top of page
ABEBE BIKILA
O soldado etíope
Foram necessários um milhão de soldados italianos para invadir a Etiópia, mas apenas um soldado etíope para conquistar Roma (Abebe Bikila)
No primeiro post sobre os grandes nomes da Corrida, relembramos a lenda de Fidípedes e a origem da Maratona. Agora, vamos falar do primeiro grande maratonista olímpico: Abebe Bikila. Nascido em 7 de agosto de 1932, filho de um pastor de ovelhas do interior da Etiópia, Bikila era capitão da guarda real do Imperador Hailé Selassié. Foi no exército que o talento de Bikila para as corridas de longas distâncias foi descoberto, apenas aos 24 anos de idade.
Nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, Bikila não estava selecionado. Entretanto, quis o destino que um dos corredores etíopes tivesse a desventura de uma fratura no tornozelo, alijando-o da viagem à capital italiana. De última hora, já no embarque, Bikila foi convocado, apresentando-se para a disputa mais longa e desgastante do programa olímpico: a Maratona.
Acostumado a correr descalço pelas savanas etíopes, os pés de Bikila, já em Roma, não teriam se ajustado aos calçados de corrida, desconfortáveis e que lhe causavam dolorosas bolhas d’água. Desistindo do equipamento, não havia outra opção, a não ser correr com os pés descalços. No dia 10 de setembro de 1960, Bikila se apresentou na Piazza di Campidoglio para a largada da disputa, com outros 68 corredores. Foi um dos últimos a se apresentar, pois não queria passar a imagem do pobre africano sem dinheiro para comprar um calçado esportivo. Sua tentativa de passar despercebido, entretanto, foi inútil.
De calção vermelho e camiseta verde portando o número 11, aquele par de pés nus, únicos na disputa, já haviam chamado a atenção. Aos 28 anos, Bikila era um desconhecido entre os corredores. Naqueles idos, os corredores africanos não desfrutavam do protagonismo nas corridas de longas distâncias. Abebe Bikila, todavia, mudaria a história.
Correr descalço para um etíope não era questão crucial. Os pés de Bikila não tinham outra proteção, a não ser aquela que a sua própria condição de treinamento e a natureza lhe haviam concedido: as corridas diárias, descalço, de quase 40 km, numa altitude de mais de 2.000m, nas idas e vindas, pela savana etíope, ao Palácio Imperial. Onni Niskanen, o major sueco encarregado de preparar os soldados da Guarda Imperial, não deixou de notar a capacidade de resistência de Bikila. Ainda que sem uma técnica eficiente, Niskanen reconheceu em Bikila uma dedicação fervorosa e uma vontade de vencer sem ansiedades.
Naquele dia histórico, Roma estava sob um calor de 40 graus. A largada seria às 17h30, numa tentativa de reduzir os excessos do escaldante sol romano. Em uma disputa lado a lado, na maior parte do percurso, com o marroquino Rhadi Abdesselam, então o favorito a ganhar, Bikila superou seu adversário no último quilômetro e meio, venceu a disputa, obteve a melhor marca mundial para os 42 km na ocasião (2h15’16”) e se tornou o primeiro africano a levar a medalha de ouro em uma Olimpíada.
Quatro anos depois, em Tóquio, Bikila se tornaria o primeiro corredor a vencer duas maratonas olímpicas consecutivamente. Dessa vez, calçado. Uma exigência do comitê organizador. Mas com um detalhe: quarenta dias antes, durante um treino, Bikila sentiu fortes dores e foi levado ao hospital e diagnosticado com apendicite. Após a cirurgia, retornou com breves corridas, ainda no jardim do hospital. O tempo obtido em Tóquio, novamente a melhor marca mundial: 2h12’12”. Ao cruzar a linha de chegada, no Estádio Olímpico, Bikila voltou a surpreender os mais de 70 mil expectadores: sem aparentar cansaço, começou a se movimentar e fazer alongamentos, enquanto os demais, que chegavam, tombavam combalidos pelo tremendo esforço.
Os últimos quatro anos da vida de Bikila, entretanto, foi em uma cadeira de rodas, vitimado por um acidente automobilístico. Faleceu em 25 de outubro de 1973, aos 41 anos, tendo sido declarado como causa mortis uma hemorragia cerebral. Uma multidão acompanhou seu sepultamento em Adis Abeba, capital do seu país.
O legado de Bikila é vasto e vitorioso. Depois dele, os corredores africanos iniciaram a escalada rumo ao predomínio nas longas distâncias. Para ficar apenas com os etíopes, nomes como Mamo Wolde, Miruts Yifter, Hailé Gebrselassie e Kenenisa Bekele conquistaram recordes mundiais e medalhas olímpicas. Sem falar de Fatuma Roba, a primeira corredora africana a vencer a Maratona olímpica, em Atlanta, 1996. Nascida em dezembro de 1973, o ídolo de infância de Fatuma era ninguém menos que Abebe Bikila, e o seu sonho esportivo era repetir o feito de Bikila, ganhando a Maratona olímpica e incentivando as mulheres de seu país a correrem como nunca e a vencerem como Abebe.
Esse é Abebe Bikila, um ídolo etíope, um herói das corridas de longas distâncias. Considerado por muitos o maior maratonista da história. Em sua homenagem, o dia 7 de agosto é considerado o Dia do Maratonista.
Abebe Bikila, vencendo a Maratona Olímpica de Tóquio, 1964.
bottom of page