uma postura particular, e se fixa nela por um certo tempo, ele deixa de ser um elemento de perturbação para a mente. É, pois, na quietude do corpo que se alcança o silêncio na mente. Esse é o objetivo dos ásanas: liberar a consciência, recobrando o equilíbrio da mente por meio do esforço do corpo.
Ásanas, como dito, são posturas psicofísicas. Isso quer dizer que há uma relação direta entre os estímulos corporais e as percepções mentais ou, mais precisamente, que há uma relação entre a matéria e a consciência. Assim, mudanças específicas no estado mental podem ser obtidas por meio da prática de posturas corporais correspondentes, o que desperta e amplia a nossa consciência. Cada ásana atenta para uma capacidade do corpo que corresponde a um aspecto da mente. Os ásanas exigem da capacidade corporal de resistência, assim como de flexibilidade e equilíbrio. Em correspondência ao fator resistência, temos a concentração; flexibilidade corresponde a resiliência; e o equilíbrio diz respeito a atenção.
Resistência é permanecer em firmeza, suportar, não ceder; é a capacidade corporal que possibilidade manter a execução de uma atividade por longo período de tempo. Concentração é orientar-se para um objetivo determinado, sem se dispersar. Manter a concentração é resistir às distrações e ao cansaço. Permanecer em uma postura física exige resistência e, por conseguinte, isso se reflete na habilidade mental da concentração. É necessário resistência para se manter concentrado; é necessário concentração para manter, por longo tempo, a execução de uma atividade. No início, é difícil manter uma postura; o desconforto, muitas vezes, é insuportável; se não estivermos concentrados, logo desistimos. Mas, quando dominamos o ásana, após longa prática, elevamos não apenas a nossa capacidade de resistência física, porém, o nosso nível de concentração também se eleva.
Flexibilidade é a capacidade de alongamento, de estirar os músculos e tendões e ajustar-se, com harmonia e leveza, ao movimento. Resiliência é a habilidade de resposta a um desafio na vida. Na superação de um obstáculo, temos que nos ajustar às circunstâncias, e saber lidar, sem rigidez de pensamentos ou sentimentos, com as adversidades. Tanto na flexibilidade como na resiliência, nada é forçado; todo ajuste deve manter a integridade intacta – seja muscular ou emocional. Pois, assim como um músculo pode se romper pelo excesso de tensão, uma pessoa pode sucumbir, emocionalmente, a um obstáculo caso tente manter-se rígida em seu comportamento. O domínio de um ásana requer ajuste, harmonia e leveza; forçar um ásana é atentar contra a integridade física e emocional. Observar os limites do corpo na prática de ásanas e saber avançar gradualmente, é aprender a ser flexível e resiliente.
Equilíbrio é a capacidade de sustentar o corpo sobre uma base, seja em movimento ou em posição estática, a partir de uma combinação de ações musculares. O equilíbrio possibilita que uma pessoa realize movimentos com agilidade e maestria. A atenção é uma habilidade para processar informações de modo seletivo. Estar atento significa que, em meio a muitas coisas, objetos e pessoas, ainda somos capazes de manter a execução de uma atividade, sem perder o foco. Uma pessoa atenta é uma pessoa equilibrada, pois a atenção está vinculada à consciência. Se estou consciente de meu corpo ou de uma situação em que estou vivenciando, posso agir de modo equilibrado, ou seja, fazer o que tem que ser feito com serenidade, disponibilizando dos meus recursos com total competência. O domínio de um ásana requer o equilíbrio do corpo e a atenção da mente, o que significa estabilidade. A perfeição na execução de um ásana, portanto, está em manter a estabilidade constante, durante o tempo que for necessário.
Hatha Yoga é considerada a via mais difícil para se alcançar a iluminação. Os ásanas preparam o corpo e a mente para a aventura da consciência; um corpo saudável e uma mente serena são os alicerces para a realização de uma vida espiritual. A perfeita integração corpo-mente exige uma severa disciplina e longos anos de prática. O adepto dessa via se confrontará diretamente com a dualidade das paixões – prazer e dor -, na qual terá que sair vitorioso ou sucumbirá; e terá que vencer a vaidade para não cair vítima da futilidade do exibicionismo. Integridade é o princípio a ser observado. O corpo é o templo do Divino, portanto, deve ser perfeito e imaculado para que a Luz Divina resplandeça em nós.
Controlando a energia vital, com o domínio dos movimentos e da respiração, livre de distrações, o sábio controla a sua mente. Não conhece doença, velhice e sofrimento aquele que forja seu corpo no fogo do Yoga
(Svetashvatara Upanishad)
Hari Om Tat Sat.
Comments